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Famílias sob o domínio do tráfico

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Suspeita é de que criminosos estariam tomando imóveis para transformá-los em pontos de venda de drogas na região das vilas Esperança I e II, na Zona Norte (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)
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Os conflitos na Vila Esperança I e na Vila Esperança II, bairros da Zona Norte de Juiz de Fora, ganham novos contornos com as denúncias de que famílias estão sendo expulsas de suas moradias por traficantes de drogas. A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar a informação. De acordo com o delegado à frente do caso, Rodolfo Rolli, a investigação teve início após o Ministério Público da União enviar ofício para a 3ª Delegacia pedindo providências. De acordo com ele, as denúncias chegaram em dezembro passado e já há suspeitos identificados. Os criminosos estariam tomando os imóveis para transformá-los em pontos de venda de drogas. A Tribuna também recebeu as mesmas denúncias de moradores dos bairros. Eles afirmam que a situação está fora de controle. Além das expulsões, os bandidos estariam ainda furtando carros e motos e obrigando os donos a pagarem um determinado valor para terem os veículos de volta.

Uma das casas que teria sido invadida fica na Rua 2, na Vila Esperança II. Conforme o depoimento de um morador das imediações, que por motivo de segurança pediu para não ter o nome revelado, a residência foi invadida após a morte de sua proprietária. “O filho desta senhora foi morar na casa logo em seguida. No dia da invasão, ele saiu para trabalhar, e, quando voltou, encontrou a casa arrombada e depredada, levaram tudo que ele tinha. Com medo, ele deixou o imóvel, que hoje é ponto de uso de drogas.” De acordo com ele, as ameaças são constantes. “Toda hora vimos meninos armados, em plena luz do dia. Eles jogam pedras nas nossas janelas, mostram os armamentos, ameaçam. Está muito complicado viver assim.”

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Quem não é expulso, acaba deixando seus imóveis por medo. Nas imediações da Rua 2, pelo menos outras duas famílias estão de mudança. Não conseguiram conviver com o medo. “Muita gente quer se mudar, mas não tem para onde ir. Estes vizinhos vão sair ainda este mês. Temos medo de chamar a polícia e ter represália, o jeito é sair”, disse o leitor. Uma ex-moradora da Rua Custódio Lopes de Mattos, na Vila Esperança I, mudou-se após assistir uma vizinha ser agredida. “Houve um homicídio lá, no meio do ano passado, cuja a vítima foi um sobrinho desta minha vizinha. Dias depois da morte, a polícia prendeu o autor. Os meninos (que mataram) pensaram que ela os havia denunciado e quase a matam de tanto bater. Eu não tinha mais paz, deixei minha casa para pagar aluguel”, comentou.

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Segundo o delegado Rodolfo Rolli, as denúncias já estão em apuração e, em breve, serão pedidos mandados de prisão, busca e apreensão e reintegração de posse. “Por enquanto, o inquérito está só com a 3ª Delegacia, mas no decorrer das apurações possivelmente pediremos apoio para a Delegacia Especializada Antidrogas, já que estes imóveis invadidos estão sendo usados para a venda de entorpecentes”, disse, acrescentando que nenhuma denúncia chegou diretamente à unidade policial, já que nas comunidades ainda impera a lei do silêncio.

Medo de acessar comunidades

A violência que assusta moradores diariamente acua também aqueles que precisam prestar serviços nas comunidades. Os alvos geralmente são entregadores e taxistas, que já deixam até de ir aos bairros. Em setembro passado, um funcionário da Cesama foi assaltado enquanto fazia a medição de um hidrômetro. Um taxista, que preferiu não ter seu nome divulgado, revela que não faz corridas para estes bairros durante a noite. “Não dá para arriscar, já tive colegas assaltados lá, e a gente saber que lá está sem lei. E sei que outros colegas também não vão,” disse. Um morador confirmou que passa dificuldades para conseguir chegar em casa depois das 22h. “Ônibus tem pouco depois de um certo horário, e táxi não vem aqui”, afirmou, contando que já teve dificuldade até para conseguir que fosse entregue gás em seu comércio no bairro. No ano passado, a violência levou até mesmo a unidade de saúde da Vila Esperança I a ficar fechada, depois que uma funcionária foi assaltada. Além disso, a rixa entre os dois bairros faz com que os moradores da Vila Esperança II se sintam inseguros em buscar atendimento no posto.

