Da saudade às homenagens aos que já se foram, o Dia de Finados é mais do que reverenciar quem um dia esteve aqui. É um momento de conexão com o sentido íntimo e singular de ser humano. Embora seja um feriado católico, cuja primeira celebração, de acordo com o site oficial da Igreja Católica, aconteceu há mais de um milênio, no ano de 998, pessoas de distintas religiões e histórias de vida se conectam com a data por meio de ações e crenças que são passadas de vínculo a vínculo, ganhando múltiplos significados.
A experiência de sentir a morte de alguém amado traz consigo a possibilidade de olhar para as próprias compreensões sobre a vida e seu fim. Para o católico Francisco de Assis, de 55 anos, bombeiro aposentado, o Dia de Finados mobiliza reflexões sobre o legado de quem se foi e dos exemplos que foram deixados. “Esta data significa muito pra mim. Neste dia, há incontáveis anos, sempre vou ao cemitério nos túmulos dos parentes e amigos e, principalmente, no de meus pais. Lá, eu faço minhas orações, minhas saudades, choro ao pensar na ausência sentida dos que se foram e que tanto amo”, conta.
Ele, que se emociona ao falar de sua mãe, falecida há mais de 15 anos, encontra na fé cultivada as razões para superar a dor inevitável e acreditar em um reencontro em outro plano. “Minha mãezinha, Dona Belinha, fazia jejum na Quaresma de passar 15 dias sem comer e nem beber nada. Todos os dias ela parava o que tivesse fazendo às 15 horas para rezar para a providência Divina. Minha mãezinha depois de muita luta no CTI da Santa Casa de Juiz de Fora, depois de 22 dias internada, faleceu às 15 horas em ponto, na hora das orações que ela fazia todos os dias. São estes e outros sinais que me levam a acreditar que existe um Deus que cuida de todos nós, que um dia nos encontraremos e não haverá mais choro e nem saudades. Viveremos eternamente juntos em família e isso nos deixa mais tranquilos para entender e encarar a morte”, relata.
Dor ressignificada
Já para Guilherme Bernardo, de 30 anos, analista de dados e praticante da Nova Tradição Kadampa de Budismo há sete, a perda precoce de seu pai quando mais novo o deixou com profundas dificuldades de lidar com a perda. Foi o envolvimento com a religião que o permitiu ressignificar a dor deste sentimento. “No Budismo acreditamos em renascimento e na possibilidade de termos outras existências posteriores a essa, a morte não representa o fim. É claro que também ficamos tristes, mas, neste momento, procuramos manter nossa mente conectada a boas energias e com a pessoa que faleceu para que ela seja conduzida a um renascimento onde tenha boas condições”, explica.
Embora não haja uma data como o Finados na tradição budista, Guilherme, que atualmente é também professor do Centro Budista Kadampa Maitreya em Juiz de Fora, explica que, mensalmente, é realizada uma prece pelas pessoas que faleceram nos últimos 49 dias. “O nome da prática é transferência de consciência, na qual pedimos que essas pessoas possam ser encaminhadas para um próximo renascimento afortunado, livre de sofrimento e que possam experienciar felicidade pura e duradoura. Quando mantemos nossa mente conectada a esse sentimento, acredito ser mais fácil suportar a perda. Assim, conseguimos ajudar também as pessoas próximas, sendo um ponto de conforto para elas, uma vez que nossa mente estará em paz.”
Os primeiros contatos com a religião Umbanda também transformaram a forma como Lauren Aryane de Souza concebia a ideia e a concretude da morte. Aos 23 anos, a estudante de psicologia participa da corrente mediúnica do Terreiro Filhos de Pemba há quase dois anos. “Para nós, o Dia de Finados não é encarado como um evento regado de tristeza. É motivo de comemoração que representa nossas práticas diárias, pois elas são voltadas ao culto dos mortos, que entendemos estarem vivos no chão do terreiro e em nossas vidas. Além disso, nos auxiliar a enxergar a vida com mais simplicidade, humildade, senso de coletividade e ética, dentre outras sabedorias que advém das experiências que eles nos contam e dos erros que cometeram. A nossa maior virtude é tê-los como ancestrais”, conta.
Morte como passagem
A compreensão da morte como uma passagem que deve ser celebrada dentro do ciclo da vida foi fundamental para a libertação e o ressignificado diante do processo de adoecimento e morte de sua avó, que vinha sofrendo com limitações de saúde. “A sensação de tristeza foi algo inevitável, mas, desde seu enterro, a saudade prevaleceu como o amor que fica. Passei a relembrar momentos bons com ela e me preocupei em dar suporte para minha família. Desde então, o meu luto cultiva memórias que a fazem presente, principalmente para o meu avô, que foi seu companheiro durante 60 anos. Com o tempo e outras perdas, a morte foi se revestindo pelos meus olhos não como algo a se temer, pelo contrário, ela nos dá em troca o verdadeiro valor de estar presente em vida e valorizar quem você ama. Para o povo africano, vir em terra é sinônimo de ser feliz. Esse é o maior propósito que se tem, e a única coisa que levamos daqui é a qualidade de ser lembrado, pelo o que se constrói, provém e ressignifica, para sermos bons ancestrais.”
A diversidade religiosa não está somente nas formas de suas tantas manifestações, mas em como cada geração se preocupa em construir significados para datas de grande importância histórica e propagar a busca por respeito a cada singularidade da experiência de conexão com a morte e a vida. O jovem Blenner Bignami, de 22 anos, é estudante e cristão da religião evangélica, membro da Igreja One JF. Para ele, o Dia de Finados é um tempo que contribui para a reunião de familiares e amigos. Juntos, eles reavivam os laços que os atam e relembram os que se foram. “Acredito que, apesar do luto, o que prevalece é a fé no reencontro tanto com Cristo quanto com os entes que morreram e no seio de Abraão descansam. Essa é a esperança daqueles que ainda não concluíram a sua jornada de fé pela Terra. Crer na promessa do reencontro e da eternidade me faz, dentro das minhas limitações humanas, esperar e ansiar pelo dia em que viveremos a plenitude de Jesus na Eternidade”.
* Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa