Ao longo de três anos, os pesquisadores Ana Clara Alves, Maria Julia Ferreira e Thiago Novato, orientados pelo professor do Departamento de Botânica, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Gustavo Soldati, desenvolveram um trabalho sobre as sempre-vivas, flores típicas da Serra do Espinhaço. A pesquisa relacionou essas flores com as comunidades de apanhadores presentes no local, acompanhando também o seu modo de coleta, o uso das plantas para artesanato e a importância para a conservação da biodiversidade do local. Com o início da pandemia de Covid-19, eles não puderam retornar até o local para apresentar os resultados da pesquisa e contribuir com os conhecimentos das comunidades. Para eles, no entanto, a importância dos estudos é clara – dá visibilidade a um modo de vida ambientalmente sustentável e contribui para a preservação do local. Por isso, os pesquisadores estão organizando uma vaquinha on-line para custear as despesas dos materiais que apresentam esses resultados e a logística de transporte até o local. Para contribuir, o interessado pode acessar o link do projeto. A meta é arrecadar R$ 15 mil.
Os apanhadores de sempre-vivas são um povo tradicional do estado de Minas Gerais e que, de acordo com Gustavo, são o próprio conceito de “mineiridade”. “Se observarmos com calma, não faltam casas, restaurantes de Minas com um buquê de sempre-vivas. Silenciosas, elas estão presentes no nosso dia a dia”, diz. Essas flores, que só nascem em Minas Gerais, são coletadas de forma sustentável, e por isso mesmo os apanhadores de sempre-vivas foram reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) como “importantes para o mundo”. Também muito envolvidos na pesquisa, Os bolsistas de Iniciação Científica pela Fapemig, Ana Clara e Thiago, se encantaram pelo projeto. “Comecei a avaliar a sustentabilidade da coleta das sempre-vivas por esses coletores de flores. Foi um processo muito bonito.”, revela Thiago. Ana Clara sentiu o mesmo encanto. “No primeiro trabalho de campo na Serra me apaixonei pelo lugar.”
Em 2018, o grupo da UFJF conheceu Maria Júlia, que hoje é estudante de doutorado orientada por Gustavo, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Ela também passou a desenvolver um projeto com objetivo de avaliar como as práticas de manejo feita pelos apanhadores têm relação com a conservação dos diferentes ambientes do cerrado. Para ela, entender esse cenário foi interessante, inclusive para observar como a biodiversidade de Minas Gerais nas últimas décadas tem sofrido ameaças por conta de grandes empreendimentos, ligados ao cultivo de eucalipto, à pecuária e principalmente à mineração. Isso traz à tona uma necessidade urgente de conservação, e partindo disso, os pesquisadores voltaram seus olharem para comunidades que tradicionalmente vivem nesses locais e utilizam técnicas de manejo sustentáveis.
Na visão dela, os resultados da pesquisa foram muito interessantes, pois foi avaliado como os diferentes ambientes se comportaram com os apanhadores e sem eles. “Com cuidado tradicional deles, os ambientes eram estáveis e as nascentes eram preservadas. Já sem o cuidado muita coisa mudou, ocorreram incêndios e as matas diminuíram colocando em risco a água da região. E isso é muito grave, porque na Serra temos várias nascentes que mandam água para o São Francisco e o Jequitinhonha, dois dos principais rios do estado de Minas”, explica. Além disso, o orientador ressalta que estudos como esse também já foram desenvolvidos na Amazônia e na Mata Atlântica, e têm indicado que esses dois ecossistemas são fruto do manejo humano dos povos indígenas e os povos tradicionais neles vivendo. “Há uma ideia de que os ambientes naturais são ‘intocados’ e de que a natureza, para ser exuberante, deve existir sem o homem e a mulher. Mas é justamente o contrário, não há florestas sem os povos tradicionais”, explica.
Importância para as comunidades mineiras
Na visão dos estudantes, o trabalho é muito importante para Minas, em especial diante das ameaças a esses povos. “Ainda mais que as mineradoras têm demonstrado interesse na Serra do Espinhaço. (…) O nosso trabalho serve de ferramenta para que os povos tradicionais possam fazer a manutenção da autogestão, e se torna argumento para que as comunidades continuem a realizar suas tradições no território”, explica. Ela acrescenta, ainda, que a pesquisa atende a várias demandas das comunidades, tais como o resgate e o registro do histórico das comunidades, das características do seu território geográfico e das formas como eles cuidam dos lugares, como as matas e as águas.”
A intenção, portanto, é devolver o conhecimento para a comunidade, entregando mapas e históricos feitos, para que possam se fortalecer para dialogar com as autoridades locais e acessar seus direitos. Como também explica Thiago, a importância desse desenvolvimento está inclusive na questão social e jurídica, porque há um conflito no local em que as famílias que vivem da coleta dessas flores foram impedidas de coletar e de acessar seus territórios, o que é danoso para a conservação da biodiversidade e da sociobiodiversidade.
Custos que a vaquinha cobre
A vaquinha, como explicam, serve para arcar com dois tipos diferentes de gastos que os pesquisadores têm. Como detalha Maria Júlia, há os gastos que dizem respeito às impressões de materiais, cartilhas e mapas, que são pensados para transmitir os dados científicos numa linguagem acessível para que as comunidades possam usá-los em reuniões e discussões de forma autônoma. As demais despesas são para logística e deslocamento, pois essas comunidades ficam em áreas de difícil acesso. Os pesquisadores costumam ficar ao menos três dias em cada uma das seis comunidades, e por isso também têm gastos com alimentação da equipe. Para custear os gastos, outra possibilidade, para ela, é “buscar patrocinadores locais que possam diminuir os gastos com o aluguel do carro e o combustível”.
O orientador Gustavo destaca que esse retorno se trata de um respeito ético com as comunidades. Já Thiago também enxerga que, com a ajuda da população, é possível conseguir dar continuidade a todos esses processos da pesquisa, mesmo em meio a uma “conjuntura política” que prejudicou o progresso da mesma. Ana Clara ressalta, ainda, que a preocupação com a biodiversidade deve ser “de toda a sociedade, e quando a gente dá voz para esses atores da conservação da biodiversidade, que são esses apanhadores e apanhadoras de flor, a gente trabalha pra um bem estar de todos”.