A migração é um dos temas mais discutidos do século XXI, justamente por ter se tornado um processo cada vez mais comum e por tantas pessoas terem precisado sair de seus países de origem em busca de uma vida melhor nas últimas décadas. Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que, em 2021, já eram cerca de 1,3 milhão de imigrantes no Brasil, e Juiz de Fora é uma das cidades que esses indivíduos buscam para morar. Com objetivo de ampliar a rede de apoio para imigrantes na cidade, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) passou a oferecer cursos gratuitos de português, visando superar uma das maiores barreiras para que esses indivíduos tenham uma boa qualidade de vida. Hoje conta com cursos disponíveis na Casa de Leitura Delfina Fonseca Lima, localizada na Rua Marília 631, Benfica, e no Curso Preparatório para Concurso (CPC), localizado na Rua Marechal Deodoro 230, 3º andar, Centro. São disponibilizadas vagas gratuitas para pessoas com idade mínima de 16 anos e o início das aulas é imediato, tendo duas turmas com aulas semanais às quartas-feiras.
Essas aulas começaram a ser ofertadas a partir de uma parceria entre Escola de Governo da Secretaria Recursos Humanos (SRH), Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa). A assistente social Victoria Sabatine explica que foi percebendo, na prática, as lacunas no acolhimento que esses imigrantes enfrentavam, do ponto de vista de políticas públicas, e por isso nota bem o quanto isso pode colaborar para seu desenvolvimento na vida na cidade. “O aprendizado da língua vai contribuir para a inserção deles nas comunidades brasileiras, para que consigam entender seus direitos e deveres, bem como facilita a inserção deles no mercado de trabalho, e isso é muito importante para os que vieram reconstruir a sua vida na nossa cidade”, diz. A ajuda nessas questões práticas, em sua percepção, também fez com que muitos indivíduos buscassem os cursos, que atualmente atendem cerca de 45 pessoas em duas turmas. O curso é voltado para adultos justamente porque ela entende que há uma dificuldade em relação à língua devido à distância do aprendizado e até mesmo uma resistência cultural.
Um dos grandes objetivos do curso é que os imigrantes tenham domínio da escrita e da leitura do português, algo que se torna essencial no dia a dia, mas que não é resolvido apenas no convívio com nativos. “Com o curso, eles se sentem mais seguros para fazer as coisas, inclusive para conseguir escrever e assinar documentos. Eles geralmente têm dificuldade em conseguir documentação para poder trabalhar aqui, para trazer o diploma, comprovar a sua formação e suas experiências de trabalho, para serem absorvidos pelo mercado”, explica Marina do Nascimento Neves, gerente do Departamento de Escola Governo. Uma das preocupações que as responsáveis pelo curso têm é de garantir que os imigrantes tenham o suporte necessário para conseguirem atuar em suas áreas na cidade, inclusive garantindo que vão ter seus direitos trabalhistas preservados e não serão explorados. No primeiro ano do curso, ao menos quatro pessoas conseguiram proficiência em português a partir das aulas.
A professora Adriana Benony é responsável por ambas as turmas e, por ser também professora de espanhol, explica que consegue uma aproximação maior dos alunos, já que grande parte dos imigrantes matriculados são venezuelanos – apesar de, no curso, como ela conta, existirem alunos de vários países diferentes. Ela entende, por exemplo, as questões fonéticas em relação às quais eles apresentam maiores dificuldades e as palavras que podem gerar mais confusão. Em sua visão, o aprendizado da língua é o que possibilita a esses indivíduos não ficarem à margem da sociedade em que estão inseridos, e é justamente esse efeito que ela nota um ano depois que o projeto se iniciou, com mais alunos sendo absorvidos pelo mercado de trabalho e conseguindo estudar na cidade. O aprendizado das línguas, em suas aulas, englobam fatores que fazem com que eles de fato se adaptem. “No curso não há somente o acesso à língua culta, mas também ao funcionamento da sociedade, à cultura, às diferenças regionais da língua e ao conhecimento histórico do Brasil”, diz.
