“A melhor maneira de se fazer planos e projetos para os centros urbanos é ver como as pessoas os utilizam hoje. Não existe uma lógica que possa ser sobreposta à cidade; as pessoas fazem a lógica”, escreveu a jornalista e urbanista americana Jane Jacobs em seu manifesto “A cidade é para as pessoas”. Andando e observando o bairro em que vivia, ela defendia o planejamento urbano pensado a partir da escuta da experiência das pessoas que caminham e se deslocam pela cidade.
“Se você sair e andar, você verá todos os tipos de sinais”, provocou Jacobs em seu texto. Retomando o pensamento da escritora, a equipe de reportagem da Tribuna de Minas percorreu pontos de ônibus em alguns bairros de Juiz de Fora. Ver e ouvir de perto a vivência e a rotina dos trabalhadores da cidade foi o propósito que guiou o caminho.
Passageiros do transporte público relatam escassez de ônibus e estruturas precárias
Pela manhã, bem cedo, os trabalhadores movimentam os pontos de ônibus da cidade. Enquanto esperava pela condução, Vânia Rodrigues, 64, moradora do Santa Cruz, na Zona Norte, contou gastar, em média, 15 minutos todos os dias para chegar até o seu trabalho em Benfica, bairro localizado a três quilômetros. Em outro ponto, no São Damião, Aparecida dos Santos, 56, disse precisar sair com bastante antecedência de casa, pois calcula demorar uma hora e meia diariamente para chegar até o serviço, na região central da cidade. Como parte da preparação para o dia de labuta, além da duração estimada para percorrer o trajeto, ela também precisa precaver-se contra possíveis incidentes pelo caminho para não chegar atrasada. “Os ônibus estão sempre quebrando, um mesmo quebrou na semana passada. Também estão muito lotados, ficamos muito mal acomodados, e os horários são muito ruins.”
No Bairro Benfica, Gabriel Marques, 25, contou sair de casa com duas horas de antecedência todos os dias para chegar ao seu local de trabalho no Cascatinha, região Sul da cidade. “Quando um ônibus quebra, perco o horário”, diz ao atribuir a morosidade não somente à distância entre os bairros, mas também à precariedade dos veículos e aos poucos horários disponíveis. “Na semana passada, dois ônibus quebraram durante o percurso. Isso gera muito desgaste na população. Deveria ter mais carros circulando, pelo menos nos horários de pico”, disse Josué Menezes, 42, morador do Barbosa Lage, bairro da Região Norte, que trabalha no Alto dos Passos.
Já do outro lado da cidade, no Bairro Grama, Região Nordeste, Vanessa Helena, 35, contou gastar cerca de 45 minutos no trajeto de ônibus para chegar até o escritório onde trabalha, no Centro. “Tem pouco ônibus para muita gente. Poderiam colocar mais veículos para rodar. As estruturas também estão bem precárias, os ônibus muitas vezes quebram.” Segundo ela, o trajeto da volta do trabalho para casa costuma demorar ainda mais, entre 50 minutos a mais de uma hora.
“É muito desgastante para todo mundo que está indo ou voltando do trabalho. Tem muita gente e pouca quantidade de ônibus. Eles ficam muito cheios e também são bem antigos. Então seria interessante ter ônibus mais novos, com circuitos melhores”, disse Claudinei Santana, 30, morador do Grama enquanto aguardava o ônibus com itinerário mais próximo de seu trabalho na região central da cidade.
Ônibus é o transporte mais usado pelo trabalhador juiz-forano, mostra Censo
Em Juiz de Fora, o ônibus é o meio de transporte mais usado (41,69%) pela população para deslocamento até o trabalho, seguido pelo carro (28,99%), segundo o Censo Demográfico de 2022. Trajetos à pé são adotados por aproximadamente 20% das pessoas. Já os percursos de motocicletas e de bicicletas são as escolhas mais raras, respectivamente 5,78% e 2,2%.