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Reincidência de jovens aponta situação preocupante

“Ficamos frustrados ao ver o criminoso que nos empenhamos para prender ou identificar andando livremente pelos mesmos locais onde cometeu o crime. As vítimas não entendem essa demora, mas querem providências e nos cobram.” Tenente Vinícius Araújo Barroso, subcomandante da 173ª Companhia da PM

Levantamento feito pela Polícia Militar a pedido da Tribuna revela ainda uma outra situação preocupante na Vila Esperança I e Vila Esperança II, na Zona Norte: a alta reincidência de adolescentes e jovens na criminalidade. Só para se ter uma ideia, 23 rapazes que moram nas comunidades são suspeitos de mais de 160 ocorrências. Mesmo identificados em quase metade dos casos, eles permanecem livres ou retornam rapidamente às ruas após serem detidos. De acordo com a PM, entre os crimes cometidos por eles estão tráfico de drogas, ameaças, homicídios e tentativas de homicídios. Eles são suspeitos de agir em vários bairros da região Norte, principalmente nos roubos cometidos em Benfica, Distrito Industrial, Igrejinha e Valadares. Há ainda registros de crimes praticados por eles em outras cidades, como Matias Barbosa e Ewbank da Câmara. As vítimas, em geral, são comerciantes, motoristas de ônibus, frentistas, pedestres e motoristas – uma delas acabou morta em um assalto na BR-040 no mês passado. Em um ciclo que parece não ter fim, os militares prendem dezenas de vezes os mesmos infratores, que rapidamente retornam a crimes mais violentos e audazes. Mesmo que sejam menores de idade, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê acautelamento, mas há casos de fuga ou problemas em inquéritos policiais, de acordo com a Justiça.

Segundo o subcomandante da 173ª Companhia da PM, tenente Vinícius Araújo Barroso, a Vila Esperança é uma região que já possui um policiamento reforçado diante do histórico de criminalidade. “O problema vai muito além de presença da polícia e das viaturas. O bairro é policiado quase 24 horas. Trata-se de um problema que exige mais ação de outras instituições e temos provocado essas instituições, por meio de ofícios, comunicando a gravidade dos fatos insistentemente, pedindo providências.”

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No último caso violento, no Bairro Náutico, na noite de 24 de janeiro, dois homens, que juntos somam 31 passagens policiais, foram presos em flagrante após assaltarem uma residência e fazerem um casal de refém. O mais jovem havia sido preso no fim de outubro, também por roubo, e já estava na rua. Com eles, os policiais localizaram três armas de fogo e um carro furtado. De acordo com a PM, o suspeito mais novo, de 20 anos, estava com mandado de prisão em aberto e tinha passagens policiais por tráfico de drogas, receptação, lesão corporal, homicídio, furto, roubo e disparo de arma de fogo, totalizando envolvimento em 14 ocorrências. A última prisão dele tinha sido em 27 de outubro do ano passado, por roubo. Já o homem de 27 anos anos tem passagens policiais por homicídio, roubo, porte ilegal de arma de fogo, disparo de arma de fogo, receptação, dano, ameaça, desobediência, totalizando envolvimento em 17 ocorrências. Conforme a PM, ele já havia sido preso em um roubo a residência, com o mesmo modus operandi em 2014, no Bairro Aeroporto, Cidade Alta.

Afronta
Conforme o subcomandante da unidade, tenente Vinícius Araújo Barroso, os suspeitos são audaciosos. “Quando presos, eles afrontam os militares e já dizem que logo serão soltos. Inclusive ameaçam desafetos na frente da polícia. É a certeza de que ficarão impunes. Certa vez, durante um flagrante, perguntei a um deles quando essa matança ia parar. Ele me respondeu que duraria até o último morrer”, disse.

