A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) decretou luto oficial de três dias no município pela morte do motorista de ônibus Francisco Venâncio Pereira Filho, 62 anos, atropelado por um coletivo da Viação Tusmil, no início da madrugada deste sábado (4), na porta da garagem da mesma empresa, onde também trabalhava, na Avenida Senhor dos Passos, no Bairro São Pedro, Cidade Alta. O trágico acidente envolvendo veículo do Consórcio Manchester – alvo de processo administrativo por parte da PJF, que pode pôr fim ao contrato após uma série de acidentes por suposta falta de manutenção dos carros – revoltou a categoria e deixou em alerta as autoridades. Em meio a manifestações, todas as linhas da viação deixaram de circular até por volta das 10h30, quando foi acordado entre a PJF, os funcionários e o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário (Sinttro) uma reunião extraordinária do Comitê Gestor do Transporte Coletivo na próxima segunda. “Depois de um diálogo com os trabalhadores da empresa Tusmil, conseguimos que as linhas voltassem a funcionar, gradualmente, em respeito, inclusive, à instabilidade psicológica que resulta de uma perda tão dolorosa”, informou a prefeita Margarida Salomão (PT). Até por volta de meio-dia, no entanto, poucos coletivos do consórcio estavam nas ruas, e a maioria apresentava o letreiro apagado ou escrito “garagem”.
O acidente aconteceu pouco antes de 1h. Francisco teve o óbito confirmado ainda no local pelo Samu, e o corpo foi encaminhado para necropsia no Instituto Médico Legal (IML). De acordo com informações do boletim de ocorrência registrado pela PM, o motorista do ônibus que atingiu a vítima relatou que, após o término do serviço, recolheu o coletivo para a garagem. Ao chegar na empresa, passou pela portaria, subiu com o ônibus pela rampa de acesso, onde ficou estacionado, aguardando para entrar no pátio. Ele acrescentou que teria desligado o veículo, engrenado e permanecido com o pé no pedal do freio. Entretanto, o ônibus desceu a rampa de ré, atingindo a vítima, que estava em pé, do lado de fora da guarita da entrada da viação, conversando com colegas. O condutor acrescentou que tentou frear o coletivo, mas que o mesmo não teria respondido ao comando.
Francisco estaria aguardando ônibus que o levaria para casa, após cumprir seu turno, quando foi atropelado. Funcionários contaram à PM que ele estaria encostado no batente do portão e não conseguiu sair a tempo. O ônibus ainda atingiu a dianteira de outro veículo que estava chegando na empresa, além de uma motocicleta, e só parou após chocar-se contra um canteiro que protege uma árvore. A Perícia da Polícia Civil realizou os levantamentos de praxe no local. Ainda conforme o boletim de ocorrência, o ônibus envolvido no acidente foi fabricado em 2016.
Em nota, a Tusmil afirmou estar “desolada com o fato ocorrido em sua garagem, lamentando enormemente esta tragédia com um de seus colaboradores, e ainda num momento em que vem sendo atacada de todas as formas, quando todos vivem dias de insegurança e angústia”. A viação disse ser “preciso que as pessoas não se deixem levar por explicações ‘fáceis’ e oportunistas”.
A empresa informou que o ônibus envolvido no acidente passou por manutenção no dia 31 de maio e circulou normalmente na sexta-feira. “No momento em que estava sendo recolhido, já na rampa de acesso à garagem, o motorista o paralisou na subida, sem puxar o freio de mão. As perícias foram acionadas, e os trabalhos já estão sendo realizados para apurar a real causa.” Ainda conforme a Tusmil, “os demais carros foram impedidos de sair para a prestação do serviço, independente da vontade da empresa, que está trabalhando para retomar a operação, fazendo tudo ao seu alcance para reduzir o impacto sobre a população, além de acolher a família do colaborador e a todos na empresa”.
Em decreto assinado neste sábado, a prefeita Margarida Salomão lamentou o “trágico incidente” que vitimou Francisco, o qual “trabalhou com afinco e dedicação como motorista de ônibus para empresas que prestam serviço de transporte para o município”. Ela determinou, ainda, que as secretarias de Mobilidade Urbana e de Segurança Urbana e Cidadania “acompanhem atentamente a apuração do fato pelos órgãos competentes”.
