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Ex-repórter da Tribuna relata cotidiano no Chile com onda de manifestações

kelly diniz
Durante os atos, Kelly fez cobertura para veículos brasileiros e viveu situações de tensão (Foto: Arquivo Pessoal)
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Tido como a economia mais pujante da América do Sul, o Chile enfrenta uma convulsão social marcada pela presença de centenas de milhares de pessoas nas ruas em protestos pelo direito a serviços públicos gratuitos e de qualidade e contra o Governo federal. A gota d’água para a insurreição popular ocorreu com o aumento da tarifa do metrô, que resultou em forte repressão por parte do Estado chefiado pelo presidente Sebastián Piñera, que, no último dia 19, chegou a decretar estado de emergência, com a adoção de medidas restritivas como toque de recolher em diversas cidades e utilização do Exército. Ante a resistência das mobilizações, que chegaram a colocar um milhão de pessoas nas ruas no último dia 25, Piñera recuou, colocou fim ao estado de emergência e trabalhou uma ampla reforma ministerial. Ainda assim, a revolta de boa parte da população mantém o foco nas mobilizações pelo fim da desigualdade social e melhores condições de vida no país.

Repórter da Tribuna entre 2013 e 2017, Kelly Diniz mudou-se para Santiago, onde reside desde maio deste ano. Em busca de uma nova vida, em pouco tempo, a jornalista se viu no olho do furacão de uma das maiores convulsões sociais recentes da história do país sul-americano. A pedido da reportagem, em relato dado na última terça-feira (29), Kelly comenta como é a rotina dos residentes no Chile desde o início da onda de protestos. “Está praticamente tudo parado. Pouca gente indo trabalhar. A maioria das pessoas optando pelo ‘home-office’. Na empresa do meu namorado, por exemplo, apenas cinco pessoas estão indo trabalhar. Esta semana, houve situações em que ele saiu no horário normal do trabalho, às 18h, e teve que vir a pé, pois os metrôs estavam todos fechados.”

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Segundo a jornalista, a dificuldade de locomoção pela capital chilena tem sido uma constante desde o início dos protestos. “Como as manifestações ainda não pararam, os metrôs são fechados mais cedo para evitar confusões e depredações.” Para além do transporte público, o cotidiano da cidade é afetado de diversas maneiras. “Mais da metade do comércio segue fechado. O principal shopping da cidade está fechado sem previsão de abrir. No caso de comidas, sentimos falta de alguns itens nos supermercados. Muitas prateleiras vazias”, explica.

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“A sorte é que temos por hábito fazer compras mensais. No dia 18 (quando a onda de protestos ganhou maiores proporções), estava justamente indo ao mercado quando dei de cara com a manifestação. Fiz uma boa compra. Então, no momento, estamos fazendo apenas reposição. Mas algumas coisas realmente não se acha para comprar e tem que substituir. Carne e ovo, principalmente”, explica a ex-repórter da Tribuna. Em meio à luta dos chilenos por melhores condições de vida e maior igualdade social, a normalidade na cidade de Santiago parece em segundo plano. Ao menos, por ora. “O país está parado. Está difícil voltar para a rotina”, resume Kelly.

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Manifestantes no Chile (Foto: Arquivo pessoal)

Normalidade durante o dia; tensão à noite

Mais do que a dificuldade de mobilidade urbana durante o dia e das prateleiras vazias no comércio local, a principal restrição durante a onda de protestos ocorreu quando o presidente Sebastián Piñera decretou estado de emergência, com toque de recolher. “Foi bem tenso. Várias pessoas tentando furar o toque de recolher como forma de protesto. Então, elas ficavam nas ruas, enquanto passava o carro do Exército jogando bombas de gás lacrimogêneo. Moro no 11º andar e tenho que ficar com a janela fechada, pois, se abrir, o gás entra em casa e sentimos o efeito como se estivéssemos nas ruas”, relata a jornalista, que manifesta também sua opinião pessoal sobre a situação.

