A prioridade na vacinação contra a Covid-19 vem gerando dúvidas quanto aos grupos contemplados. O Município de Juiz de Fora segue as recomendações do Plano Nacional de Imunização (PNI). Porém, diversas articulações vêm sendo feitas com objetivo de remodelar as prioridades de vacinação no município. A exemplo, o projeto de lei que determina a inclusão de pessoas com Síndrome de Down, deficiência intelectual e autistas no grupo prioritário de vacinação contra a Covid-19.
A proposta, que foi aprovada pela Câmara Municipal, havia sido vetada no início do mês de março pela prefeita Margarida Salomão. O veto foi derrabado pelos vereadores na sexta (26), e proposta deverá voltar para análise do Executivo, que tem 15 dias para se manifestar. Caso isso não aconteça, a Câmara pode fazer a sanção tácita da lei.
Questionada pela Tribuna, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou que apenas pessoas com deficiência institucionalizadas foram contempladas dentro do grupo prioritário estabelecido pelo Plano Nacional de Imunização. “A definição dos grupos é atribuição do Governo federal, cabendo ao município a operacionalização local e aplicação dos imunizantes. Não recebemos, até o momento, orientações e indicações sobre a inserção de novos grupos dentro das prioridades”, afirma a PJF.
Pais relatam rotina preocupante diante da fragilidade dos filhos
A administradora Janilce Mendes é mãe de dois filhos, Eduardo, de 12 anos, e Bruno, de 10. O mais novo tem Síndrome de Down e autismo. Devido às comorbidades relacionadas, Janilce afirma que o período de pandemia tem sido uma verdadeira angústia.
“Os meus dois filhos são grupo de risco. O de 12 tem asma, e o mais novo tem muitas comorbidades relacionadas à Síndrome de Down. Isso deixa nossa família muito aflita, várias pessoas questionando por que eu fico mantendo os dois em casa, não levo na casa dos avós, dos tios. Só saio mesmo para as terapias.”
Segundo Janilce, o isolamento apresentou várias perdas para o filho. “Mesmo fazendo as terapias on-line, não obtínhamos os mesmos resultados de uma terapia presencial. Passados os 90 dias dele em casa, Bruno já não queria fazer nada, estava muito agitado. Então tive que voltar, com muito medo, para as terapias presenciais. Levei máscara e protetor de face, os outros ficavam olhando para mim, mas não tinha problema, podia olhar, eu queria proteger meu filho”.
Ao todo, são cinco diferentes tipos de terapia que Bruno precisa fazer durante a semana. Janilce afirma que, em alguns casos, quando possível, os profissionais procuram realizar as terapias ao ar livre, e assim diminuir o risco de contaminação pelo vírus. “A exposição dele é muito grande, os profissionais atendem muitas crianças. Adaptar terapias ao ar livre para evitar contaminação é uma opção nesses tempos, enquanto não temos a vacina”.
Já para o advogado Joaquim Teixeira de Assis, o isolamento social, mesmo que necessário, alterou a dinâmica de seu cotidiano. Pai de Raykim, de 28 anos, o filho tem paralisia cerebral e epilepsia controladas, e a falta do convívio com outras pessoas tem sido a maior perda durante a pandemia.
“O Raykim é uma criança de 28 anos, uma pessoa que necessita de muita atenção, carinho e participação com outras pessoas. Ele era aluno do Instituto Bruno, mas com a pandemia, a escola teve que paralisar suas atividades. Com isso, ele fica praticamente dentro de casa, o que se torna um complicador maior, pois eu preciso trabalhar e não posso levar ele comigo.”
Segundo Joaquim, o pior é o filho ficar sem o convívio com as outras pessoas. “Ele é hiperativo, gosta muito de música, gosta muito de conversar, gosta de falar, participar, tudo isso ele tinha lá na escola. Como somos só nós dois, tudo o que eu faço, preciso fazer na companhia dele, já que ele não pode ficar sozinho em casa. Às vezes ,levo ele pra fazer uma caminhada aqui pelo bairro, mas quando faço essas coisas não posso trabalhar. Estamos na espera para a vacina e que, com ela, possam voltar algumas atividades e retomar o ritmo da nossa vida de antes”.
Situação de maior exposição à infecção e impacto
O Plano Nacional de Imunização reconhece as pessoas com deficiência como grupos de “vulnerabilidade social”, e os colocam em situação de maior exposição à infecção e impacto pela doença. Porém, fora as pessoas com deficiência que vivem em Residência Inclusiva (serviço público), os demais, de acordo com o plano, deverão ser vacinados após as pessoas de 18 a 59 anos com comorbidades pré-determinadas.
A determinação gerou divergências em todo país, visto que a população com deficiência grave autodeclarada, representa mais de sete milhões de pessoas.
Em Juiz de Fora, com objetivo de alterar a prioridade em esfera municipal, o médico e também vereador Antônio Aguiar (DEM) apresentou projeto de lei para incluir pessoas com deficiências intelectuais, como autismo e Síndrome de Down, na vacinação prioritária, alegando que essas possuem alterações imunológicas importantes que justificam a vacinação.
Para Aguiar, o PNI foi feito às pressas e, na medida em que foi sendo aplicado, foram observadas diversas falhas e gerando muitas dúvidas. “A Síndrome de Down é um grupo da população que possui muitas comorbidades, um percentual significativo de crianças que nascem com a síndrome possuem problemas cardiológicos, problemas relacionados ao funcionamento da tireoide, possui uma hipotonicidade que predispõe ao surgimento de outras doenças respiratórias, além de alterações no sistema imune, que devido ao excesso do cromossomo 21, impõe uma resposta ao sistema imunológico mais agressiva para o organismo, o que nós chamamos de uma resposta mais inflamatória”.
Ainda de acordo com Aguiar, para as pessoas com autismo, os problemas nutricionais são a maior ameaça. “Boa parte deles tem problemas sensoriais, problemas com seletividade alimentar, só comem carboidratos, por exemplo. Vivem com a alimentação baseada em um único nutriente. Então eles adoecem demais, têm muitas doenças gastrointestinais, respiratórias e são indivíduos que têm um perfil de inflamação maior do que o outro grupo populacional”, explica.
Segundo ele, a proposta busca dar visibilidade a uma população há muito marginalizada. Aguiar ainda atenta para a vacinação de crianças e adolescentes desses grupos de risco. “Temos um contingente grande de crianças com deficiência que ainda não podem receber a vacina. Mas temos estudos bem avançados da Coronavac que sugerem que a vacina possa dar imunidade a crianças e adolescentes. A expectativa é que, no final do ano, nós já tenhamos as autorizações para poder vacinar também a população infantil.