Juiz de Fora não contará mais com novos calçadões na região central. O edital de licitação para transformar a Rua Marechal Deodoro em passeio exclusivo para pedestre, publicado no final de 2017 pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), foi cancelado devido à falta de recursos para execução dos trabalhos, de acordo com informações da assessoria da Comissão Permanente de Licitação (CPL). Já a Rua Batista de Oliveira, que também estava inclusa no projeto, não teve edital divulgado. Especialistas procurados pela Tribuna acreditam que as intervenções seriam positivas para os pedestres que circulam pela região, no entanto, o investimento deveria envolver outros campos de mobilidade, como transporte público.
A área central do município já possui uma ideia de formação de rede de calçadões, de acordo com Frederico Braida, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). As próprias ruas Marechal Deodoro e Batista de Oliveira já possuem o acesso de veículos limitado. “Se essas obras fossem realizadas, acho que viriam legitimar o que já está sendo praticado e também melhorar a qualidade urbana do centro”, afirma Braida. “Acredito que ganharia em questão de qualidade estética, porque estaria contribuindo para uma revitalização dessa área que, de certa forma, hoje está comprometida.”
A necessidade de conversão de ruas de automóveis em vias exclusivas para pedestres manifestou-se na década de 1970, quando surgiram os primeiros calçadões em todo o mundo, incluindo Juiz de Fora. Segundo o especialista, na época, começou a notar-se um crescimento no número de automóveis em regiões centrais, o que excluía os pedestres e exigia a criação de um espaço próprio para os mesmos.
No entanto, para Braida, tais mudanças devem ser consideradas com cautela, isso porque é preciso garantir a presença das pessoas na área, pensando em formas de levá-las até o local. “O que interessa ao Centro é, sobretudo, o fluxo das pessoas, especialmente para o comércio e prestação de serviço, que é o que temos muito na região. Se eu penso em uma imersão de rede e no combate ao transporte massivo de automóveis, é preciso criar um transporte coletivo de qualidade, além de novas formas de acesso e novas formas de transporte. Só o calçadão não combate a quantidade excessiva de carros.”
Investimento deveria considerar outras ações de mobilidade
O arquiteto e urbanista Paulo César Lourenço também acredita que, ao se pensar em um projeto como este, deve-se levar em conta outras ações. A construção de calçadões é uma tendência mundial, especialmente porque, conforme o especialista, os automóveis “são responsáveis pelos maiores transtornos vistos no trânsito, impactando diretamente na mobilidade”.
No entanto, à medida que se limita esse tráfego, é necessário apresentar uma contrapartida. “Fechar uma rua e restringir o acesso de automóvel vai dar ao pedestre um conforto maior e vai minimizar o trânsito naquele local, porém, pode estar ampliando em outros lugares”, explica. “Se o transporte coletivo público não é efetivo, a pessoa vai continuar se deslocando de automóvel e não vai conseguir chegar naquele ponto. Ela vai ser bloqueada antes.”
Lourenço reforça que a iniciativa de construir novos calçadões é positiva, desde que se pense, além da questão do transporte público, na melhoria das vias de maneira geral. “É interessante dar prioridade ao pedestre, já que é uma tendência mundial. As principais cidades do mundo estão fazendo isso a muito tempo. Você dá uma qualificação ao espaço da zona central da cidade e muitos se beneficiam, como o comércio. Naturalmente, você precisa também não só restringir o acesso do automóvel e fechar a rua, você precisa fazer com qualidade, boa iluminação, bom calçamento, entre uma série de outros fatores.”
Requalificação da região
Segundo Frederico Braida, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, os calçadões, associados às galerias, criam uma rede de passagem de pedestre, mantendo a vitalidade e centralidade da região. “Se você vai em alguma outra cidade de médio porte, não há um centro tão unido assim. As lojas mais importantes, por exemplo, já foram para outros lugares, como shopping centers, mas no caso de Juiz de Fora, isso ainda não acontece. Um investimento na estrutura do calçadão contribui ainda para a manutenção dessa centralidade”.
Para Braida, as mudanças iriam colaborar na requalificação da área. As ruas que iriam passar pela transformação não possuem iluminação voltada para pedestres, por exemplo, já que foram pensadas para automóveis. “Faria um bem para todo mundo no Centro, porque requalificaria e adequaria o espaço às demandas urbanas do pedestre.”
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Juiz de Fora (CDL-JF), Marcos Casarin, é necessário trabalhar na melhoria da região central como um todo. Isso porque, de acordo com Casarin, o cuidado seria para evitar que a área seja prejudicada com o tempo, dando maior atenção à questões de segurança e limpeza. “Juiz de Fora é um shopping a céu aberto. Gostaria muito que isso se mantivesse porque é difícil um centro ser ligado por galerias, um centro tão bonito como o que nós temos. Acho que não podemos caminhar como estamos caminhando.”
O presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio) de Juiz de Fora também acredita que a construção dos novos calçadões iriam contribuir para a harmonização da região. “Melhorando a estética do centro comercial, ficaria muito melhor. Hoje as pessoas circulam no meio do asfalto, porque praticamente não passa carro. Para a cidade, com certeza ficaria mais harmonioso.”
Projeto foi anunciado em 2017
No início de 2017, a PJF anunciou a transformação das ruas Batista de Oliveira e Marechal Deodoro em dois novos calçadões. O primeiro iria contemplar o trecho entre a Rua São João e a Avenida Getúlio Vargas, enquanto o segundo da Rua Batista de Oliveira até a Avenida Rio Branco, com tráfego permitido até o PAM-Marechal. Além disso, a Administração Municipal ainda divulgou que todo o passeio na Batista de Oliveira seria reconstruído, e a pavimentação, revitalizada até a Avenida Itamar Franco. O valor das obras estava estimado em R$ 1.151.497,15, e seriam custeadas pelo Ministério das Cidades, por meio do programa Pró-Transporte.
O projeto previa ainda a revitalização e preparação das vias para as exigências legais de acessibilidade, com piso direcional e rampas de acesso, além da remoção das pedras portuguesas, que dariam lugar ao concreto. A iluminação também passaria por substituições, com troca das hastes por estruturas metálicas e implantação de iluminação em LED.
A primeira licitação publicada pela Prefeitura, no início de 2017, chegou a ser concluída, no entanto, a empresa vencedora desistiu do contrato. Assim, no final do mesmo ano, foi divulgado um novo edital, porém, o documento contemplava apenas as obras na Rua Marechal Deodoro, no valor de R$ 522.426,52. Conforme explicou a assessoria da CPL, as intervenções ocorreriam por meio de um financiamento com o Ministério das Cidades, através do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). No final da execução do serviço, a administração municipal deveria quitar os custos, porém, por conta da crise financeira, não decidiu dar continuidade à licitação.