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População reivindica acesso à saúde básica em Juiz de Fora

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Na UBS do Milho Branco a falta de medicamentos preocupa usuários (Foto: Leonardo Costa)
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As Unidades Básicas de Saúde (UBSs) são os estabelecimentos responsáveis por prestar serviços de atenção primária, área que visa à promoção e à proteção da saúde. Sendo assim, as UBSs são caracterizadas como a principal porta de entrada dos usuários no Sistema Único de Saúde (SUS) e estão localizadas nos bairros, mais próximas das pessoas, como forma de facilitar o acesso. Isso é o que estabelece a Política Nacional da Atenção Básica (Pnab), elaborada pelo Ministério da Saúde em 2012 e revisada em 2017. Na prática, no entanto, algumas das diretrizes da política estão só no papel em Juiz de Fora, já que problemas como a falta de unidades de referência para determinadas regiões e o déficit de profissionais ainda são realidade no dia a dia de quem precisa acessar os serviços. Somados à falta de insumos e medicamentos básicos e à longa espera para obter uma consulta médica, os problemas compõem o ranking dos principais gargalos da atenção básica na cidade.

Exemplos sobre os problemas enfrentados pelos usuários não faltam. A Tribuna recebe, frequentemente, reclamações e questionamentos acerca do atendimento realizado nos postos. Dados oficiais da Ouvidoria Municipal de Saúde apontam a formalização de 50 a 60 reclamações semanais sobre a atenção básica. Porém, o número pode ser ainda maior, considerando que nem todos os usuários formalizam reclamações sobre os problemas no atendimento. Na maioria dos casos, as situações relatadas são pontuais, mas refletem problemas mais amplos e coletivos. Além disso, o déficit em uma área pode desencadear outras falhas, o que aumenta a dificuldade para chegar ao tratamento.

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UBS de São Pedro

Na UBS do Bairro São Pedro, usuários relatam que a falta de funcionários causa demora no atendimento e se torna um obstáculo para quem precisa, por exemplo, marcar consulta ou procedimento. “Quem quer ser atendido precisa chegar de madrugada. Temos que sair de casa e ficar esperando nesse frio. São poucas vagas. Quem não consegue tem que voltar no outro dia”, disse uma mulher que aguardava atendimento na segunda-feira (23) de abril e não quis ser identificada.

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Na mesma UBS, Cristiana Regina Batista Paulino acompanhava a cunhada que está grávida de nove meses e também aguardava atendimento. A gestante chegou às 7h, mas não tinha sido atendida até 10h, sendo que a consulta estava marcada para 8h30. Além do atraso na consulta da cunhada, ela testemunhou outros problemas. “Uma senhora chegou passando mal e foi mandada embora, porque não tinha ninguém para aferir a pressão dela. Ela foi orientada a voltar 13h30. Isso é um absurdo, porque é o mínimo que se pode oferecer. Teria que ter um profissional de enfermagem para dar um suporte nesses casos”, disse Cristiana.

Fila na porta da UBS do São Pedro evidencia longa espera por falta de profissionais (Foto: Leonardo Costa)

Ainda no São Pedro falta quem faça as marcações. “Meu marido está esperando uma liberação para fazer o exame de risco cirúrgico. A demora é tanta que a guia perdeu a validade, justamente porque não tem quem marque. Tem gente chegando aqui à meia-noite. É muito descaso. Os profissionais que atendem não conseguem fazer milagre. Não tenho do que reclamar sobre o atendimento deles, mas falta gente”, diz a usuária Elizete Gerhein.

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Muitos pacientes, poucos médicos

Do outro lado da cidade, na UBS da Barreira do Triunfo, a demora no atendimento também evidencia a falta de profissionais. Por conta do crescimento da região, muitos usuários dos bairros, condomínios e comunidades do entorno se dirigem ao São Pedro em busca de atendimento. “Tínhamos duas médicas. Uma passou em um concurso e saiu, mas não houve reposição. Na última semana (em abril), a única médica do posto adoeceu, ficamos sem ter quem pudesse fazer as consultas”, descreve a presidente do Conselho Local de Saúde, Aparecida de Fátima da Silva.

