
Em julho de 2022, um estudo da Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), mostrou que, no município, residiam 272 famílias vindas da Venezuela, totalizando 776 pessoas. Destas, 66,5% estavam em extrema pobreza, ou seja, ganhando – por mês – até R$ 89. Foi observado uma grande expressão de mulheres, cerca de 59,7%, e de crianças e adolescentes, 44,6%. Pessoas idosas representavam 4,3% da população e pessoas com deficiência, 3,4%.
A pesquisa ainda apontou que 95,6% da população apresentava perfil para o Cadastro Único (CadÚnico), sendo que 78,1% eram beneficiários do Auxílio Brasil. A SAS também afirmou que os venezuelanos se concentravam, em sua maioria, na Zona Nordeste de Juiz de Fora, no Bairro Grama, com cerca de 25,4% dos migrantes. A Zona Norte contava com 19,1% dos venezuelanos e o Centro, 13,2%.
Dificuldade de se estabelecer na cidade
Por meio da ONG Anjos da Rua, Lúcia Moreira, tem contato com algumas famílias de venezuelanos que estão em situação de vulnerabilidade. Ela conta a situação de uma família no Grama, onde uma jovem é responsável por sustentar cinco filhos. “Ela chegou a ficar acolhida por um tempo em entidades sociais e tinha um emprego, mas, recentemente, foi dispensada e, hoje em dia, conta com doações de cestas básicas para alimentar as crianças.”
De acordo com Lúcia, que trabalha no atendimento a pessoas em situação de rua, não é comum ver imigrantes venezuelanos sem residência. “O que eu tenho conhecimento são de famílias muito grandes, com muitos filhos, nas quais poucas pessoas trabalham e acaba faltando dinheiro para o básico.”
A Tribuna chegou a conversar com uma família de venezuelanos que estava morando em Juiz de Fora. Eram cinco pessoas, sendo duas crianças, uma de 4 e outra de 8 anos. Eles chegaram na cidade em agosto, vindos de Lavras (MG). Quando conversaram com a reportagem, estavam hospedados em um hotel, no Centro, pagando R$ 180 na diária. Para arrecadar esse dinheiro, eles iam, todos os dias, pedir nos sinais da cidade. Além do valor da moradia, eles tinham que levantar dinheiro para a compra de alimentos. “Tem dia que a gente consegue doação para comida, tem dia que não”, contou Darleidys Lara, mãe das crianças.
Ela, os dois filhos, sua mãe e uma prima foram transferidos para Juiz de Fora com a ajuda da Prefeitura de Lavras. Questionada, a Administração daquele município afirmou, em nota, que a própria família entrou em contato com o setor do migrante e abordagem social solicitando a viagem, uma vez que não possuíam recurso para custear as passagens. A Prefeitura de Lavras ainda afirmou que a família garantiu endereço e contato telefônico de uma pessoa que iria recebê-los. Após realizada a confirmação do acolhimento, seguiram todos, inclusive uma agente social do município de Lavras, para Juiz de Fora, onde foram recebidos por essa pessoa e acolhidos nessa casa de referência. “Foi realizado contato com a Assistência Social de Juiz de Fora, informando que tal família se disponibilizou a acolhê-los.”
Na última semana, a família de Darleidys se mudou para Brasília. Conforme contou para a reportagem, um doador ofereceu a passagem para ela e os demais parentes. Darleidys havia afirmado que não queria mais ficar em Juiz de Fora. Ela e a família sonhavam em voltar para a Venezuela. “Meu marido e meu filho mais novo, de 4 anos, já estão em Manaus. Eles vão atravessar a fronteira e, assim que conseguirmos o dinheiro para a passagem, vamos também.” De acordo com ela, a situação de seu país não é muito diferente da vivida no Brasil, “lá, pelo menos, não vamos precisar pagar aluguel”.
Instituição receberá verba de R$ 187 mil para acolhimento de imigrantes
A partir do próximo mês, uma verba de R$ 187.090,02 será destinada ao trabalho de acolhimento da população migrante em Juiz de Fora. Ela faz parte do Plano de Ação para Atendimento aos imigrantes da Secretaria de Assistência Social (SAS) e terá vigência de seis meses após publicado. O dinheiro chegou ao município através de uma portaria do Ministério da Cidadania, de dezembro de 2021, que define o repasse emergencial para atendimento de 74 venezuelanos em situação de risco.
O valor será destinado a uma entidade da sociedade civil, escolhida por um comitê voltado para elaboração de políticas públicas voltadas aos imigrantes. Os membros do comitê decidiram que o Instituto Educação e Cidadania, no Vitorino Braga, será o responsável por administrar a verba. Na resolução fica estabelecido que o dinheiro será destinado para fornecimento de materiais de higiene e limpeza, alimentos, contratação de serviços e recursos humanos, além da locação de veículos.
A Tribuna entrou em contato com a coordenação do projeto que receberá o montante, e, de acordo com a responsável, Déia Ribeiro, será oferecido também, em caráter emergencial, abrigo em hotéis da cidade para famílias migrantes sem lugar para ficarem. “Essas pessoas serão encaminhadas ao Instituto por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). Será feito um atendimento específico para a situação de cada família, pois apresentam demandas distintas.”
O funcionamento do projeto deve ocorrer cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, no horário de 8h às 18h. Ainda não há data exata para o início das ações custeadas pelo dinheiro público, porém Déia afirma que, assim que assinado o termo de referência por parte do Município, o Instituto já estará hábil para o atendimento da população. “Hoje em dia a gente já trabalha com os venezuelanos. Por semana, são cerca de 10 a 15 pessoas. Atualmente oferecemos cestas básicas, ajuda com documentação e captação de empregos. A verba da Prefeitura vai ser responsável por potencializar esse atendimento.”
Fim da Operação Acolhida em JF
Até fevereiro deste ano, Juiz de Fora participava da Operação Acolhida, projeto de interiorização de venezuelanos, proposto pelo Governo Federal. Os imigrantes que chegavam em cidades de fronteira, como Roraima, eram encaminhados para diversos municípios do Brasil e Juiz de Fora estava na rota. O projeto era fruto de uma parceria entre a Organização Humanitária Aldeias Infantis SOS e o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Os imigrantes eram acolhidos e podiam ficar de três a seis meses nas Aldeias Infantis. Após esse período, com a condição de estarem empregados, eles eram realocados para casas de aluguel, porém seguiam sendo acompanhados pelo projeto com o apoio da Prefeitura.
Imigração espontânea
O fim da Operação Acolhida resultou na suspensão da chegada oficial de famílias venezuelanas em Juiz de Fora. Porém, conforme a secretária de Assistência Social, Malu Salim, a migração agora ocorre de forma espontânea. “Os venezuelanos têm uma rede de comunicação muito forte e, quando uma família se estabelece em um lugar, logo outras chegam. Isso dificulta a qualificação e identificação deste grupo.”
Ela afirma que, atualmente, o município tenta acolher da melhor forma possível os venezuelanos que chegam em situação de vulnerabilidade na cidade. Porém, Juiz de Fora conta com 15.781 pessoas em situação de extrema pobreza. “Acaba que eles entram em uma fila de benefícios que concorre com outras famílias que também estão necessitadas.”
De acordo com Malu, o Plano de Ação para atendimento aos imigrantes é mais uma forma do município olhar de forma mais atenta para essas pessoas. “É indispensável a implantação de um projeto de referências na oferta de ações socioassistenciais aos imigrantes venezuelanos. Está sendo criado também um Plano de Políticas Públicas para População Migrante, que deve ser publicado ainda em dezembro pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH).”