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Melhorias previstas no transporte urbano são descumpridas

onibus capa
onibus 560 dia 7 de maio
Na linha 520 (Aeroporto), Tribuna encontrou veículo com bancos sem estofado, foram da especificação mínima exigida para a operação dos ônibus
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Prestes a completar dois anos em vigor, o contrato para exploração do serviço de transporte público no município não resultou nas melhorias esperadas pela população. Ao longo deste período, iniciado em setembro de 2016, os consórcios vencedores da licitação pública teriam que desenvolver uma série de mudanças estruturais, em conformidade com as determinações da Settra. Porém, faltando pouco mais de dois meses para atingir o período inicial de 24 meses de operação, o sistema está com 28 ônibus a menos que o previsto, muitos deles fora das especificações técnicas exigidas. Além disso, os cinco pontos de integração de linhas, que deveriam ser implantados até setembro, estão sendo reavaliados pela Settra, que já informou que o prazo não será cumprido. A reportagem também circulou por 12 ônibus urbanos, em todas as regiões da cidade, e constatou falhas e irregularidades, como motoristas sem cinto de segurança, internet sem fio inoperante, campainha estragada e poltronas fora das exigências técnicas previstas no edital.

As viagens nos 12 coletivos foram feitas nos meses de abril e maio. Não houve seleção prévia de linhas e nem definição de dias e horários. O único critério adotado foi percorrer todas as regiões do município, com prioridade a percursos longos, ou cujo destino fosse um bairro populoso. Na experiência, foi levado em consideração se o aplicativo que informa a aproximação do ônibus no ponto funcionava com exatidão, se a internet permitia conexão e era estável, se o motorista fazia o uso do cinto de segurança e se as poltronas estavam dentro das especificações técnicas exigidas (ver quadro). Apenas as linhas 711 (Barreira do Triunfo), veículo número 689; 145 (Santa Efigênia), veículo número 320; e 103 (Filgueiras), veículo número 102; cumpriram todos os critérios.

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No coletivo urbano da linha 154 (Santa Efigênia), teto apresentava rachaduras

Em uma sexta-feira, 4 de maio, o repórter foi até a Avenida Getúlio Vargas e embarcou em direção ao Bairro São Pedro, através da linha 516, carro 614. O coletivo estava inicialmente vazio, mas ficou lotado ainda no Centro, a ponto de passageiros, na altura da Avenida dos Andradas, solicitarem ao motorista que não abrisse mais a porta para embarque. O pedido não foi aceito, mesmo com outro ônibus, da mesma linha, carro 512, vindo logo atrás.

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O comboio identificado neste caso foi apenas um dos problemas observados no ônibus. Isso porque o motorista não fazia uso do cinto de segurança, o que é uma infração de trânsito, a internet sem fio oscilou e os bancos dos passageiros eram duros, o que descumpre uma determinação do edital da licitação sobre as características mínimas que a frota deve apresentar. “Todos os dias é esta tortura. O ônibus sobe em direção ao Borboleta e chega no São Pedro praticamente vazio. Quem depende dele para chegar ao São Pedro passa muita raiva”, lamentou a técnica em enfermagem Cláudia Sampaio, 44 anos.

Bancos duros e internet instável ou inoperante, aliás, foram dois problemas encontrados com frequência pela reportagem. A ausência de material acolchoado nos assentos e no encosto, para dar conforto aos passageiros, foi realidade em cinco das 12 linhas testadas. Já a internet deixou de funcionar em sete ônibus, sendo que em um deles não havia sequer rede para conexão. O fato foi constatado também no dia 4 de maio, às 16h20, na linha 102 Grama, carro 364, que seguia do bairro em direção ao Centro. “A internet nunca funciona. Eu mesmo já desisti de tentar usar”, disse a estudante Gisele Guedes, 23 anos (ver quadro).

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Apresentado aos problemas identificados, o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, informou que avaliaria com o setor de fiscalização o descumprimento sobre as características dos bancos. Sobre a falta de cinto de segurança, prometeu intensificar a fiscalização e emitir nova recomendação às empresas. Já com relação à internet sem fio, disse que os consórcios estão com problemas na operadora por casa da limitação do tráfego de dados. Quando a capacidade de dados contratada é esgotada, o modem deixa de dar conectividade. “Estamos tentando, junto com o Ministério Público, uma solução com a operadora que oferece internet 4G. A ideia é fazer um ‘tanque de dados’ para, desta forma, não existir o limite de tráfego para cada chip, e sim para toda a rede dos ônibus.”

Cinturb

Procurados pela Tribuna na última terça-feira (26), os Consórcios Integrados de Transporte Urbano (Cinturb) não se manifestaram sobre os problemas identificados pelo jornal nos ônibus visitados. No mesmo contato, foi pedido nota ou entrevista sobre a situação apresentada pela Settra, em que a redução na demanda estaria impactando a expansão do sistema. O jornal perguntou ainda se a eventual queda de arrecadação trazia algum impacto à operação do sistema. Porém, nenhum questionamento foi respondido.