Ainda conforme a conselheira, na UBS, só há profissional para marcação de consulta às terças, das 9h às 11h. Esse funcionário também faz a marcação do Bairro Benfica. “Pedimos outro médico e outro responsável pelo contato com a Central de Marcação de Consulta (CMC). O movimento é muito grande. Tem gente que está há seis meses esperando uma consulta. Não é culpa da CMC daqui. Tem dia que o trabalho é prejudicado até pela internet que falha. As pessoas aguardam, alguns vão embora aborrecidos, outros gastam passagem à toa, chegam cedinho e não conseguem a consulta, outros vão tentar nas UPAs. Mas é muita gente.” Ela ainda disse que um médico foi recebido e viria pelo menos uma vez por semana, na parte da tarde.

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Déficit de médicos é de 5%, diz secretaria

Samanta Borchear atribui falta de repasses destinados para a compra de medicamentos à crise financeira (Foto: Fernando Priamo)

A maioria das reclamações recebidas pela Ouvidoria de Saúde está relacionada à falta de profissionais nas UBSs, sejam aqueles especializados para atendimento à saúde, como médicos e enfermeiros, como agentes para marcação de consultas e farmacêuticos. Para a ouvidora Samantha Borchear, esse é o gargalo que mais prejudica os usuários. “As pessoas acionam a ouvidoria quando falta qualquer profissional nas unidades, e temos recebido muitas reclamações por falta de enfermeiro e técnico de enfermagem. Mas o maior problema é quando falta um médico, pois nosso modelo de saúde é focado nesse profissional. Apesar de ele não ser o mais importante na atenção básica, acaba sendo o referencial para a população. As pessoas chegam a chorar e reclamar na própria unidade.”

O subsecretário de Atenção Primária à Saúde, Thiago Horta, reconhece o problema e afirma que o déficit atual é de cerca de cinco médicos, mas destacou que, em comparação com o número total de profissionais nas 63 unidades, que seria de 142 médicos, o déficit atingiria percentual de menos de 5%. Ele falou também sobre as ações da pasta no sentido de garantir a permanência dos profissionais na rede. “Fixamos muito a nossa gestão em cima da manutenção desses profissionais, porque sabemos que a falta de um médico tem uma percepção de impacto negativo para a população. Por diversas razões, eles acabam saindo dessas unidades com mais frequência que os outros profissionais, por variados motivos. Por isso, temos duas estratégias: a realização de concurso público para médico de família e as residências médicas, programa por meio do qual os profissionais permanecem por dois anos nas unidades.” No caso dos outros profissionais citados, como enfermeiros ou técnicos de enfermagem, o subsecretário afirmou que não há um problema crônico, apenas pontual.

Falta de farmacêutico

Na unidade do Nova Era, Zona Norte, um usuário que preferiu não ser identificado indica a falta de farmacêutico. “Bastam poucos minutos para ver as pessoas chegando, procurando remédios e saindo com as mãos vazias. Os funcionários nos encaminham ao PAM-Marechal para ter acesso aos medicamentos.” Ainda de acordo com ele, falta um profissional para fazer o eletrocardiograma, já que o posto conta com um aparelho, mas não tem como prestar o atendimento por falta de pessoal.

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“É algo que podemos resolver facilmente no bairro, mas precisamos buscar em outras unidades, muitas vezes sobrecarregando- as”, destacou o usuário. Em nota, a Secretaria de Saúde informou que o farmacêutico foi aprovado em concurso público e já foi chamado, faltando os últimos trâmites para iniciar suas atividades. Enquanto isso, a pasta orienta os pacientes a buscar a unidade mais próxima, que é a do Bairro Santa Cruz, ou na Farmácia Central. Sobre o eletrocardiograma, houve desabastecimento do insumo para a impressão do exame. “A compra já foi providenciada e o exame voltará a ser realizado na unidade em breve. Neste período, os pacientes são encaminhados ao PAM-Marechal.”

Marcação de consultas

Thiago Hosrta admite que 25% da população vivem em áreas descobertas pela atenção básica (Foto: Olavo Prazeres)

O déficit no número de agentes de atendimento ao público, responsáveis por realizar os procedimentos para marcação de consultas, também é alvo de reclamações. Segundo a ouvidora municipal, Samantha Borchear, o problema já existe há algum tempo, e é derivado dos contratos temporários para preenchimento das vagas, medida que vem sendo adotada desde 2012. “A Prefeitura fazia contratos de um ano para preencher essas vagas, e os contratos do ano passado estão terminando agora. Com isso, é preciso adotar outra medida para preencher essas vagas, com uma proposta razoável que atenda às necessidades dos usuários e dos próprios profissionais”, defende Samantha.

