Quanto mais árvores em uma cidade, melhor a qualidade de vida nela. Além de trazerem verde para a paisagem, as árvores são importantes para a regulação de temperatura, reduzem a poluição do ar e até mesmo diminuem o ruído. Por mais necessárias que sejam, nos centros urbanos elas acabam disputando espaço nas calçadas. Com suas raízes fincadas no concreto e os galhos emaranhados na fiação, sem a manutenção adequada, as árvores se tornam um perigo em potencial.
Conforme a Cemig, em Juiz de Fora, de outubro a novembro deste ano, 276 ocorrências de queda de galho em fiação foram registradas. O intervalo de tempo diz respeito à intensificação do período chuvoso na cidade, que traz tempestades mais fortes, acompanhadas de rajadas de vento. É nessa época que a companhia recebe a maior parte dos chamados. A intensidade da chuva e a força dos ventos são responsáveis por arremessar objetos nos fios, como galhos de árvores e telhas, o que causa o desligamento do sistema em algumas localidades.
O número de ocorrências representa um aumento de 110% em relação ao mesmo período do ano passado. Entre outubro de novembro de 2022, a Cemig recebeu 131 chamados de queda de árvores sobre fiação. A engenheira florestal e professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Angeline Martine explica que a queda de árvores e galhos não é um evento atípico, mesmo em florestas ela ocorre. “Só que no ambiente urbano as árvores sofrem impactos diretos e bem diferentes do que estariam sofrendo em uma floresta, que é seu ambiente natural. Ficar na cidade é uma condição muito estressante para elas, sem dúvida, e isso acaba prejudicando sua vida útil.”
A vida útil de uma árvore pode ser de 30, 50 ou até mais de 100 anos. Com o passar do tempo, a queda de galhos tende a ser maior, e há risco de a estrutura colapsar. “Às vezes é preciso lembrar que as árvores não são eternas, são seres vivos e em algum momento vão morrer. Mas não é somente a morte delas que gera problemas. Tentar viver em um local que não é o ideal, sem o planejamento correto, passando por várias intervenções, pode comprometer sua durabilidade.”
Necessidade de podas preventivas
Para viver bem em meio à rotina agitada das cidades, as árvores precisam de cuidados, como o monitoramento e a poda preventiva. Conforme ressalta a pesquisadora, é preciso mudar o discurso quando se fala dos problemas causados por árvores nos centros urbanos. “É claro que as árvores chamam muito mais atenção quando atrapalham de alguma forma a rotina das cidades, se caem e obstruem uma passagem, ou rompem fios de energia e deixam as casas sem luz. Mas é preciso entender que existem diversos outros equipamentos urbanos que são mais prejudiciais ao desenvolvimento da cidade do que as próprias árvores.” De acordo com Angeline, as árvores precisam ser vistas como qualquer outro elemento urbano que, sem manutenção, corre o risco de gerar problemas.
Tal manutenção é de responsabilidade da Prefeitura, que pode recorrer à companhia de distribuição elétrica caso seja necessário desligar a energia para realizar a poda. Em Juiz de Fora, a Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanidades (Empav) é responsável por esse serviço. Em nota, a pasta afirmou que entre outubro e novembro de 2023 realizou cerca de 90 recolhimentos de árvores, ramagens e galhos caídos, a grande maioria queda de galhos nas vias. O monitoramento de risco é feito a partir de um trabalho preventivo nos lugares de maior trânsito: praças, corredores e principais vias, realizado pela Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas (Sesmaur). “Cerca de cem árvores foram avaliadas para mitigação de riscos nesse período”, disse a nota.
Galhos emaranhados na fiação
A Tribuna percorreu a região central de Juiz de Fora e fez flagrantes de situações onde a copa das árvores se emaranha nas fiações. A situação foi vista nas ruas Santo Antônio, Halfeld, Rei Alberto, Gilberto de Alencar, Sampaio de Oliveira, Tiradentes e também na Avenida dos Andradas. Em todas elas é possível observar árvores que cresceram em cima da fiação, seja elétrica ou de distribuição de sinais de internet ou telefonia.
Sobre casos do tipo, a engenheira florestal Angeline Martine explica que nem sempre significam um problema, tudo depende do tipo de fiação que está em contato com as folhas e galhos. De acordo com ela, existem três tipos de fiação para redistribuição de energia: as convencionais, compactas e isoladas. As convencionais são o tipo de rede elétrica mais comum no Brasil, nas quais os condutores elétricos não possuem isolamento e por isso estão mais vulneráveis à ocorrência de curto-circuito. Já as compactas e isoladas recebem uma camada de proteção que permite o contato com outros objetos, inclusive árvores.
