Ícone do site Tribuna de Minas

JF expande serviços de transplantes e ganha destaque no Sudeste

por Rafaela Carvalho e Eduardo Valente
PUBLICIDADE

 

Juiz de Fora está expandindo seus serviços de transplantes, fortalecendo sua posição de destaque como um dos principais centros transplantadores de órgãos e medula óssea na região Sudeste. Entre as seis Centrais de Notificação de Captação e Doação de Órgãos e Tecidos (CNCDOs) do MG Transplantes, programa que coordena a captação de órgãos no estado, a unidade de Juiz de Fora, localizada na Santa Casa de Misericórdia, realiza cerca de 75 a 80 transplantes de córnea e rim por ano. Em breve, o serviço vai oferecer também transplantes de fígado e pâncreas. O município conta também com a estrutura do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para a realização de transplantes de medula óssea, onde mais de 300 procedimentos já foram realizados neste ano. Apesar da expansão, as baixas taxas de doação de órgãos ainda são o principal entrave para a realização de mais procedimentos, aumentando listas de espera.

PUBLICIDADE

Os centros transplantadores de Minas Gerais estão habilitados para captar e transplantar córneas, coração, pulmão, rim, fígado e pâncreas. Em Juiz de Fora são realizados transplantes de rins e córneas, além da captação dos outros órgãos quando há logística para transporte dos mesmos para outros centros do país. Somente neste ano, 30 transplantes foram realizados até abril segundo o Sistema DataSUS do Ministério da Saúde, sendo que sete deles eram de córnea. O número já é maior que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 19 transplantes de rins e três de córneas foram realizados, somando 22 procedimentos no primeiro quadrimestre. No ano todo, 76 procedimentos foram realizados no total.

PUBLICIDADE

Lista de espera

De acordo com levantamento do MG Transplantes, até maio, a lista de espera para transplante em Juiz de Fora chegava a 258 pessoas. Destas, 237 aguardavam a captação de um rim e 21 precisavam de um transplante de córnea. O tempo na lista de espera depende de fatores como a urgência do procedimento, compatibilidade de grupo sanguíneo entre doador e receptor, compatibilidade anatômica e genética, entre outros, mas o principal fator é a disponibilidade de um órgão doado, o que pode ser um complicador, já que a negativa de doação ainda é alta na região.

PUBLICIDADE

O caminhoneiro aposentado Francisco Teixeira Monsores, 74 anos, morador de Vassouras (RJ), no entanto, não teve que esperar muito. Após um ano e meio fazendo diálise peritoneal quatro vezes por dia, os médicos constataram a necessidade de um transplante por conta de uma insuficiência renal. O procedimento foi realizado no dia 10 de junho em Juiz de Fora. Ele ficou dois meses na fila de espera por um rim. “Estou muito feliz com a cirurgia. Foi o início de uma vida nova”, comemora.

A filha do aposentado conta que, em vista dos obstáculos enfrentados pela saúde no país, de forma geral, e até mesmo da dificuldade de encontrar um doador compatível com o tipo sanguíneo do pai, cujo RH é negativo, foi uma surpresa obter o transplante após dois meses de espera. “Quando ele entrou para a lista, o médico nos avisou que, quando houvesse um doador compatível, receberíamos uma ligação. Ter acontecido tão rápido foi uma bênção de Deus. No caso do meu pai, o paciente doador teve morte encefálica, e a família resolveu doar os órgãos. Sou muito grata a essa família, pois meu pai nasceu de novo”, afirma Eliane Monsores.

PUBLICIDADE

Desconhecimento impede aumento na doação de órgãos

Mesmo com o aparato tecnológico e a disponibilização de equipes aptas para a captação de órgãos, os procedimentos esbarram em dificuldades para concluí-la, desde contra-indicações médicas até a negativa da doação pela família. Há dois tipos de doadores de órgãos: o doador cadáver e o doador vivo. É possível doar um dos rins, medula óssea e parte do fígado, do pulmão ou do pâncreas em vida. Já no caso do doador cadáver, a doação de todos os órgãos só é possível quando há morte encefálica, caracterizada pela perda das funções cerebrais, e só pode ser autorizada por um parente de até segundo grau. Apesar de os órgãos continuarem funcionando até cerca de 72 horas após o diagnóstico de morte encefálica, o quadro é irreversível.

No MG Transplantes, a principal dificuldade é a desinformação, conforme Joseph Frederic Whitaker, coordenador da unidade de Juiz de Fora. “O paciente com diagnóstico de possível morte encefálica não é aquele que teve uma doença e foi piorando. Geralmente, ele é vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) ou um trauma. Esse quadro dificulta a absorção da morte pela família, apesar de ser comprovadamente irreversível. Outro problema é a contra-indicação médica, quando os órgãos estão muito comprometidos. Para se ter uma ideia, nesses últimos meses, foram abertos 11 processos de investigação de morte encefálica, mas apenas cinco foram concluídos com captação, por motivos diversos.”