Conforme o subsecretário Thiago Horta, a expectativa é que uma mudança na operação de marcação de consultas torne o fluxo mais fluido e mais fácil, tanto para o usuário como para a secretaria. A partir deste mês, estará em funcionamento o Serviço Unificado de Marcação de Consultas, para onde todas as demandas de marcação de consulta das UBSs serão encaminhadas.

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A questão esbarra ainda em outros problemas, como a grande demanda em unidades de referência que atendem uma população muito grande e o estresse gerado para o usuário e para os próprios profissionais. Apesar de aparecerem em menor proporção, essas reclamações corroboram com a situação, por vezes crítica, dos usuários, que percorrem uma via-crúcis para conseguir o atendimento necessário. “O mau atendimento ocupa a terceira posição no ranking da ouvidoria. São poucas as reclamações desse tipo, mas ainda há usuários que chegam à ouvidoria reclamando que foram mal acolhidos nos serviços de Saúde.” Sobre o assunto, Thiago Horta afirma que a ouvidoria é o principal instrumento de controle social para gestão e que as denúncias são avaliadas, sendo tomadas medidas administrativas, de forma que o procedimento não se repita.

Falta de insumos e remédios é constante

A falta de remédios e insumos básicos ocupa o segundo lugar no ranking das reclamações sobre a atenção básica na Ouvidoria de Saúde. Conforme o item 17 do 7º artigo da Portaria nº 2.436, de setembro de 2017, que revisa a Pnab, é responsabilidade comum a todas as esferas de governo “desenvolver as ações de assistência farmacêutica e do uso racional de medicamentos, garantindo a disponibilidade e acesso a medicamentos e insumos em conformidade com a Rename [Relação Nacional de Medicamentos Essenciais], os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, e com a relação específica complementar estadual, municipal, da união, ou do distrito federal de medicamentos nos pontos de atenção, visando a integralidade do cuidado”.

No entanto, a questão é recorrente, conforme a ouvidora Samantha Borchear, mas piorou com a crise financeira vivenciada pelo país e pelo estado. “Está faltando muito remédio básico, cuja obrigação legal de fornecer é da Prefeitura. A justificativa é que não tem dinheiro, porque o Estado não mandou. De fato, o Estado não tem cumprido com suas obrigações orçamentárias, fiscais e financeiras, e isso reflete no Município. Aí não tem remédio e nem insumos como seringas, esparadrapos e outros itens básicos”, lamenta.

Morador do Milho Branco, Wilson Carlos de Guimarães Carvalho reclama da dificuldade de acesso a medicamentos. “Além de estarmos sem um farmacêutico há mais de um mês, não conseguimos pegar remédios básicos, como o Furosemida (para controle da pressão arterial). Sem ele, eu corro risco, mas para pegar, tinha que ir a outros bairros todo mês. Agora, nem nas outras UBSs a gente consegue.” Ainda segundo Wilson, a falta de farmacêutico é um agravante. “Quando tem o remédio, não tem quem faça a distribuição. Ficamos sem a solução.”

O subsecretário de Gestão da Secretaria de Saúde, Mariano Miranda, afirma que a secretaria não tem conhecimento da falta de insumos básicos nas UBSs e afirma que existem rotas emergenciais de entrega de insumos em casos extraordinários, além das entregas periódicas. Sobre o medicamento Furosemida, a informação é de que o problema já está sendo resolvido.

Já com relação aos medicamentos, de forma geral, Mariano reconhece que há problemas e atribui isso à falta de repasses por parte do Estado. “O abastecimento de medicamentos não é uma obrigação apenas do Município, mas tripartite. A União é responsável por 50%, o Estado deveria mandar 30% e o Município era para ser o ente que entraria com menor financiamento, com cerca de 20%, porque ele já financia outras ações de saúde. Mas estamos contribuindo com quase o dobro do que deveríamos. Já estamos quase no final do primeiro semestre, e o Estado não repassou nenhum recurso”, diz.

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES- MG) reforça que o principal motivo para a falta de remédios é a escassez de recursos financeiros. “Além disso, há atrasos na entrega por parte do Ministério da Saúde dos medicamentos de aquisição centralizada.” Sobre o déficit, a situação é corroborada pelo Decreto nº 47.101, de 5 de dezembro de 2016, que trata da situação de calamidade financeira enfrentada pelo Estado. Conforme a SES, isso impacta o acerto com os fornecedores, que não efetivam a entrega dos itens até que o pagamento seja regularizado. O Estado reforça que está empenhado para normalizar esse fluxo. Além disso, expectativa é que o pagamento de programas hospitalares seja regularizado o mais breve possível.

Áreas descobertas e grande demanda prejudicam usuários

Entre as principais diretrizes da atenção básica, definidas pela Portaria nº 2.436 e pela Pnab, estão a universalidade, a equidade e a integralidade. Conforme a lei, a atenção básica deve ser ofertada “integralmente e gratuitamente a todas as pessoas, de acordo com suas necessidades e demandas do território”. Porém, em Juiz de Fora, a falta de uma unidade estruturada de referência para 25% da população ainda é um entrave para que a atenção básica seja, de fato, universal.

Moradores de localidades chamadas de “áreas descobertas”, como o Centro, residenciais e bairros novos, acabam sem saber a quem recorrer. É o caso das UBSs dos bairros Milho Branco e Monte Castelo, ambos na Zona Norte, conforme a ouvidora Samantha Borchear. “O quarto lugar no ranking de reclamações é ocupado pela dificuldade de acesso no atendimento, já que há unidades muito grandes e que atendem muita gente, gerando longa espera para os usuários. Temos um número muito considerável de pessoas em área descoberta, que não têm acesso à atenção básica e que dependem de alternativas que não são adequadas, pois são muito dispendiosas.” Em algumas unidades, de acordo com ela, os usuários acabam esperando cerca de 20 dias para obter uma consulta com um clínico-geral.

Outro problema é o encaminhamento de pacientes para o PAM-Andradas, unidade onde seriam atendidos os usuários que moram em áreas descobertas. No entanto, ela também faz críticas à estrutura do local. “O PAM-Andradas já tem atendimento e estrutura precários, e são pessoas idosas, muitas vezes, doentes, que precisam ir até lá em busca de atendimento. Os usuários chegam por volta de 3h, 4h para conseguir uma consulta, porque é fila única, não tem separação.”

De acordo com Samantha, a Ouvidoria tem cobrado a secretaria com o objetivo de melhorar a estrutura ou mover esse tipo de atendimento para outro prédio, a fim de proteger usuários e funcionários. “Minha proposta é de acolhimento e humanização. Tenho cobrado a secretaria desde 2015, de forma oficial, para tirar o atendimento dessa unidade e colocar no PAM-Marechal ou em outro espaço público mais apropriado. É preciso ter uma fixação de responsabilidade, de acolher o paciente, seu documento, sua demanda, para realmente ser um atendimento de área descoberta, e não um quebra-galho, como é hoje”, critica a ouvidora. Confrontada pela reportagem sobre esta possibilidade, a assessoria da secretaria informou que a Central de Marcação de Consultas do PAM-Andradas será transferida para o PAM-Marechal em breve.

Questionado sobre as áreas descobertas, o subsecretário de Atenção Primária, Thiago Horta, esclarece que o Município tem hoje, conforme parâmetros do Ministério da Saúde, 25% de área descoberta. Dos 75% de área coberta, 61% correspondem a unidades com estratégia de saúde da família, onde há uma equipe de profissionais para cada três mil habitantes do território de referência. No caso dos usuários que moram em áreas descobertas, as marcações são feitas no PAM-Andradas, que encaminha os usuários para consultas clínicas no HTO. Mulheres, crianças e idosos também podem ser atendidos nos departamentos de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente e do Idoso, respectivamente. Já o homem adulto hipertenso tem como referência atendimento especializado no PAM-Marechal.

Sobre as grandes demandas em algumas UBSs, Thiago afirma que a secretaria segue orientações com relação ao número da população adscrita, mas diz que outras variáveis impactam a demanda de atendimento. É o caso do grau de vulnerabilidade do território em que a unidade está localizada. “Quanto maior o grau de vulnerabilidade naquele território, maior a demanda. Por isso, em algumas UBSs nas quais o entorno tem alto grau de vulnerabilidade, há o aumento da necessidade de atendimento por conta das condições da população.” Outro fator seria o atendimento a demandas espontâneas. A orientação da secretaria para as unidades é que, quando surge um usuário com um quadro de saúde severo, ele tem que ser assistido. “Aqueles que têm necessidade têm que ser atendidos no mesmo dia, pois uma pessoa com quadro severo não pode voltar para casa sem atendimento. É evidente que, nesse molde, quanto maior a população, maior essa demanda.”

 

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