Desde o início dessa semana, perfis criados no Twitter e também no Instagram estão recebendo e compartilhando denúncias sobre supostas fraudes cometidas por candidatos no sistema de cotas adotado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialmente com relação a vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas. Outras contas também apontam possíveis fraudes em outras instituições federais. Em nota publicada nesta quarta-feira (3), após tomar conhecimento sobre a circulação dos dados, a UFJF se posicionou sobre o caso, e reforçou que todas as denúncias chegam até a instituição por meio do canal competente, que é a Ouvidoria, e todas são apuradas.
A equipe da Tribuna tentou contato com as páginas, por meio de seus perfis nas referidas redes sociais, mas não recebeu resposta até o final desta quinta-feira (4). Duas das páginas que traziam informações sobre alunos de Juiz de Fora foram retiradas do ar, também ao longo do dia. Nas postagens feitas em uma delas, os administradores reforçavam que o intuito não é promover o linchamento das pessoas denunciadas, mas procurava o reconhecimento do erro. A página também compartilhou um post feito pela titular da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas da UFJF, Cristina Bezerra, que indicava o e-mail correto para a manifestação de denúncias: ouvidoriaespecializada.diaaf@ufjf.edu.br.
Na nota publicada nesta quarta, a Universidade explicou que existem duas maneiras de encaminhar as denúncias que chegam via Ouvidoria. A primeira, com a criação de uma comissão de heteroidentificação, que faz a análise do perfil do estudante já durante a realização da matrícula. Nessa abordagem, é verificado se o candidato possui o perfil para a cota na qual se declarou, e é definido ali se ele tem direito ou não.
A segunda maneira trata de casos de denúncias contra estudantes que ingressaram antes da criação dessa comissão. A instituição destacou que apura todas elas, por meio de uma comissão de sindicância. Se a fraude for comprovada, é aberto um processo administrativo, por uma outra comissão, responsável pela investigação. Se a fraude for comprovada, a Universidade cancela a matrícula daqueles cuja fraude foi apurada pelas duas comissões. “Nenhuma das denúncias que chegaram à instituição, pelas vias oficiais, deixou de ser apurada pela Administração Superior”, reiterou a UFJF, no comunicado.
OAB foi acionada e vai analisar situação
Em razão da repercussão das denúncias, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Subsede Juiz de Fora), por meio da Comissão de Promoção da Igualdade Racial, foi contactada pelo Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFJF. De acordo com o presidente da comissão, Luiz Fernando Cunha Júnior, foi pedido que os estudantes façam um levantamento da demanda para que possa ser feita uma análise completa da situação, e que se possa vislumbrar quais medidas podem ser tomadas institucionalmente.
“O posicionamento da OAB, em um primeiro momento, é de entender a real situação, e a partir daí, poder analisar o que for maior. Pode ter acarretado um prejuízo para a comunidade, para diversas pessoas. Temos que tentar fazer tudo de maneira racional e ponderada, para que esses prejuízos não sejam ainda maiores.” Além disso, ele pontua que pessoas que tenham se sentido lesadas podem procurar por advogados particulares, enquanto não há uma medida coletiva. “Por meio deles, o estudante pode pleitear o acesso à informação, aos procedimentos da UFJF e até judicialmente, caso seja do interesse.”
Cuidados ao denunciar
De acordo com o advogado Caio Tirapani, é perceptível a urgência legítima que as pessoas têm de buscar a justiça para casos em que são cometidas fraudes. “No entanto, o que não pode acontecer, é que em busca de corrigir uma injustiça, se cometa outras tantas. Entendo que a exposição das fotos é ilegal, porque não tem autorização dos alunos e, depois, acaba com o propósito de expor uma ou outra pessoa que possa ter fraudado o sistema, no meio de outras que as usam da forma devida.”
Ele salienta que a Ouvidoria Geral da UFJF, a Ouvidoria Especializada e também o Ministério Público Federal são os caminhos para corrigir eventuais injustiças, porque são os canais aptos a verificar as situações de maneira qualificada. “A partir do momento que se publica uma foto, você incrimina a pessoa antes de qualquer tipo de processo e acesso ao que está no entorno dela. Tenho clientes que foram expostos e já estão passando por verificação junto às bancas da UFJF. Somente pelas fotos, é muito difícil avaliar e julgar alguém”, destaca Caio.
O advogado ainda defende que é preciso tornar mais acessíveis os critérios para avaliação das cotas, tanto nos editais, quanto nas leis. “Esse é o caminho para que as cotas alcancem maior efetividade. Não só a cobrança à UFJF, mas também aos gestores públicos, para que os critérios sejam facilmente compreensíveis e não ocorram dúvidas. Quanto mais detalhadas as regras se tornem, mais difícil é cometer a fraude.” No caso de pessoas que tenham se sentido lesadas, Caio aconselha que sejam registradas as postagens e seja feito o contato com as plataformas, para que os conteúdos sejam retirados. Em casos mais graves, outras medidas, como o registro da ocorrência e a busca por reparação judicial também podem ser feitas.