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Doença celíaca é tema de documentário produzido em JF

Documentário Celíacos Kethleen Formigon destacada

Foto: Caio Deziderio

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Desde os 6 meses de idade, quando começou a ter alimentos introduzidos em sua dieta, além do leite materno, Kethleen Formigon, 21 anos, passou a frequentar o hospital, sem que descobrissem a causa do seu problema. Natural de Santos Dumont, a menina vinha a Juiz de Fora até os 3 anos, por conta de consultas e de internações frequentes, com sintomas como diarreia, vômito, dores e anemia, combatida com uma dieta rica em glúten. Só quando sua saúde chegou a um estado crítico que foi descoberto que seu corpo tinha aversão ao glúten e criava anticorpos para combater esse conjunto de proteínas que está presente no trigo, na aveia, na cevada, no malte e no centeio. Após enfrentar anos de desinformação, a estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) produziu um documentário para conscientizar a população sobre o tema.

“Eu era aquela criança muito fina, mas com a barriga distendida, que é uma característica da doença celíaca em sua forma clássica. Fiz exames para tudo e não alegava nada, até que chegou um ponto em que eu estava entre a vida e a morte e fui diagnosticada como celíaca”, conta a estudante. Na época, sua mãe chegou a deixar o emprego para cuidar da filha e o pai precisou trabalhar dobrado para sustentar os gastos. Não era fácil para a família viajar e ainda cuidar das duas irmãs mais velhas.

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Kethleen, estudante de Rádio, TV e Internet, reuniu relatos de outros celíacos para o filme que produziu para a faculdade (Foto: Caio Deziderio)

Depois de diagnosticada, a vida não passou a ser muito mais fácil. Acostumada com a ideia de que a comida lhe fazia mal, Kethleen se recusava a comer e demorou quase um ano a voltar a se alimentar bem. No entanto, a falta de informação ainda a colocava em situações de risco. “Na época, o médico não informou que eu deveria fazer acompanhamento com nutricionista para o resto da vida e que existia o risco de contaminação cruzada. Fui contaminada minha vida inteira e parei de ter os sintomas clássicos, tinha reação uma vez ou outra e achava que estava tudo bem”, conta ela, que já apresentou sintomas dermatológicos, odontológicos e trata há cinco anos um problema de tireóide. Levou muito tempo até que descobrisse que essas eram consequências da doença celíaca.

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O maior conhecimento veio recentemente, depois que começou a perceber que mesmo alimentos que não continham glúten lhe faziam mal. Com o tempo, ela trocou o almoço fora por marmita, por precaução, mas só há dois anos ela descobriu que mesmo os utensílios de cozinha não poderiam ser compartilhados para o preparo e consumo de seus alimentos. Hoje ela percebe que seu organismo responde melhor à alimentação e se sente mais leve. Apesar de tudo, ela conta que muitas pessoas não entendem a gravidade da doença e diz que já se sentiu julgada por pessoas que diziam que seu cuidado era frescura.

Com o objetivo de conscientizar tanto celíacos como não-celícos, a aluna do curso de Rádio, TV e Internet da Universidae Federal de Juiz de Fora (UFJF), produziu, no ano passado, um documentário. O projeto é fruto de uma disciplina da faculdade. Kethleen contou com a ajuda de oito amigos na cinegrafia, captação de áudio e edição. Atualmente, o filme “Não contém glutén” vem ganhando reconhecimento e já foi exibido no Rio de Janeiro, neste sábado (1º de fevereiro), pela equipe Rio Sem Glúten. “Eu, como celíaca, sentia falta de um conteúdo sobre isso e, fazendo as pesquisas, via muitas coisas superficiais produzidas por celíacos que estavam perdidos e contavam a experiência deles. Eu queria informar e descobria que eu estava desinformada”, comenta. Para ela, produzir e fazer o roteiro do documentário foi uma experiência de autoconhecimento.

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Relatos de vida

Encontrar personagens que aceitassem contar sua história diante da câmera não foi fácil. Depois de quatro meses de produção, Kethleen finalizou o filme de 23 minutos com quatro personagens que se abriram sobre sua experiência antes e depois da restrição alimentar. Uma das características da doença celíaca é o fator genético, representado no filme através do relato de mãe e filho. Para Filipe Lauer e Luciana Lauer, saber da existência de celíacos na própria família foi algo que facilitou o diagnóstico e a adaptação à nova condição de vida. Segundo Filipe, ter a possibilidade de dividir isso com a mãe o permitiu se sentir incluído. Afinal, comer é também uma situação cultural, que costuma reunir amigos e familiares à mesa, sobretudo no Brasil. No entanto, para os celíacos, a falta de consciência das pessoas e a falta de locais para comer fora pode causar o sentimento de não-pertencimento.