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“Parece clima de ditadura. Temos medo de ficar na rua, e o medo maior não é dos manifestantes, mas do Exército. Já houve uma vez em que tive que descer na entrada do prédio e já havia passado a hora do toque de recolher. Ficamos com muito medo do carro do Exército passar”, lembra a jornalista, ressaltando que a última vez que o Exército se fez presente nas ruas de forma ostensiva foi exatamente durante a ditadura comandada por Augusto Pinochet, que, em 1973, encabeçou um golpe militar contra o então presidente Salvador Allende e permaneceu no poder até 1990.

Contudo, mesmo ante o estado de emergência, a tensão se dissipava ao longo do dia. “Durante o dia é mais normal. As pessoas circulam. Dá para ir a um restaurante ou visitar um ponto turístico, por exemplo. Mas a pé, pois o transporte público não está funcionando. Pegar Uber ou Cabify é impossível. Já houve vez que fiquei uma hora esperando. A partir das quatro horas da tarde, começa a ficar caótico. Os ânimos se exaltam; começam os barulhos de panela; carros para lá e veículos do Exército para cá. Antes disto, há uma certa normalidade.”

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Manifestações têm apoio popular

A despeito de casos pontuais de violência e dos momentos de forte repressão do Estado, a jornalista Kelly Diniz revela a sensação de que a onda de protestos que varreu o Chile nas últimas semanas tem forte apoio popular. “Vejo bastante apoio às manifestações da população em geral. Até dos mais velhos, que defendem que os jovens precisam lutar por seus direitos. Já por parte dos manifestantes, há muitas críticas à imprensa, em especial da TV, que, na visão deles, tem mostrado apenas a parte mais violenta das manifestações e menos a repressão do estado. De forma geral, há muito apoio. Todos parecem estar do lado, até aqueles que não vão às ruas, mas batem panelas da janela de casa.”

A própria Kelly, que chegou a fazer cobertura jornalística dos protestos chilenos para veículos brasileiros, afirma que chegou a ser questionada por manifestantes enquanto desempenhava seu ofício, ponderações estas feitas por conta de certo repúdio das pessoas que ocupam as ruas do país contra a grande imprensa local. “Cobrir as manifestações foi um dos maiores desafios da minha carreira. Por vários motivos, mas principalmente pelo clima tenso que estava no ar. Tinha que olhar para o lado e ficar atento a tudo. Também pelo fato da revolta manifestada contra a imprensa, em especial, a televisão. Foi muito bacana participar deste momento histórico.”

Segundo ela, as manifestações e anúncios feitos pelo Governo de Sebastián Piñera não parecem suficientes para aplacar os ânimos até aqui. “As primeiras medidas anunciadas pelo Piñera não agradou a ninguém. A sensação foi de mais do mesmo. A troca dos ministros recebeu uma resposta melhor. Mas as pessoas permanecem nas ruas. O que eles querem mesmo é a estatização de serviços básicos, como a saúde e a educação. Aqui é tudo privatizado e muito caro”, lembrando que mesmo serviços considerados básicos como saúde e educação não são oferecidos para a população chilena de forma gratuita e universalizada.

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Jornalista não vê paralelos com o Brasil

Kelly Diniz ainda vivia no Brasil em junho de 2013, quando eclodiram, país afora, protestos generalizados contra os governantes. Curiosamente, as mobilizações brasileiras à época também tiveram como gota d’água aumentos da tarifa de serviços de transporte público em cidades distintas. A despeito disso, a jornalista não enxerga paralelos entre as chamadas ‘jornadas de junho’ e a atual onda de manifestações no Chile.

“Fora a questão do aumento de passagem, que foi o estopim das duas manifestações, não vejo muitas semelhanças. Acho até que são opostas. No Brasil, as pessoas pareciam um pouco perdidas e cada um saía nas ruas por uma causa. Não havia uma pauta geral que todos abraçavam. Aqui, há esta pauta geral que é a estatização dos serviços básicos e contra o liberalismo. Eles estão bem focados neste ponto.”

A despeito de se ver no olho do furacão nas últimas semanas por conta dos protestos, a jornalista afirma que não tem, no momento, a intenção de voltar para o Brasil. “Minha ideia era estudar a língua e procurar trabalho. Mas, como tudo está parado, acho difícil conseguir um trabalho este ano. Mas vou continuar aqui no ano que vem. Vamos aguardar. Não pretendemos deixar o país por agora.”

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