“Nas redes convencionais é necessário ter uma distância de segurança de qualquer outro obstáculo. Então, quando há uma árvore perto de uma rede desse tipo, geralmente a companhia de energia realiza uma intervenção maior, uma poda que gera uma deformidade visível na árvore”. Isso ocorre porque o simples toque dos galhos na fiação pode gerar curtos que causam pequenos apagões. Mas em redes isoladas, a copa das árvores encostar na fiação não é um problema em si. A preocupação ocorre caso algum galho comece a empurrar o fio. “Se a árvore for crescendo em altura e começar a empurrar a fiação, isso pode ser um problema. Mas ela estar em contato com o cabo e encostar na rede com a força do vento, não gera um problema em fios isolados. Essa tecnologia ajudou a melhorar um pouco essa relação entre as árvores e os cabos de energia.”
Manutenção
A mesma lógica pode ser aplicada para cabos de distribuição de internet ou telefonia. Sem risco de curto, a presença das árvores não causa maiores preocupações. O maior empecilho continua sendo a queda de galhos e, consequentemente, o rompimento desses cabos. “Geralmente essa queda acontece quando a árvore precisa responder a um peso maior do que ela aguenta. O que ocorre com o vento, por exemplo, com uma ventania muito forte, à qual ela não está acostumada, ou mesmo uma carga maior com o peso da chuva.”
Por isso, o monitoramento, manutenção e poda preventiva são tão importantes e evitam futuras avarias na fiação, seja de energia, telefone ou internet. Quanto a esse trabalho, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou que a poda preventiva nas vias públicas e praças é feita após análise técnica pelo analista ambiental, e o atendimento acontece de acordo com as demandas da comunidade. “Árvores em conflito com a rede elétrica precisam da intervenção da Cemig. A solicitação para avaliação de árvores em áreas públicas pode ser feita por qualquer pessoa, desde que encaminhada ao WhatsApp (32) 3690-7984. Em áreas particulares, o proprietário é quem deve solicitar e apresentar junto ao pedido a documentação do imóvel.”
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Retirada de árvores na Cidade Alta
Em outubro, uma grande operação de poda preventiva aconteceu na Estrada Engenheiro Gentil Forn, na Cidade Alta. A região sofreu com a queda de galhos em fiação pelo menos duas vezes neste ano em dias de tempestade. A operação contou com a poda drástica e corte de espécies com risco iminente de queda às margens da via. Segundo a PJF, o trabalho foi realizado em conjunto com a Cemig e o Corpo de Bombeiros. A ação, executada pela Empav, foi autorizada e supervisionada por engenheiros ambientais da Sesmaur.
A retirada das árvores ficou visível para quem passa pelo local. Essa intervenção, segundo Angeline, é o último recurso a ser utilizado no caso de poda preventiva. Para chegar ao ponto de eliminar uma árvore existe todo um trabalho técnico envolvido. A intenção é mantê-la, a menos que ela se torne de fato um risco. “A avaliação técnica vai dizer se a supressão será a melhor maneira de solucionar esse risco, ou se existe outra possibilidade de manejo.”
Angelina ainda explica que para retirada total de árvores é necessário autorização da Prefeitura, e isso evidencia ainda mais a importância do responsável técnico. De acordo com ela, atualmente existe uma carência nas administrações públicas, principalmente em cidades pequenas, de profissionais voltados à arborização. “Muitas vezes falta nas prefeituras uma boa equipe para cuidar da arborização, tratar com atenção esse tema em meio ao planejamento urbano. Muitos problemas que teremos no futuro podem ser evitados com um plantio bem elaborado, com o estudo no local onde será feito. A falta de manejo e fiscalização também passa por isso, é a demonstração de uma falta de cuidado técnico básico com as espécies que temos no centro urbano.”
Cada um na sua
A pesquisadora ainda aponta a falta de consonância da legislação brasileira ao deixar as regras de arborização ao encargo das prefeituras. Atualmente, cada município define o que pode e o que não pode em relação ao plantio e corte de árvores. O assunto tem avançado neste ano no Congresso nacional.
Apresentado em junho, o PL 3.113/2023, de autoria do senador Efraim Filho (União/PB), institui a Política Nacional de Arborização Urbana (Pnau), que tem como objetivo manter e até expandir as áreas verdes em espaços urbanos a partir da formulação de planos estaduais e municipais. A proposta é uma reprodução do PL 4309/2021, de autoria do ex-deputado e hoje presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, que tramita na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2021. “É um exemplo que mostra como o assunto é deixado de lado dentro das cidades. Um planejamento de arborização nacional, sendo algo tão relevante, sendo discutido só agora, em 2023”, afirma Angeline.