Antes de chegar ao destino, muitas vezes nas encruzilhadas ou nas linhas férreas – a depender à qual orixá é oferecida -, as oferendas passam por um ritual de preparo e entrega nas casas de santo ou nos terreiros de candomblé. Mas, e depois, para onde vai o material oferecido às divindades?
De acordo com o pai Nilton de Ogum, não faz parte da cultura da religião a obrigatoriedade de quem fez, ir lá retirar. “A oferenda é uma oração e a entidade vai pegar a energia que está ali”, conta. Depois, principalmente em vias públicas, o material tem que ser retirado. Como muitos dos trabalhos, principalmente em áreas urbanas, são realizadas à noite, “quase ninguém vê”. Muitas vezes, também quase ninguém vê como são feitas as retiradas destes materiais.
Perguntada sobre como é feito o trabalho de retirada desses objetos quando presente nas ruas, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que “trata-se de uma prática de conhecimento público, contudo, sem demandar uma diferenciação em particular. Os servidores do Demlurb são orientados a recolher todos os tipos de objetos depositados nas vias públicas, visando garantir a desobstrução das mesmas”. Na nota, a Demlurb afirmou também que não há histórico de acionamento para esse tipo de demanda em específico.
Karla t’Yemonjá, matriarca do terreiro – Ilê Asé Yemonjá atì Odé confirma que a forma correta para retirar o material é o respeito. “O certo é pedir licença”, comenta, como forma de respeitar a oração. Mas há os impasses, ela lembra, “tem gente que realmente faz não é da religião e trabalha na limpeza urbana, às vezes são pessoas que não ligam, ‘estou fazendo o meu trabalho e vou levar’, tem gente que não pega, que não põe a mão porque a religião não permite”, descreve.
Após colocados em vias públicas – que não são os locais que mais recebem as oferendas, sobretudo pela relação da religião com a natureza – há intempéries que podem interferir para que os materiais se espalhem. “Nesse caminho existem pessoas viciadas em bebida, por exemplo, que ao você entregar um padê com uma garrafa de cachaça, a pessoa vai e pega. É muito comum acontecer”, exemplifica.
“É comum também que o animal coma ou espalhe. O que não é comum é o desrespeito, pessoas que de propósito espalham ou chutam”, completa Nilton, ressaltando situações de intolerância religiosa.
Preocupação com o meio-ambiente
Ao contrário do que pode ser pensado, conforme pai Nilton D’Ogum, sobre a religião ‘poluir’ vias públicas, há uma preocupação imensa com o meio-ambiente. “Água, terra, ar e fogo são os elementos do candomblé, das divindades que cultuamos”, ressalta Karla t’Yemonjá.
Por conta dessa relação íntima com a natureza, lugares como matas e cachoeiras são tidos como cabalísticos e, logo, como destino das oferendas. “A nossa religião é ecologicamente correta. Alguidar são os pratos de argila, demoram muito a se decompor e normalmente a maioria das oferendas são para Exus e Pomba Giras que vão receber aquele ageum. Para isso, o alguidar pode ser substituído por uma folha de mamona”, explica Pai Nilton D’Ogum.
“A folha é uma coisa da natureza, como você tá entregando na terra, então não tem problema nenhum, a entidade não vai comer a louça”, completa Karla.
Outra preocupação evidente quando as entregas são realizadas em matas, é sobre a geração de queimadas que podem ser ocasionadas pelo fogo das velas. Segundo Nilton, é uma preocupação de sua Casa estar atento a isso.
A falta de respeito à natureza é vista, inclusive, como prejudicial à religião. Os líderes religiosos afirmam que há todo um processo de entrega das oferendas, que existem cargos específicos para realizar o trabalho, entretanto, existem usos das ações da religião que não respeitam nem as hierarquias, nem a natureza. Nilton afirma que “sempre recomendo o uso de oferendas com materiais biodegradáveis, até porque eu sou ‘vítima do sujo’. Às vezes vou fazer uma oferenda na cachoeira e tem aquele monte de sujo. Eu limpo, não reutilizo nada e faço minha oferenda. Temos que ter essa consciência com a natureza”, conta, da poluição gerada por diferentes finalidades no local.
No caso das ofertas feitas na natureza, mesmo não havendo obrigatoriedade, Nilton afirma que, ao não optar por objetos biodegradáveis para realizar o ritual, “a pessoa ir lá e depois retirar os materiais, dando destino certo”.
Karla partilha de experiência parecida, “às vezes nas cachoeiras quando vamos entregar achamos desde muitos descartáveis, latas até alguidar ou imagens quebradas. Então temos que limpar para nós podermos fazer o trabalho”.
As oferendas representam uma agrado a determinado orixá e é um elemento desta religião. Karla conta que no Rio de Janeiro há um local, conhecido como Parque dos Orixás, onde os religiosos pagam uma taxa para usar e existem responsáveis para fazer a limpeza do local. “É um lugar onde se toma banho, onde faz as oferendas, faz tudo”. “Aqui não existe um lugar assim”, lamenta.
Nilton ressalta que a preocupação com a limpeza urbana e com o meio-ambiente é inerente à religião, que faz parte da sociedade, mas salienta que não há e nem pode haver impedimento para a realização da prática. “O não poder colocar vai criar uma questão de discriminação da religião. Nosso estado é Laico, se ele é um estado laico, é para todo mundo”.