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Descoberta tardia de autismo muda a perspectiva de quem se considerava ‘diferente’

Amanda Gambogi Diagnostico A arquivo pessoal destacada
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A descoberta tardia do Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode mudar a perspectiva de quem passou boa parte de seu desenvolvimento escutando falas julgadoras e taxativas sobre seus sentimentos e comportamentos atípicos. Cada vez mais, jovens e adultos têm ido em busca de informações e avaliação multiprofissional para se entenderem melhor.

O diagnóstico, que é considerado tardio a partir dos 7 anos de idade, deve ser feito por meio de avaliação multiprofissional, como neurologista/psiquiatra, neuropsicólogo, psicólogo, fonoaudiólogo, entre outros. Como explica a psicóloga e neuropsicóloga Mariana Cantarin, especialista em autismo e intervenção ABA (Análise do Comportamento Aplicada), “a investigação é realizada através de relatos de comportamentos ao longo da vida do paciente, como os marcos do desenvolvimento, história escolar, relações sociais em todos os âmbitos, pessoais, familiares, laborativos”. Além disso, são aplicadas escalas para avaliar e quantificar sintomas associados ao autismo.

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Ariene Menezes passou por esse processo aos 36 anos, quando recebeu seu diagnóstico tardio. Mãe engajada na luta por mais respeito e inclusão de seus filhos com TEA, ela fundou em Juiz de Fora o Grupo de Apoio a Profissionais e Pais de Pessoas com Autismo (Gappa). À medida que estudava e se envolvia para cuidar de seus filhos, Chryslander, de 13, Khyara, 6, e Benício, de quase 2 anos, ela começou a perceber que algumas de suas características também se assemelhavam aos comportamentos típicos de pessoas com autismo. “Desde a infância tinha hipersensibilidade auditiva, tátil, falta de controle inibitório, seletividade alimentar, mas só fui nomear e entender isso há pouco tempo. Tive uma educação rígida, em que os adultos, por falta de conhecimento, recriminavam o que eu fizesse que fosse em desacordo ao considerado normal. Ao crescer recebi várias rotulações, fui chamada de muito seca, egoísta, grossa e explosiva”, conta.

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‘Fresca’

De acordo com a psicóloga Mariana Cantarin, nos adolescentes e adultos encontram-se características diferentes das percebidas nos bebês e crianças, uma vez que nessa segunda fase da vida já aconteceu o chamado “mascaramento”, que consiste na imitação e na repetição de comportamentos tidos como “normais” com o objetivo de conseguir aceitação social. “Pessoas autistas com diagnóstico tardio têm um histórico de sofrimento psicológico e de dificuldades mascaradas. Às vezes, passam anos com sentimentos de não pertencimento, de culpa, de solidão e de dificuldades nas relações interpessoais”, explica.

Influenciadora Amanda Gambogi descobriu estar dentro do transtorno do espectro autista aos 19 anos e usa seu perfil no TikTok para debater o assunto (Foto: Arquivo pessoal)

Com mais de 60 mil seguidores no TikTok, a juiz-forana Amanda Gambogi, 21 anos, recebeu o diagnóstico aos 19, durante a pandemia de Covid-19, quando realizou uma série de avaliações e consultas. “Sempre me chamaram de ‘fresca’ por ter problemas em lidar, por exemplo, com o cheiro do carro, ou até com a sensação do sal no corpo quando ia para a praia. Também sempre me chamavam de teimosa, e hoje entende-se em parte que é por causa da rigidez cognitiva do autismo”, revela.

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Se para Amanda a confirmação foi uma resposta importante para o entendimento de si, para alguns membros da família, que não convivem de perto, a notícia foi questionada como exagero. “Eu nunca tive problemas em falar do autismo. Para mim, passei a compreender mais minhas limitações e a me cobrar menos. Mas ainda é desafiador com quem está mais longe, surgem questionamentos e descredibilidade quanto ao diagnóstico.”

Preconceito

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Para a psicóloga, depois do diagnóstico tardio, essas pessoas estão sujeitas a sentir o preconceito e a falta de apoio em seus ciclos sociais. “O adulto autista com diagnóstico tardio, geralmente, não teve ou tem atraso na fala ou comportamentos repetitivos nítidos. Isso faz com que as pessoas pensem que adultos funcionais não possam ser autistas. O estigma quanto a funcionalidade e sintomas menos aparentes e, principalmente, quanto a falta de conhecimento e experiência sobre o espectro e suas infinitas possibilidades fazem com que o indivíduo enfrente dificuldades após o diagnóstico”, afirma Mariana.

Informações sobre o TEA e aumento de diagnósticos

O TEA é dividido em três níveis, que dimensionam o quanto a pessoa precisa de apoio. Essa é uma das informações que Amanda procura compartilhar e debater em sua rede social (@amandagambogi), a fim de lançar luz sobre as vivências reais de pessoas como ela. “O nível 1 é para os autistas que precisam de pouco apoio; nível 2, para os que precisam de médio apoio; e nível 3, para os que precisam de apoio substancial. Uma pessoa autista pode variar de nível de apoio durante a vida. Quando eu recebi meu diagnóstico era nível 1 de apoio, depois de um tempo passei para o nível 2 e agora voltei para o nível 1.”

Dentro da experiência profissional de Mariana, de 2022 para 2023 houve um aumento expressivo no número de adultos que a procuraram desejando realizar o processo de investigação e avaliação para o TEA. Enquanto ano passado a profissional fez 16 avaliações em pessoas acima de 18 anos, este ano já são pouco mais de 40, das quais 82% resultaram em sintomas altos para TEA. “O aumento dos diagnósticos tardios são resultado da especialização dos profissionais, da divulgação na mídia e redes sociais sobre o autismo e as pessoas com autismo, além das mudanças em relação à percepção que o autismo é um espectro e cada indivíduo é único”.

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Qualidade de vida

A descoberta tardia do TEA para o paciente pode impulsionar aumento na qualidade de vida, a busca por maior visibilidade sobre o assunto e tratamento adequado. “Vejo a diferença na minha vivência e a dos meus filhos. Se eu tivesse tido ao longo da vida acesso e quem entendesse minha situação poderia ter sido diferente. O efeito importante do acompanhamento e tratamento adequado no processo dos meus filhos é nítido”, afirma Ariene. “Ainda existe um longo caminho a trilharmos na busca por compartilharmos informações científicas e corretas e pelo tratamento efetivo de qualidade, principalmente no sistema público”, complementa a psicóloga.

* Bruna Furtado, estagiária sob supervisão do editor Wendell Guiducci

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