Filho conta que pai estava na Tusmil há menos de 1 ano
O motorista Francisco Venâncio Pereira era divorciado e deixou três filhos, uma adolescente de 16 anos, um homem, 24, e uma mulher, 26. O do meio, Leandro Venâncio, compareceu à garagem da Tusmil na manhã de sábado. Em conversa rápida com a imprensa, ele contou que seu pai era motorista de ônibus há cerca de 20 anos e estava há menos de um ano na Tusmil, onde foi admitido após o imbróglio trabalhista e judicial envolvendo a Viação Gil, que também integrava o Consórcio Manchester. Os problemas começaram em meio à pandemia em 2020, quando a Gil encerrou suas atividades, alegando dificuldades financeiras, após atraso no pagamento dos vencimentos aos cerca de 580 trabalhadores vinculados. A Tusmil, por sua vez, assumiu as linhas.
Prefeita se manifesta por vídeos nas redes sociais
Em vídeo gravado durante a assinatura do decreto em seu gabinete, na presença do Comitê Gestor de Transporte Coletivo, a prefeita garantiu que as responsabilidades estão sendo apuradas “com o maior rigor”. “É inadmissível que um trabalhador perca sua vida no exercício da sua função profissional. Estamos muito pesarosos e, por conta disso, estou decretando luto oficial no município por três dias, em solidariedade à família, aos colegas trabalhadores e à população de Juiz de Fora, que não merecia uma perda como essa.”
Margarida reforçou que a PJF tem se empenhado na melhoria do serviço de transporte coletivo urbano. “Temos tentado, desde 20 de janeiro, buscar uma solução definitiva para esse desastre que é hoje o transporte público em Juiz de Fora. Temos tomado as medidas mais severas, mas é preciso que as pessoas entendam que isso tem que correr dentro do devido processo legal. Então, muitas vezes, temos que superar obstáculos na Justiça. E é por isso que não é possível agir imediatamente, de forma precipitada.” A prefeita garantiu que, na segunda-feira, o Comitê Gestor vai se reunir para encaminhamento das providências necessárias. “Não descansaremos até superarmos esse problema de vez.”
Logo no começo da manhã, a prefeita Margarida Salomão já havia manifestado, nas redes sociais, indignação com a notícia que considerou “trágica” e “deplorável”. “Nós temos lutado com essa situação da falta de manutenção, da falta de qualidade na prestação de serviços públicos de transporte aqui em Juiz de Fora, especialmente de parte do Consórcio Manchester. Temos, inclusive, buscado uma solução definitiva para isso, no campo do processo administrativo, porque temos um contrato em vigência.” Ela assegurou agir com a máxima “severidade” para que essa situação não se repita. “Vamos reagir com a gravidade que a situação reclama.”
Dor e manifestação na porta da garagem
Dezenas de motoristas e cobradores de ônibus ficaram reunidos na porta da garagem da Tusmil durante toda a manhã de sábado. Por volta das 6h, a Polícia Militar compareceu ao local para acompanhar o ato dos trabalhadores. “Manifestantes protestavam contra a empresa devido à precariedade dos ônibus com os quais trabalham, impedindo a livre circulação dos veículos, após nesta data ter ocorrido acidente com vítima fatal no pátio da empresa”, diz o texto do boletim de ocorrência. Ainda conforme a PM, houve reunião com os representantes de classe, onde foram decididas as condições de volta ao trabalho. “Fizemos o acompanhamento das negociações, agindo como intermediadores das partes, tendo no final os ônibus voltado a circular normalmente.”
Claudinei Janeiro, vice-presidente do Sinttro, contou que já havia trabalhado com Francisco Venâncio, o qual descreveu como excelente profissional, comprometido com o trabalho e com as empresas por onde passou. “Trabalhamos 18 anos juntos na Gil, e ele estava há cerca de oito meses na Tusmil. Foi mais uma vítima do transporte rodoviário.” Diante da suspeita de problema no freio do veículo envolvido no acidente, ele disse que o sindicato está cobrando das autoridades e da empresa um posicionamento. “Não queremos mais que esse tipo de acidente se repita. Aconteceram vários problemas e, agora, perdemos um companheiro.”
Claudinei comentou que o atropelamento fatal poderia ser ainda mais trágico, se o ônibus não tivesse parado na árvore. “Poderia até mesmo atravessar a via de rolamento. O motorista disse que não conseguiu controlar o ônibus pela falta do freio. Ele ficou muito abalado com a situação e foi levado até sua residência por um colega nosso.”