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Na feira orgânica e sem glúten É Daqui, Kethleen encontrou suas outras duas personagens. Ana Luiza Magalhães e Sabrina Chinellato encontraram na produção própria uma forma de comer bem e ainda vender alimentos livres de contaminação por glúten. Além de relatar diferentes histórias, o documentário discute a falta de empatia de quem não respeita a doença, ao mesmo tempo que ressalta a alegria do celíaco de ser acolhido, seja por pessoas, serviços ou produtos aptos a eles.

Para realizar o projeto, foi necessária muita pesquisa, e, durante a produção, Kethleen contou ainda com o apoio da Associação dos Celíacos do Brasil – Seção Minas Gerais (Acelbra-MG) e do Rio Sem Glúten. Sua intenção agora é continuar conscientizando a população sobre o tema. “Alguns outros lugares já entraram em contato comigo, principalmente do Sul, porque o movimento sem glúten é muito grande lá. Mas dependo de apoio financeiro para poder ir”, destaca. Futuramente, ela gostaria de fazer ações junto a escolas e disponibilizar o documentário na internet. Para conhecer o projeto, basta acessar o Instagram @naocontemglutendoc.

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Entenda a doença celíaca

Segundo a gastroenterologista Lívia de Almeida Costa, “a doença celíaca é condição crônica que ocorre em pessoas que apresentam predisposição genética e que, quando elas entram em contato com gliadina, substância presente em alimentos que contêm glúten, ocorre um processo inflamatório com ativação de anticorpos na mucosa do intestino delgado, o que leva a prejuízo na absorção de nutrientes. Essa reação acontece enquanto há glúten no organismo, mas na medida em que o suspende, esse processo pode ser revertido”, explica a médica-assistente e preceptora do serviço de gastroenterologia do Hospital Universitário da UFJF (HU/UFJF).

A doença se apresenta em três formas: a clássica é mais comumente identificada na infância e apresenta sintomas como diarreia, perda de peso e desnutrição. A forma atípica, mais comum nos adultos, apresenta sintomas vagos relacionados ao sistema digestivo, como distensão abdominal, má digestão que não responde a tratamento clínico, além de déficits nutricionais, principalmente de vitaminas e ferro. Por último, a forma silenciosa ou assintomática, é identificada através de alterações em exames.

“O que chama a atenção é que às vezes a pessoa tem isso desde a infância, mas demora anos para ser diagnosticada, porque nem sempre tem o quadro típico de diarreia e emagrecimento. O grande problema é que na maioria das vezes as alterações são mais sutis, como perda na absorção de nutrientes, deficiência de vitaminas, uma anemia que não melhora, dificuldade de ganhar peso e crescer, meninas que demoram a menstruar, pacientes com infertifilidade na vida adulta ou osteoporose precoce”. Como na maioria dos casos os sintomas não são específicos, a demora do diagnóstico e a falta de tratamento pode levar a sérias consequências. “Esse dano persistente no intestino ocasiona prejuízo na absorção e perda crônica de nutrientes, além de consequências mais graves, como o risco de linfoma de intestino e câncer em outros órgãos.”

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Para diagnosticar a doença, faz-se um exame de sangue através da dosagem de alguns anticorpos como o antitransglutaminase IGA. Se houver alteração no exame, é preciso fazer uma endoscopia com biópsias do duodeno para confirmar o diagnóstico. Esses exames também são importantes para a monitorização dos pacientes, para verificar, por exemplo, se houve contaminação cruzada. Segundo a médica, apesar de não haver cura, é possível controlar o processo inflamatório com dietas que incluem a suspensão completa de alimentos contendo glúten.

1% da população mundial pode ser celíaca

De acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), não há nenhum censo ou registro do número de pessoas diagnosticadas como celíacas no Brasil, pois não é uma doença de notificação obrigatória pelo Ministério da Saúde. Além disso, “o cadastro feito junto às associações é voluntário e poucas pessoas o fazem pois não é hábito do brasileiro”. As associações trabalham com a estimativa mundial de que 1% da população é celíaca, fruto da pesquisa do gastroenterologista Alessio Fasano, nos Estados Unidos.

Segundo a presidente da Associações de Celíacos do Brasil de Minas Gerais (Acelbra-MG), Ângela Diniz, há diversos fatores que dificultam o diagnóstico da doença. Um deles é a possibilidade de a pessoa achar normal a recorrência de seus sintomas e não buscar tratamento. Outro fator é o desconhecimento médico, que atrasa a identificação do problema. “Às vezes o paciente não relata todos os sintomas, ou esses sintomas se parecem com outras doenças. Se o médico não estiver muito atento, não pensa em solicitar exames para a doença celíaca”, explica. Os fatos de alguns pacientes não concluírem seus exames ou de alguns municípios não oferecerem todos os exames pelo SUS também contribuem para a falta do diagnóstico.

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