O presidente da Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (Acispes), Ormeu Rabello Filho, é alvo de Ação Civil Pública por improbidade administrativa e ação penal propostas pela 22ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Juiz de Fora, referente ao contrato com uma empresa de software. Também são denunciados o chefe do setor de TI da entidade e o proprietário da firma GW Solution. De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), “as ações foram ajuizadas em razão de irregularidades em contrato firmado com a empresa, para locação de software, suporte e treinamento em informática”. O MP solicita que mais de R$ 2 milhões sejam devolvidos aos cofrres públicos. A Tribuna procurou a assessoria da Acispes para se manifestar sobre a denúncia, mas o presidente informou que “somente irá se pronunciar após ser citado regularmente”. A reportagem também contatou a GW Solution, mas não obteve retorno.
Segundo apurado pela Promotoria, a Acispes tinha um contrato no valor de R$ 34.200 por ano com uma firma de informática. No entanto, por decisão do presidente, foi feita a contratação de um software com mais funcionalidades com uma empresa de nome muito semelhante, a GW Solution, e valor muito superior, de R$ 589.885,32. O acordo, firmado em agosto de 2021, recebeu ainda três aditivos: em agosto de 2022, julho de 2023 e julho de 2024.
“A investigação sobre a contratação revelou práticas ilícitas realizadas pelo presidente, Ormeu Rabello Filho”, destaca a Promotoria, acrescentando que as condutas foram realizadas pelo presidente da Acispes e por uma pessoa que chefia o setor de TI, que seria de confiança do investigado, previamente ajustados com o dono da empresa.
Conforme as investigações, houve frustração/fraude do caráter competitivo mediante direcionamento da licitação Pregão Presencial 56/2021 (processo licitatório 199/2021), em prejuízo da Administração Pública, mediante uso de meio que torna injustamente mais onerosa a execução do contrato, por meio de sobrepreço dos serviços contratados; mediante entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais, por meio de superfaturamento devido ao longo descumprimento do prazo de implantação das funcionalidades em todos os setores; por meio de superfaturamento devido à concomitância obrigatória da contratação do antigo software da outra empresa; devido à impossibilidade de outra firma prestar serviços no software pela indiferenciação dos valores cobrados por hora técnica presencial ou remota; além de apropriação de valores públicos, desviando-os em proveito próprio e/ou alheio, valendo-se da facilidade que lhes proporcionava a qualidade de agente público ou a ele equiparado.
Práticas criminosas
Conforme o MP, a possível manobra resulta no crime previsto no artigo 337-F do Código Penal brasileiro, que trata de “frustração do caráter competitivo de licitação, que consiste em fraudar ou frustrar o processo licitatório para obter vantagem”. A pena prevista é de reclusão de quatro a oito anos, além de multa.
O MP também aponta o crime previsto no artigo 337-L, inciso V, do Código Penal (em continuidade delitiva), que diz respeito a: fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para o Poder Público a proposta ou a execução do contrato. A reclusão é de quatro a oito anos e multa. “Houve atuação consciente do presidente para possibilitar sobrepreço na contratação do serviço evidenciado em extensa pesquisa realizada pela Promotoria de Justiça junto a Associações de Saúde do Estado, em que foram avaliados sistemas de saúde por elas utilizados e os valores contratados.”
Além disso, a Promotoria destaca: “O valor médio anual pago pelas 20 associações pesquisadas, pelos seus Sistemas de Gestão da Saúde, é R$ 60.167,15 anuais. Considerando o valor pago pela Acispes, de R$ 408.205,32 anuais, apenas para licenciamento, suporte e manutenção, observa se que o valor pago é 678,45% superior ao valor médio pago pelas demais associações.” Desta forma, para o MP, “trata-se de conluio em atuação dolosa documentalmente provada.”
Segundo o MP, a contratação da empresa foi justificada pela Acispes pela maior completude do sistema. “Contudo, nunca houve entrega completa do serviço. Há setores da Acispes em que o software levou mais de anos para funcionar e mesmo depois de transcorridos tantos anos, com pagamentos integrais, até hoje não funciona de forma integral.” A Promotoria afirma que o pagamento integral por serviço que não estava sendo prestado em sua integralidade, com pelo menos quatro aditivos, é ilícito, e representa grave dano ao patrimônio da Acispes, composto por recursos dos seus municípios integrantes e repasses diretos pelo Estado de Minas Gerais.
Também houve infração do artigo 337-L, inciso I, por “fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais”.
Peculato
A Promotoria ainda diz que houve crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. A pena é de reclusão de dois a 12 anos, e multa. “Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.”
O MP reforça que “houve grave dano ao erário da Acispes, cuja receita é constituída de recursos públicos dos Municípios associados e repasses diretos do Estado de Minas Gerais e, também, geraram enriquecimento ilícito à empresa e ao seu empresário, que estão há mais de três anos usando os recursos públicos (recebidos integralmente) como um investimento público disfarçado para, ao longo de todos estes anos, criar um software proprietário (que gerará lucros ao seu dono) e que era inexistente quando da oferta na licitação”. Tudo isso, “sem que houvesse verdadeira concorrência para que fosse escolhida a empresa, pois esta foi ilicitamente beneficiada pela restrição editalícia e pelo expediente de afastar potencial concorrente com a desculpa de novo contato após a pandemia, tanto que nenhum outro interessado compareceu à licitação”.
Por fim, o MP requer que a denúncia seja recebida pela Justiça, sendo citados os denunciados para apresentarem defesa e que, após instrução, sejam ao final condenados, aplicando-lhe as penas que lhe couberem e a incidência dos efeitos genéricos e específicos da condenação, previstos na Constituição Federal, como tornar certa a obrigação de indenizar os danos patrimoniais e morais coletivos causados ao erário, quantificado hoje em R$ 2.010.116,46, seguindo a atualização do dano original, de R$ 1.514.350,21. O MP também solicita a perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, como a licença do software.
Diante das provas apresentadas, o MP pede a decretação da quebra do sigilo bancário dos denunciados e da empresa envolvida, incluindo todos os investimentos existentes junto ao mercado financeiro.