Há pouco mais de uma semana, uma onça-pintada avistada no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) roubou os holofotes e, desde então, está na boca do povo. A notícia da aparição do felino teve repercussão nacional, já que está ameaçado de extinção e, conforme especialistas, há pelo menos 80 anos não há registro do animal na Zona da Mata mineira. Uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Cenap/ICMBio) instalou armadilhas no Jardim Botânico, nesta sexta (3) e neste sábado (4), para tentar capturar o animal, que deve ser transferido para outro local, visando seu desenvolvimento e proteção.
A fim de conhecer mais sobre o comportamento da espécie e o que pode ter levado ao seu aparecimento em Juiz de Fora, a Tribuna entrevistou o biólogo e um dos maiores especialistas em onça-pintada do Brasil, Leandro Silveira. Tendo dedicado sua vida profissional à conservação do felino, Silveira fundou, em 2002, o Instituto Onça-Pintada, juntamente com a bióloga e sua esposa Anah Tereza de Almeida Jácomo. A organização não governamental tem como missão preservar o felino, considerado o maior do continente americano, através da execução e apoio a pesquisas. A distribuição geográfica da onça-pintada se estende do Norte da Argentina até o Sul dos Estados Unidos. Cerca de 48% dos exemplares se encontram no Brasil.
Na Mata Atlântica, o estado de conservação da onça-pintada é considerado “criticamente em perigo” pelo ICMBio, sendo que o número total de animais adultos é menor que 250. Como lembrou Silveira, em outubro de 2018, a onça-pintada foi reconhecida como símbolo brasileiro da conservação da biodiversidade. “Isso porque é um animal predador, no topo de cadeia alimentar, cuja existência depende de um ambiente saudável, com presas naturais e habitats. Ou seja, onde tem onça-pintada, tem boa qualidade ambiental. Significa que o ambiente vai bem, já que a espécie é muito exigente.”
– Tribuna – Quais fatores podem estar relacionados com o aparecimento de uma onça-pintada no Jardim Botânico, espaço remanescente da Mata Atlântica em Juiz de Fora?
– Leandro Silveira – Como não existe nenhum desmatamento significativo nas redondezas, isso nos leva a acreditar que esse animal nasceu em algum lugar próximo e está dispersando. Ou seja, está a procura de um território. Isso é muito comum acontecer entre machos jovens. Quando chegam à fase adulta, saem à procura de seu próprio território, podendo percorrer longas distâncias até encontrá-lo.
– É possível que tenham outros exemplares na região?
– Se tem um animal, é muito provável que tenha outro. Todavia, é bom salientar que onças-pintadas podem percorrer dezenas de quilômetros em uma única noite. Já monitoramos um animal que percorreu 40 quilômetros.
– O animal avistado, segundo especialistas da UFJF, parece estar adaptado à presença humana, por percorrer área pavimentada com cimento e iluminada artificialmente. O que isso pode significar? Há a possibilidade dessa onça ter sido domesticada?
– Isso significa que ela – até por não ter opção – está adaptada à antropização do seu ambiente natural. Ou seja, aprendeu a tolerar barulho, luz etc. Não sei se lembra do caso da onça-pintada que morou quase um ano em um bairro periférico de Goiânia. Essa onça se adaptou ao ambiente antropizado, saindo somente à noite para caçar. Depois que comeu todas as presas naturais disponíveis da área, passou a predar cães, bezerros e potros das chácaras vizinhas.
– Qual seria o comportamento esperado de uma onça “de mata”, ao entrar em contato com a presença humana?
– A verdade é que os animais se adaptam a novas realidades. Araras fazem ninhos em palmeiras imperiais no meio das cidades, gambás visitam lixeiras, e onças também podem adaptar a esses ambientes mesclados com urbanização. O comportamento esperado que ela está tendo é o de evitar o contato com humanos, visto que tem saído a noite.
– Felinos como a onça mantém uma rotina? É possível que a abertura do Jardim Botânico tenha causado alguma alteração?
– Muito pouco provável que a abertura do Jardim seja o motivo. Sim, eles mantém uma rotina de estar sempre caçando, se escondendo e procurando um local seguro e calmo para descansar.
– O exemplar encontrado corre algum risco? Como está a questão da caça ao animal no país?
– Não acredito que corra risco iminente em relação às pessoas. O seu maior drama deve estar sendo achar alimento que o sustente. Penso que seu maior risco é morrer de fome ou se envolver em conflito com pessoas, ao predar algum animal doméstico, como por exemplo, cachorro, gatos ou bezerros.
– Como a UFJF, responsável pelo Jardim Botânico, deve agir daqui em diante?
– Penso que a medida mais correta é a que está sendo realizada mesmo. Fazer esforços para capturar o animal, removê-lo para uma área distante e apostar que ele possa encontrar um local com menos pessoas por perto. Todavia, vale lembrar que esses animais têm grande poder de deslocamento. Veja o caso da onça de Goiânia. Nós a capturamos e levamos para uma área muito boa para onças, com bastante presas naturais e espaço. Só que o animal não ficou na área. Ele andou mais de mil quilômetros até encontrar um território “vazio”. No ano passado, também soltamos, com um colar GPS, uma onça que foi capturada dentro de um condomínio em Belém (PA). Ela foi levada para dentro de uma reserva do ICMBio, mas não ficou lá. Andou cem quilômetros para fora da reserva, onde acabou sendo morta.
– Com o aparecimento da onça, surgiram fotos e vídeos falsos em redes sociais. No meio disso, um vídeo de uma jaguatirica morta nas margens da BR-040 causou preocupação, visto que a “fake news” dizia ser a onça-pintada. Quais características diferenciam as duas espécies?
– Uma onça-pintada macho adulto pesa, em média, entre 90 e 100 quilos, enquanto uma jaguatirica não passa de 20 quilos. É como comparar um cachorro da raça dogue alemão com um pincher: ambos são cães, mas a diferença de tamanho não permite confusão. Apesar de a pelagem na forma de manchas ser parecida, a jaguatirica não passa de 20% do peso de uma onça-pintada.