Fezes e urina foram jogadas por detentos contra agentes penitenciários durante motim ocorrido entre o fim da tarde e a noite de terça-feira na Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, no Bairro Linhares, na Zona Leste de Juiz de Fora. Durante a revolta alguns acautelados também atearam fogo em colchões, sendo necessário o uso de mangueiras a fim de combater o incêndio. Para conter o tumulto e evitar uma rebelião, os servidores precisaram agir com bombas de efeito moral, tiros de munição de borracha calibre 12 e sprays de pimenta. Seis presos ficaram feridos e foram medicados na própria penitenciária.
O caso teve início por volta das 17h, mas só foi registrado pela PM depois das 22h, quando o diretor de segurança da Ariosvaldo compareceu à sede da 70ª Companhia da PM, no Bairu. Ele relatou aos militares que o motim começou durante o procedimento de finalização do banho de sol e direcionamento de presos às suas celas. Os detentos das unidades quatro e cinco contestaram as determinações do Grupo de Intervenções Rápidas (GIR) para manter a ordem no interior do pátio e não atenderam as ordens, usando, inclusive, palavras de baixo calão contra o grupo. Além disso, eles teriam iniciado a incitação de todo o pavilhão três, provocando uma desordem generalizada, com xingamentos e ameaças de morte.
Neste momento, alguns acautelados fizeram o arremesso de urina e fezes na direção dos agentes penitenciários. Os funcionários conseguiram fazer a imobilização tática dos quatro presos que lideravam toda a manifestação do pátio, com idades entre 21 e 28 anos. Em seguida, detentos de algumas celas das galerias superior e inferior iniciaram incêndio em pedaços de colchões. Para restabelecer a ordem, os agentes usaram as espingardas calibre 12, as granadas de efeito moral e os sprays de pimenta, realizando também intervenção com adentramento tático em todas as galerias.
Em nota, a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) confirmou que os agentes penitenciários do GIR controlaram um motim na Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, que deixou seis presos feridos. “A situação teve início às 17h, após o banho de sol e terminou por volta das 18h30. Durante a contenção, seis detentos sofreram escoriações e foram atendidos no setor de saúde da própria unidade.” Ainda conforme a Seap, a direção da penitenciária abriu uma investigação preliminar interna para apurar se houve ilícito administrativo no caso.
Terceiro tumulto ocorrido na cidade só este mês
Outros dois tumultos, ocorridos de forma simultânea no dia 16, deixaram 14 detentos feridos no Ceresp e na Penitenciária José Edson Cavalieri, também no Bairro Linhares. As confusões preocuparam familiares de presos e também a Comissão de Segurança da Câmara Municipal, que decidiu verificar de perto a situação das unidades e dos agentes penitenciários.
Na José Edson Cavalieri, 12 detentos teriam ficados lesionados, mas só sete precisaram de atendimento médico fora da unidade. O tumulto teve início após agentes encontrarem materiais ilícitos nas celas, como armas artesanais, drogas e celulares. No Ceresp, sete acautelados sofreram ferimentos, e a revolta também teria começado durante o banho de sol, com um desentendimento entre presos.
Os motins aconteceram pouco mais de um mês depois do início das rebeliões em vários presídios do Norte do país, que já deixaram um trágico saldo de bem mais que uma centena de mortes. No começo do ano, a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) foi questionada pela Tribuna sobre a situação das unidades prisionais em Juiz de Fora, mas a pasta afirmou não disponibilizar de informações sobre a lotação de unidades específicas, por razões de segurança. No entanto, a assessoria confirmou que Minas Gerais tem quase 70 mil presos, mais que o dobro da capacidade, de 32.758 vagas. Para este ano, está prevista a inauguração de quatro unidades prisionais, ocasionando a criação de mais 1.120 novas vagas. O número, entretanto, é insuficiente diante do déficit superior a 36 mil.
A Seap também informou não prestar informações relativas a possíveis membros de facções criminosas cumprindo pena nas unidades prisionais do estado, mas garantiu que faz o acompanhamento de todos os presídios e está apta a fazer frente a qualquer demanda do sistema prisional.