Quase metade dos usuários do transporte público (47,73%) gasta entre meia hora a uma hora para chegar ao local de trabalho, enquanto 27,65% levam de 16 a 30 minutos. Cerca de 21% dos usuários enfrentam trajetos mais longos, demorando de uma a duas horas diariamente. Somente 3,64% dos trabalhadores relataram gastar até 15 minutos.
O último Censo também revela que a população autodeclarada preta e parda tem o maior tempo de deslocamento no transporte público juiz-forano (34,61%). As mulheres também fazem trajetos maiores, podendo gastar entre 16 minutos a duas horas em direção ao trabalho. As pessoas pretas e pardas também são as que mais usam o ônibus para chegar ao trabalho, enquanto a população branca lidera o uso de carros e trajetos à pé.
Urbanista defende diversidade de formas de acesso à cidade
Para a arquiteta e urbanista especializada em planejamento urbano e regional, Luciane Tasca, a mobilidade urbana da cidade é prejudicada pelo uso do ônibus como único modal de transporte público, considerado sobrecarregado, causando transtornos à população. “O ideal seria ter outras opções de acesso à cidade, outros modos públicos, como o metrô de superfície ou o subterrâneo, o trem urbano, o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) ou o BRT, um ônibus mais rápido que circula na cidade sem muitas paradas. Não temos diversidade de formas de acesso à cidade, que caracterizam uma boa mobilidade urbana. Já para a pessoa poder ir a pé, um modo importante, precisamos de boas calçadas, faixas de pedestre e melhor iluminação.”
Segundo a urbanista, a ineficiência do planejamento urbano reduz o acesso das pessoas à cidade e reproduz as desigualdades sociais. “As pessoas têm dificuldade para se deslocar, principalmente aquelas que moram em locais afastados do Centro, e o preço da passagem acaba sendo elevado. Então, há uma dificuldade nesse deslocamento que pode prejudicar o acesso a produtos, serviços, empregos, geração de renda e lazer.”
Do ponto de vista de Luciane, uma das estratégias capazes de otimizar o transporte público em Juiz de Fora seria a implementação de perfis diferentes de atendimento com linhas mais ágeis: o uso de ônibus maiores para itinerários do Centro aos bairros, e menores para trajetos dentro dos bairros, o chamado sistema troncalizado. Ela acredita que um sistema mais eficiente e mais ágil incentiva o uso desse tipo de transporte. “Teríamos maior custo-benefício, um deslocamento em menor tempo, mais conforto e mais agilidade. Isso diminuiria a quantidade de ônibus maiores circulando, conseguiríamos dar mais agilidade e rotatividade para os moradores”.
Além disso, ela também cita que a criação de ciclovias e a construção de calçadas mais convidativas podem incentivar esses tipos de uso e ajudar as pessoas a se deslocarem com mais facilidade, andando a pé ou de bicicleta. “Acho que Juiz de Fora precisa urgentemente repensar essa escala e pensar na possibilidade de criar um novo sistema de mobilidade urbana para as pessoas.”
Projeto Novo Transporte Público é estratégia da PJF
Uma das estratégias da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) para melhorar o transporte público da cidade é a proposta do Novo Transporte Público, projeto que prevê um novo modelo operacional a ser implantado na próxima licitação do sistema, como apontado em nota à Tribuna. “O projeto está sendo desenvolvido de forma participativa, com a colaboração de representantes dos usuários, dos trabalhadores do setor, da Secretaria de Mobilidade Urbana e da Secretaria de Desenvolvimento Urbano com Participação Popular”. A Administração também afirmou manter diálogo permanente com as comunidades por meio do Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário.
Também procurada, a Via JF afirmou, por meio de sua assessoria, que toda logística de mobilidade é definida pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), que determina quantos ônibus irão atender a população, quais linhas e quantos carros em cada linha e horários. “Nossa contribuição são estudos feitos e apresentados junto à Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU).”
O consórcio orienta que sugestões, críticas, elogios e ideias para construção de um sistema de transporte melhor sejam enviadas ao Escuta Comunidade (32-99971-5451), canal de comunicação criado para aproximar a empresa dos usuários de transporte público de Juiz de Fora.