Reconstruindo uma vida
Anggy Desangles, de 48 anos, participou da primeira turma de Português para iniciantes em Juiz de Fora. Ela veio da Venezuela com o marido e os filhos, e foi justamente através do esposo que ficou sabendo do curso, já que ele frequentou uma conferência na cidade e expressou essa necessidade. Já são três anos desde que Anggy veio em busca de uma vida nova, e afirma que migrar não é nada fácil. “Nós viemos com uma mala e uma bolsa, e muitos sonhos para melhorar de vida. Quando cheguei aqui no Brasil, muitas pessoas me acolheram muito bem, mas era muito difícil, porque eu não sabia nem falar ‘obrigada’. Não sabia nada mesmo para me comunicar”, relembra. As dificuldades eram várias, desde se expressar até conseguir um aluguel, apresentar documentos, levar as crianças à escola e se comunicar com os professores dos filhos.
O curso, em sua percepção, ajuda os imigrantes a “entenderem o Brasil” e, para isso, é preciso também treino da fala e de trocas. A oportunidade de estar com outros imigrantes nesse processo, muitos vindos do mesmo país que ela, ajuda bastante. “Tive a oportunidade de aprender a ler textos, obras do Brasil e conhecer mais também sobre a gastronomia”, conta. Sua filha, que veio junto com ela, hoje está cursando a Faculdade de Letras na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), continuando esse processo de integração.
No momento Anggy está desempregada, após ter trabalhado durante os três primeiros anos depois que chegou ao país em uma casa como faxineira, até que a família se mudou. Neste momento, está também fazendo oficinas para aprender a apresentar seu currículo e conseguir outras oportunidades. Nesse sentido, diz que o curso fez toda a diferença: “A gente fala, conversa sobre experiências e é escutado. É uma troca muito boa”. Em sua visão, no entanto, a língua não foi a única dificuldade, e sabe que muitos imigrantes lidam com situações diárias de pessoas que os subestimam. “Sair do meu país foi difícil, e a dificuldade não foi só com a língua, foi saber como começar de novo e me adaptar com tudo novo, ainda com crianças”, diz.
Aprender para pertencer
Angelimar Fonseca, de 39 anos, também veio da Venezuela, quatro anos atrás, pouco antes da pandemia de Covid-19 começar. Durante esse período, a sua adaptação foi ainda mais difícil, porque não podia ter contato com outras pessoas, aprender mais sobre a língua e nem procurar emprego da maneira que imaginava. O seu filho também precisou ser alfabetizado em casa, já que as aulas estavam funcionando apenas de maneira on-line devido ao isolamento. Isso fez com que, em 2022, assim que ficou sabendo da oportunidade através de um grupo de imigrantes da cidade, ela imediatamente se interessasse em aprender a língua, pelo menos para se relacionar com as outras pessoas.
Quando fez o curso, Angelimar também voltou a trabalhar e foi aprendendo mais sobre o Brasil. Ela atuava na Venezuela na área da saúde e, hoje, trabalha como cuidadora. Em sua visão, ainda há muitas diferenças que ela nota aqui em relação ao país de origem, mas hoje compreende mais sobre o dia a dia dos brasileiros e também consegue ter o apoio mais próximo de pessoas que passaram pela mesma situação que ela. No seu atual emprego, os desafios continuam se renovando. “Agora trabalho com crianças e adolescentes, e eles falam diferente das outras pessoas, usam gírias, então cada dia aprendo uma coisa”, conta.
Mescla cultural
Para além das aulas e da vontade de sempre trazer palestras de temas variados, Adriana também se esforça para, ao menos uma vez por ano, realizar um tipo de evento que ela chama de “Mescla cultural”. Esse evento faz com que os alunos de diferentes localidades possam compartilhar informações sobre a cultura de onde vieram com brasileiros que estão aprendendo a língua em questão – como, por exemplo, o espanhol. Como há vários indivíduos de diferentes perfis, ela entende que há um interesse grande por essa troca e pela interação com as pessoas da cidade.
Em sua visão, todas essas ações são essenciais para o sentimento de pertencimento dos imigrantes e podem oferecer caminhos para que continuem aprendendo e fiquem inseridos com ainda mais facilidade na vida na cidade. “É uma oportunidade única, e o trabalho tem sido feito com o máximo esmero, sempre tentando alcançar a cidadania em vários âmbitos”, diz.