Conscientização

PUBLICIDADE

Para a enfermeira da comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplantes da Santa Casa, Eliene Ribas, é preciso conscientizar a população sobre o que significa a morte encefálica para que haja mais doações. “Quando há o entendimento sobre o que causou a morte do paciente, a doação acontece de forma mais simplificada. Nossa equipe acompanha a família durante todo o processo, criando um laço para ajudá-la a passar por aquele momento. A doação de órgãos é muito mistificada, as pessoas têm medo de tráfico de órgãos, por exemplo. Por isso, quando a família está em dúvida sobre a doação, é nosso trabalho esclarecer todo o processo.” A comissão é formada por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos.

Diversas campanhas são realizadas com o objetivo de estimular a doação de órgãos. O essencial para aumentar o número de doações, segundo o coordenador do serviço de transplantes, é que as pessoas manifestem, em vida, o desejo de doar. “Se você é doador, avise sua família. É fundamental que os familiares saibam quando uma pessoa tem esse desejo. Para os familiares que não têm certeza sobre a vontade do paciente que morreu, o caminho é se questionar se ele não gostaria de ajudar alguém”, afirma Joseph Frederic Whitaker.

Monte Sinai e Santa Casa vão oferecer transplante de fígado

O Hospital Monte Sinai e a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora foram habilitados pelo Ministério da Saúde para realizar transplantes de fígado. As instituições devem começar os procedimentos ainda este ano, assim que uma lista de espera for oficializada. Atualmente, de acordo com levantamento realizado pela equipe do Serviço de Transplante Hepático do Monte Sinai, cerca de 200 seriam candidatos ao procedimento somente em Juiz de Fora. A lista de espera, no entanto, é única para o país, e tem como prioridade moradores de toda a região.
De acordo com Rodrigo Peixoto, cirurgião do aparelho digestivo e membro da equipe do Monte Sinai, a expectativa é que sejam realizados entre 12 a 25 transplantes por ano, inteiramente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Fomos credenciados em abril do ano passado e, nesse último ano, viemos qualificando e estruturando o hospital. Hoje, são mais de três mil pacientes atendidos no Centro de Referência em Hepatologia do Hospital Universitário da UFJF, com mais de 3.500 consultas por ano. Desses, 600 são cirróticos, e cerca de 30% são candidatos ao transplante hepático. Nosso contrato de aprovação está em vias finais de aprovação e já temos uma lista de espera elaborada, aguardando para ser oficializada.” O início das atividades está previsto para este mês de julho.

PUBLICIDADE

Para o responsável pelo serviço de transplante de fígado da Santa Casa, Gláucio Souza, bons resultados já estão sendo colhidos. Ele conta que havia casos em que a captação para os rins e as córneas era realizado, mas, como ainda não havia estrutura, fígados saudáveis eram perdidos. “A Santa Casa foi habilitada para realizar transplante de fígado a partir de fevereiro, e, desde então, estamos trabalhando. Na região era possível aproveitar cerca de 20% dos fígados quando havia a doação de órgãos, mas com nosso trabalho já conseguimos aumentar esse índice para 70% de aproveitamento. Em 2015 tivemos três fígados aproveitados no ano inteiro, e, só nesse ano, já aproveitamos sete. Houve uma mudança significativa desde o momento em que começamos a atuar nesse cenário.”

Sobre os benefícios de duas instituições darem início a esse tipo de transplante, Souza comemora: “Não tenho dúvida de que a criação do programa de transplante de fígado por duas instituições respeitadas vai causar uma sinergia no programa de doação de órgãos da cidade. Teremos duas instituições trabalhando em prol dos transplantes na cidade e temos certeza que, a partir do momento em que houver um trabalho efetivo, o número de doações de órgãos pode aumentar de 20 a 30%.”

Pâncreas

A Santa Casa também está habilitada para realizar transplantes de pâncreas, e o ambulatório destinado a atender diabéticos já está em funcionamento. No entanto, ainda não foi realizado nenhum transplante desse órgão. “Também temos o credenciamento para pâncreas. O serviço está pronto para começar, e estamos em fase de finalização de protocolos. Ele é indicado para o paciente diabético que está em hemodiálise, geralmente sendo um transplante duplo: esse paciente recebe um rim e também o pâncreas, para controlar a glicemia”, explica o responsável pelo serviço, Gláucio Souza.

Hospital Universitário supera marca de 300 transplantes

Juiz de Fora é a única cidade do interior de Minas Gerais que oferece transplante de medula óssea pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O procedimento é feito no Hospital Universitário (HU) da UFJF, que iniciou o trabalho em 2004. Em maio, a equipe médica, hoje comandada pelo hematologista Abrahão Elias Hallack Neto, alcançou a marca de 306 transplantes feitos na unidade, sendo 279 autólogos (quando o próprio paciente fornece as células para o tratamento), e outros 27 alogênicos aparentados (quando o doador é um familiar, geralmente irmão). Estes números mostram que o hospital da Universidade deixou de ter abrangência local e regional, passando a ser referência, inclusive, em outros estados, sobretudo o Rio de Janeiro.

Procedimentos complexos, como os transplantes, mostram a importância da cidade na medicina nacional. Conforme Hallack, o fato de o município manter um programa público e continuado de medula óssea é algo a ser enaltecido e comemorado. “É uma grande vitória. Impressionante o fato de o programa conseguir se manter, mostrando que não foi um voo de galinha, e sim algo que se sustentou. Infelizmente, fatos como este são raros na rede pública de saúde”, afirmou, dizendo que, em média, são feitos dois transplantes por mês, com a possibilidade de ampliar para três.

Ainda segundo o médico, das 306 cirurgias feitas, 250 são de pacientes de diversas cidades de Minas Gerais. Uma demanda que tem crescido, no entanto, é a de pessoas do Estado do Rio de Janeiro, em razão da crise financeira enfrentada no estado. “É contato. Sabem da importância do nosso trabalho e encaminham quem precisa do transplante. Importante dizer, no entanto, que isso só é possível no SUS por causa da Fundação Ricardo Moysés, que acolhe pessoas que não têm condições de se manter na cidade. Atualmente estou com uma paciente muito carente que, se não fosse esta assistência, não teria como se alimentar.”

O pioneirismo do HU já resulta em frutos, também, na rede privada. Prova disso é que o Hospital Monte Sinai acaba de expandir sua capacidade de atendimento para transplantes autólogos, ampliando de um para três o número de pacientes que podem ser atendidos simultaneamente. O próximo passo, conforme o médico hematologista Ângelo Atalla, que fez parte da primeira equipe do HU, é o credenciamento junto ao Ministério da Saúde para o transplante alogênico, o que pode acontecer a qualquer momento. “É uma demanda da região, pois hoje a saúde suplementar encaminha seus pacientes para São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba (PR) ou Belo Horizonte, o que gera um prejuízo enorme para as operadoras.” Apesar do atendimento privado, a expectativa é que o tratamento no hospital reduza a demanda do HU, que hoje chega a atender pacientes com planos de saúde por não haver opções na rede credenciada.

Paciente do HU conta história de luta para vencer o câncer

Se o HU tem se transformado em referência para fora do estado, ele é a salvação de pacientes juiz-foranos, que podem fazer todo o tratamento sem ter que buscar outra cidade. Este foi o caso de Jéssica Machado, 25 anos, que enfrentou a doença três vezes nos últimos oito anos. O primeiro diagnóstico de linfoma surgiu quando ela tinha 17 anos, com tratamento de quimioterapia e radioterapia feito na Ascomcer. “Foi um susto. De repente, perdi o apetite e desenvolvi uma forte anemia. Emagreci quase 30kg. Na época, fui a vários médicos e tive os mais diferentes diagnósticos, como depressão e anemia. Quando fui encaminhado ao doutor Hallack, ele identificou os nódulos e já solicitou minha internação. Fiquei em pânico, apesar de ter demorado a entender que a minha doença era câncer”, contou.

Jéssica fez oito meses de tratamento até receber alta médica. Conforme os exames, ela estava curada. Mas com quase 20 anos de idade, durante avaliações de rotina, foi constatado que a doença havia voltado. “Foi uma fase difícil. Um pouco antes havia perdido meu pai e minha mãe, em um intervalo de 28 dias. Como a quimioterapia não tinha surtido efeito, o médico informou que o transplante autólogo era necessário.” De acordo com Hallack, o tratamento consiste em uma quimioterapia em alta dose, quando são extraídas células saudáveis do corpo para, em seguida, implantá-las e aguardar a pega da medula. “Chegava na Ascomcer às 8h e recebia a quimioterapia por 12 horas, durante três dias consecutivos. Fiz quatro ciclos destes até ser declarada curada pela segunda vez.”

No entanto, após três anos, o linfoma voltou a se manifestar, exigindo o transplante alogênico, também feito pelo HU da UFJF. Dos três irmãos de Jéssica, um apresentou compatibilidade para ser o doador. Mas ainda assim, outras dificuldades foram enfrentadas, pois, ao descobrir o câncer pela terceira vez, ela contraiu dengue e chegou a ficar uma semana em coma. “Tive que ter muita fé em Deus, boa esperança e boa vontade. Vi muitos amigos perdendo a esperança e morrendo. Eu nunca me deixei abater, estava sempre sorrindo e brincando. Por mais que não seja fácil, o meu foco foi sempre pela cura. Hoje eu sou uma pessoa mais forte, muito amadurecida. Posso dizer que, depois da tempestade, não é qualquer chuvinha que me molha”, afirmou a jovem que passou pelo segundo transplante faz oito meses e, há um, recebeu alta médica.

Sair da versão mobile