Mobilização
A preocupação com a situação carcerária da cidade tem mobilizado vários setores, como a OAB e o Legislativo Municipal. Na semana passada, o cenário encontrado pela Comissão de Segurança da Câmara durante visita ao Ceresp, acompanhada pela Tribuna e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, explicitou o cenário de degradação do sistema no país, evidenciado pelos massacres no Amazonas e no Rio Grande do Norte. Vinte presos eram obrigados a dividir uma cela de 12 metros quadrados, prevista para seis detentos. Além da falta de ressocialização, o quadro caracterizado como uma “bomba-relógio” pelos próprios vereadores causa insegurança aos agentes penitenciários. A visita também contou com a presença de representantes da Associação dos Servidores do Sistema Socioeducativo e Prisional de Juiz de Fora.
Na terça-feira (31), a Comissão de Segurança da Câmara Municipal de Juiz de Fora finalizou as visitas nas unidade prisionais da cidade. Foram visitados ontem a Casa do Albergado José Alencar Rogêdo (Cajar) e o refeitório do Centro Socioeducativo Santa Lúcia, já que a entrada na unidade não foi liberada. A Comissão agora irá apresentar um relatório final na Câmara Municipal e encaminhar o mesmo para as autoridades do Estado. O objetivo é conseguir melhores condições de trabalho para os agentes de segurança penitenciária.
Déficit de agentes é preocupação nas unidades
O presidente da Associação do Serviço Socioeducativo e Prisional de Juiz de Fora, Wanderson Pires, afirmou que as condições de trabalho e a segurança dos agentes são precárias na Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires. Segundo ele, além de serem necessários mais materiais de proteção para os servidores, como coletes, na unidade prisional, há um déficit grande de agentes penitenciários. “Muitos agentes eram contratados e foram demitidos, outros estão de atestado. O quadro ainda não foi recomposto. A situação e as falhas da unidade prisional foram checadas durante a visita da Comissão de Segurança da Câmara, feita na última semana, e já era uma preocupação nossa. O Estado precisa olhar nossas condições, precisamos trabalhar com a prevenção, da forma como está hoje, trabalhamos depois do fato ocorrido, como nos últimos tumultos. Mas até quando vamos conseguir manter e estabelecer a ordem?”, disse, acrescentando que geralmente após estas ocorrências violentas, como forma paliativa, os presos que lideraram o tumulto são transferidos. Pires disse ainda que na cadeia há mais de 900 presos, em um espaço projetado para 365.
De acordo com o vereador Charlles Evangelista (PP), que é membro da Comissão de Segurança da Câmara, as demandas em relação à segurança dos agentes é a mesma em todas as unidades prisionais da cidade. “Observamos na Ariosvaldo Campos Pires que a entrada de materiais ilícitos pela parte externa é muito fácil. A estrutura de trabalho dos agentes é precária em todas as unidades que visitamos, a única em que há número de agentes suficiente é a Penitenciária José Edson Cavalieri. Nas outras, há uma falta muito grande de efetivo. O fato é que, quando os presos ganham um espaço, viram predadores. Se pegam um dos agentes, fazem uma rebelião facilmente. Tudo o que constatamos será citado no nosso relatório, que deve ficar pronto até o dia 14 deste mês”, disse o legislador.
Nomeações
Em relação ao efetivo, a Secretaria de Administração Prisional (Seap) informou que foram nomeados e estão tomando posse os agentes de segurança penitenciários aprovados em concurso público. Do total de 6.436 candidatos aprovados na seleção, o Governo do Estado já nomeou 1.632, que estão assumindo os cargos nas unidades prisionais do estado. Os agentes contratados, atualmente na ativa, que não prestaram concurso ou não foram aprovados no exame terão os contratos rescindidos por questões legais.
Em relação à falta de materiais, a Seap informou que fará vistorias em todas a unidades de Juiz de Fora a fim de aferir a procedência das informações, para subsidiar as ações necessárias.