Com o propósito de despertar um novo olhar para a população em situação de rua, o projeto de extensão “Encontro: Tecnologias de informação e comunicação a serviço do fortalecimento da rede de ações intersetoriais voltadas à população em situação de rua de Juiz de Fora” desenvolve um aplicativo para criar uma rede de apoio e serviços voltadas a esse público. A iniciativa integra o poder público, pesquisadores de várias áreas do conhecimento que trabalham com o grupo, instituições de acolhimento e a sociedade em geral.
A ferramenta é originária do projeto Pró-Inclusão, idealizado pelo pesquisador do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Juiz de Fora, André Luiz de Oliveira. O professor conta que iniciou o desenvolvimento do aplicativo ainda no primeiro semestre de 2018, a partir da observação do aumento da população em situação de rua e das inúmeras vulnerabilidades às quais ela está exposta. A ideia é de que o aplicativo funcione como um catalizador, integrando os diversos atores em torno do atendimento das necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade. “Esse objetivo deve ser cumprido pela conexão entre as pessoas, de modo a gerar um engajamento e a quebra do estigma que existe em cima desse público, provocando a mudança do olhar”, detalha André.
Segundo o coordenador-geral, as instituições que atendem as pessoas em situação de rua terão acesso a um campo, dentro do aplicativo, para realizar o cadastro daqueles que tiverem interesse em se inscrever. As pessoas em situação de rua precisam consentir a participação. Após esta etapa, por meio da plataforma, esse cidadão vai se conectar com toda a rede.
As pessoas da sociedade civil que desejarem participar também poderão criar um login e acessar o aplicativo por meio de uma conta já existente em alguma rede social. O público terá acesso a algumas informações simples, como apelido e perímetro de deslocamento costumeiro dos indivíduos em situação de rua cadastrados. Desta forma, quem tiver interesse em ofertar ajuda, seja ela na forma de alimentação, vestuário, abrigo, moradia, qualificação profissional ou cuidado em saúde, vai poder fazê-lo também pelo intermédio da plataforma.
Os servidores voluntários da UFJF que participam do projeto de extensão vão trabalhar como mediadores, facilitando essa comunicação entre quem precisa de ajuda e quem pode ajudar. Com isso, o outro objetivo, que é constituir uma corrente de solidariedade contínua, também é atingido.
Em desenvolvimento
Atualmente, o aplicativo ainda está em desenvolvimento, e André estima que serão necessários mais seis meses para concluí-lo. A plataforma será disponibilizada para aparelhos com sistema operacional Android ou IOS. No momento, o aplicativo passa por trabalho de arquitetura interna. Essa manutenção visa a melhorar o desempenho da ferramenta, sua usabilidade e o reforço da segurança dos dados. Quando estiver em utilização, uma parte das informações só poderá ser acessada por servidores do poder público, ou seja, os mediadores do serviço.
‘Interdisciplinaridade reforça garantia dos direitos’
Para promover a conexão entre os diferentes setores, professores de diversos departamentos da UFJF, que já desenvolviam trabalhos relacionados a essa população, foram acionados e vão contribuir com a iniciativa. São pessoas de variadas áreas do conhecimento. O Serviço Social, por exemplo, trabalha no levantamento de informações sobre a forma de acessar os serviços de acolhimento e atendimento do município. Na Geografia, os profissionais trabalham com o mapeamento cartográfico, identificando os deslocamentos e regiões com as quais esse público tem maior identificação – espaços com os quais desenvolvem relação geopsíquica, que dizem respeito à criação de vínculos especiais -, além dos processos de migração.
Há também professores do Direito, que se dedicam a registrar e apurar as violações de direitos humanos, por meio de assessoria jurídica. Já a Psicologia trabalha com a redução de danos e o acompanhamento das condições de saúde mental desse grupo. Os profissionais da Medicina visam a identificar os caminhos trilhados até o acesso a serviços de saúde, levando em consideração que esses indivíduos, muitas vezes, não têm documentos. Os participantes do projeto que são da área da Ciência da Computação proverão suporte tecnológico para as ações, e os profissionais da Comunicação Social vão desenvolver um trabalho de compilação de informações e divulgação de dados e orientações relevantes sobre as temáticas que envolvem os grupos em vulnerabilidade, com vistas a colaborar com a sensibilização do público para o tema.
Conforme André, o fato de unir diversas áreas do conhecimento fortalece o projeto. “Temos na perspectiva do encontro a interdisciplinaridade, que vai reforçar a garantia dos direitos e o fortalecimento de todos os atores dessa rede”, destaca o idealizador. Além disso, o suporte tecnológico do aplicativo vai permitir que o poder público possa melhorar a rastreabilidade dessa população e possa avaliar quais serviços são acionados e qual é a eficiência deles, assim como também possibilitará pensar em mudanças e redirecionamentos, conforme as demandas e apontamentos dos assistidos. Além disso, há a possibilidade de integrar outras ações, como a realização de um censo específico para as pessoas em situação de rua. O coordenador geral explica ainda que a ideia não é criar uma plataforma de assistencialismo, mas possibilitar condições dignas para esses cidadãos e a garantia de seus direitos.
Atuar onde é preciso
A perspectiva é de que esse esforço de cooperação entre diferentes áreas do conhecimento permita se ter uma visão ampla dos aspectos que impactam a vida das pessoas em situação de rua. Segundo o professor do Departamento de Psicologia, Telmo Ronzani, que é o coordenador deste campo do conhecimento dentro do projeto, será possível abarcar diferentes necessidades que são latentes para esta população.
“Apesar de sabermos que a situação da extrema pobreza tem uma base muito grande na estruturação da sociedade, também sabemos que algumas situações são concretas e urgentes.” Neste momento, por exemplo, as pessoas em situação de vulnerabilidade lidam com o desafio do frio e da fome, além de todas as dificuldades causadas pela crise econômica e a crise pandêmica.
Desta forma, Telmo lembra que, embora sejam necessárias mudanças estruturais, do ponto de vista de quem está em situação de rua, há a urgência de acessar, pelo menos, o mais básico. “Isso é uma questão de sobrevivência. Também é importante atuar na relação direta. Ações de solidariedade têm sua importância. Além de fome e frio, há também as situações de violência e dificuldade de acesso a algumas partes da cidade.”
Diante disso, segundo o professor, é importante que, além da solidariedade, a sociedade como um todo possa buscar também a compreensão sobre a complexidade da situação e se organizar com coletividade, para conseguir minimizar as carências dessas pessoas. Para ele, integrando todos esses vieses, há uma mudança em sentido mais amplo, e a experiência poderá ser replicada em outras realidades. “A melhor maneira de lidar é tentar articular essas necessidades urgentes e a construção de políticas públicas”, finaliza Telmo.