Após reunião na garagem da Tusmil, o presidente do Sinttro, Vagner Evangelista, lamentou a morte trágica de Francisco Venâncio e prestou solidariedade à família. “Saiu para trabalhar, largou a família e não voltou mais. Não foi falta de avisar, porque cobramos da Prefeitura e da empresa para melhorar a manutenção dos veículos. Até hoje está essa decadência. É lamentável o que está acontecendo com os trabalhadores e com a população da nossa cidade. Foi preciso morrer um trabalhador, talvez, para a Prefeitura e as autoridades tomarem providências.”
Vagner avaliou que o acidente poderia ter sido pior, se fosse com um ônibus cheio. “Poderia ter matado muitas pessoas. É lamentável o que aconteceu, que isso não se repita.” Ele garantiu que, já na segunda-feira, voltará a cobrar solução por parte das autoridades. “Ainda vai ser investigada a causa do acidente. E, nós, como representantes dos trabalhadores, vamos acompanhar. Não é possível tantos acidentes acontecendo, antes não aconteciam. E só o trabalhador que é responsável, a falha é sempre humana? Desde os primeiros acidentes cobramos a melhoria da manutenção dos ônibus, e nada foi feito.”
Também na saída da reunião que discutiu o retorno dos trabalhadores da Tusmil às ruas, o secretário de Mobilidade Urbana, Fernando Tadeu David, prestou solidariedade à família da vítima. “A prefeita está tomando todas as medidas e nos pediu para vir pessoalmente para acompanhar. Serão apuradas todas as responsabilidades civis, administrativas e criminais com relação a esse óbito.” Ele confirmou que a perícia foi realizada. “Nos reunimos com a equipe de motoristas, cobradores e representantes do sindicato para conversar. Acertamos a volta ao trabalho, apesar de toda dificuldade, porque alguns estavam aqui no momento do óbito, mas o serviço é necessário.” Segundo ele, o compromisso assumido pela PJF com os funcionários foi agendar uma reunião extraordinária do Comitê Gestor para avaliar toda a situação. “A Prefeitura está atenta, preocupada, e tomando todas as medidas necessárias para que esse fato seja devidamente apurado.”
Acidente com ônibus da Tusmil deixou 23 pessoas feridas
Antes do atropelamento fatal deste sábado, o acidente mais grave envolvendo ônibus da Viação Tusmil foi registrado em 13 de fevereiro, quando 23 pessoas ficaram feridas após a batida de um coletivo em um poste na Avenida Itamar Franco, na altura do Bairro São Mateus, Zona Sul. No dia 3 do mesmo mês, o motorista de um ônibus da linha 520 (Aeroporto) precisou manobrar nas proximidades do Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) e evitar que os passageiros se ferissem também na Itamar Franco, por suposta falha mecânica.
Outro acidente com veículo da Tusmil aconteceu em 10 de janeiro deste ano, quando um ônibus chocou-se contra uma residência na Rua Guilherme Debussy, no Bairro Borboleta, Cidade Alta. O motorista e o cobrador da linha 516 (São Pedro/Via Borboleta) ficaram feridos. Não havia passageiros no momento da ocorrência.
Processo administrativo tramita desde janeiro
O processo administrativo que trata sobre a possível rescisão do contrato firmado entre o Município e o Consórcio Manchester – do qual, hoje, apenas a Tusmil é integrante – chegou a ser suspenso no início de abril, por conta de decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No dia 6 de maio, no entanto, a Prefeitura informou que obteve um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) favorável ao prosseguimento do processo, instaurado em 20 de janeiro.
Conforme a PJF, a decisão de rescindir o contrato é baseada em irregularidades que não teriam sido sanadas pelo Consórcio Manchester. O Município havia determinado que o consórcio adotasse medidas para corrigir falhas observadas na prestação do serviço, como as relacionadas à circulação de veículos com idade acima da permitida e também sobre acidentes envolvendo ônibus da empresa Tusmil.
“Após numerosas notificações, registros de vários acidentes que colocaram em risco a vida de trabalhadores, usuários e população de Juiz de Fora, a Prefeitura chegou num momento crucial de tomada de decisão”, afirmou o Município em 4 de março.
Conforme a PJF, o Manchester recebeu uma média de 5,53 autuações por dia nos primeiros meses do ano, por problemas observados na prestação do serviço e no cumprimento do contrato. O mesmo foi firmado há cerca de seis anos, após a licitação de 2016, com concessão inicial por dez anos.
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