Chama atenção o número de passagens policiais de alguns deles, muitos com crimes graves, como homicídios (ver quadro abaixo). Em muitas ocorrências, os jovens são reconhecidos pelas vítimas, com quem já tinha rixas anteriores, ou por câmeras de segurança, mas acabaram escapando. Quando foram apreendidos, rapidamente voltaram às ruas. O jovem C. já havia sido envolvido em 11 ocorrências antes de matar um condutor durante um arrastão na BR-040. Ele chegou a ser apreendido três vezes e fugiu duas vezes do Centro Socioeducativo.

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Para o tenente Vinícius, “a Polícia Militar tem feito prisões importantes de autores de roubo e homicídio e, quando não prende na hora, identifica, deixa tudo pronto para a persecução criminal. Mas também ficamos frustrados ao ver o criminoso, que nos empenhamos para prender ou identificar, andando livremente pelos mesmos locais onde cometeu o crime. As vítimas não entendem essa demora, mas querem providências e nos cobram. Para se ter uma ideia, um menor já identificado em vários roubos por nós, e também apreendido, cometeu em uma semana dois homicídios consumados e um tentado. Já esperávamos que isso pudesse acontecer. Esse conflito precisa ser estancado com medidas eficazes, mas precisamos de ajuda para isso.” Mesmo diante da tamanha gravidade em que vivem, alguns moradores preferem manter o silêncio e não denunciam.

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Falta de políticas de assistência social

“Temos uma polícia com efetivo cada vez menor, com menos condições de trabalho. O Centro Socioeducativo está abarrotado, e os meninos acabam indo cumprir alguma medida externa, e aí é questão de sorte. É prisão ou morte. Infelizmente, onde não se tem amor, sobra ódio.” André Moysés Gaio, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF

O professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF André Moysés Gaio acredita que o alto índice de reincidência dos jovens tenha como uma das explicações a falta de políticas de assistência social. “A família, a escola e o mercado de trabalho vêm falhando há três décadas. Este roteiro de socialização acabou, não existe mais o controle indireto. Sobrou o controle direto, que é feito pela polícia, Justiça, e que está completamente em crise. Na falta de uma perspectiva, sobra para eles as rixas de gangues, a criminalidade.”
Gaio ainda comentou que, com o quadro atual, quem acaba indo para o mundo do crime costuma não ter retorno. “Temos uma polícia com efetivo cada vez menor, com menos condições de trabalho. O Centro Socioeducativo está abarrotado, e os meninos acabam indo cumprir alguma medida externa, e aí é questão de sorte. É prisão ou morte. Infelizmente, onde não se tem amor, sobra ódio.”

Falhas para punição efetiva
A juíza da Vara da Infância e da Juventude, Maria Cecília Gollner Stephan, apontou que a demora para que haja uma punição efetiva para os adolescentes envolvidos na criminalidade, na maioria das vezes, acontece por conta da falta de inquérito. “A demora é na Polícia Civil. Sem um documento da Polícia Civil que mostre indícios de participação de menores em algum ato infracional, ficamos de mãos atadas. Precisamos disto para iniciar a ação aqui. Eles demoram muito, muito tempo para fazer este procedimento. No caso dos garotos que são acautelados e liberados em seguida, isso acontece pois o inquérito não está pronto, não tem nenhum documento provando a participação dele naquele ato infracional,” disse.
Para ela, esta demora contribui para que os jovens reincidam na criminalidade e cometam atos infracionais cada vez mais graves. “Eles não estão recebendo nenhuma imposição de regras e limites. Quanto mais demora em vir o inquérito para a Vara, mais oportunidade está sendo dada para que estes meninos continuem nesta trilha”, destacou.

Apuração
A Polícia Civil esclareceu que, quando se trata de adolescentes, os procedimentos de apuração de ato infracional, instaurados em casos de emprego de violência ou grave ameaça, especialmente, quando há acautelamento, são concluídos pela autoridade policial no prazo legal. Os casos de flagrantes, nessas condições de violência ou grave ameaça, também são encaminhados imediatamente à Vara da Infância para os procedimentos pertinentes e cabe à Justiça definir a medida socioeducativa a ser aplicada. A Polícia Civil informou que está atenta aos atos infracionais e crimes praticados na região Norte de Juiz de Fora, inclusive, trabalha de forma integrada com a Polícia Militar e com a Justiça para a efetiva apuração do delito e repressão à criminalidade.

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