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‘Relação mais segura’

Durante a apuração desta reportagem, passageiros ouvidos pelo jornal questionavam o fato de não terem notado mudanças significativas no sistema de transporte público na cidade. Apesar disso, em reportagem semelhante feita pela Tribuna, em 2014, os problemas estruturais identificados eram maiores. Entre eles, ônibus mais velhos e danificados, com bancos e vidros quebrados.

Para o secretário, a licitação não resolveu todos os problemas, mas estabeleceu uma relação mais segura entre o poder público e as empresas. “Tivemos mais autuações neste período de contrato do que todo o anterior. Temos mais poder de fiscalização, mas a queda da demanda, associada ao aumento do diesel, é um problema sério. Resolvemos questões como a idade média da frota e a inclusão da acessibilidade em todos os carros. Infelizmente não conseguimos implantar as modificações operacionais que a gente gostaria. Mas não estamos deixando de lado, somente segurando um pouco neste momento delicado.”

Para Settra, ampliar veículos e linhas agora provocaria impacto na tarifa

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A expansão do sistema de transporte público, como estava previsto no edital de licitação, foi freada pela própria Secretaria de Transporte e Trânsito. A alegação é que, neste momento, ampliar o número de veículos e linhas resultaria em impacto direto na tarifa. O problema ocorre porque a demanda pelos ônibus caiu desde que a licitação foi feita, e o preço da passagem é calculado de acordo com o número de usuários. Dados apresentados pelo titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, mostram que a média de usuários pagantes no sistema, nos quatro primeiros meses de contrato, de setembro a dezembro de 2016, era de 9,3 milhões de passageiros por mês. Nos últimos quatro meses do levantamento, de janeiro a abril deste ano, no entanto, a média caiu para 7,1 milhões, uma redução de 23%.

Esta queda, conforme o secretário, reflete no índice de passageiros por quilômetro percorrido, cálculo conhecido tecnicamente pela sigla IPK. E quanto menor o IPK, maior o custo para manter o sistema. No edital da licitação, o IPK médio para os dois lotes do sistema era previsto em 2,12, sendo que este ano, entre janeiro e abril, o resultado foi 1,79, 15% menor. “Só este resultado aumentaria a tarifa no mesmo percentual. Por isso estamos segurando a implantação de veículos, porque se colocar mais, com a demanda caindo, teremos um impacto muito grande no preço da passagem. Optamos por retardar a implantação dos veículos até que a demanda se estabilize”, informou o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello.

 

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Faltam ônibus

O contrato com os dois consórcios (Manchester e Via JF) foi assinado em junho de 2016, quando foi dado prazo de 90 dias para a gradativa implantação do novo sistema. Neste período, as empresas consorciadas precisaram substituir alguns veículos, para garantir que nenhum ônibus da frota tivesse mais que dez anos de fabricação. Além disso, a idade média deveria ser de cinco anos, o que está sendo respeitado, de acordo com relatórios fornecidos à reportagem pela Settra. Mesmo com atrasos, a identidade visual também foi substituída por uma nova, identificando os veículos como parte do sistema “Urbano”.

Para início da operação, em setembro de 2016, os consórcios deveriam oferecer, no total, 589 ônibus do tipo convencional. E, no primeiro ano, cada grupo de empresas precisaria incluir quatro micro-ônibus e 20 ônibus do tipo padron, que são maiores que os convencionais. Ao fim do segundo ano, eram esperados mais 24 veículos padron, sendo dois a cada mês. Porém a realidade é diferente. Considerando até o mês de junho, faltam 28 veículos nas ruas. Isso porque a frota total deveria ser composta por 631 carros (589 convencional, 38 padron e quatro microônibus). No entanto, existem 603 (581 convencionais, 20 padron e dois microônibus).

“Sinuca de bico”

Conforme Tortoriello, o resultado apresentado no IPK forçou a Settra a rever o seu planejamento de expansão e aquisição de novos veículos. Na prática, significa que a operação do transporte público entrou em uma “sinuca de bico”. Isso porque passageiros ouvidos pela reportagem reclamam que a licitação não representou melhorias significativas no sistema, o que pode fazer muitos deles desistirem de usar o ônibus. Ao mesmo tempo, a Settra defende que ampliações, neste momento, podem afastar ainda mais os usuários, em razão de eventuais reflexos no preço da passagem. Tortoriello reconhece a dificuldade do momento, embora acrescente outros fatores para explicar a queda da demanda, como a crise financeira que resultou no desemprego.

Perguntado se o congelamento desta ampliação não seria um descumprimento contratual da própria secretaria, ele foi enfático ao dizer que não. “Não estamos mudando a regra do jogo. São questões operacionais, e o contrato prevê flexibilidade. Estamos num ciclo perverso, porque, se a demanda cai e a tarifa aumenta, mais gente deixa de usar, e a tarifa aumenta de novo.”
Para entender o quadro, porém, a Settra vai contratar uma consultoria para fazer uma pesquisa qualitativa com os usuários. Este estudo estava previsto no edital da licitação.

‘Transferir ônus ao usuário é muito cômodo’

Problemas crônicos, como pontos de ônibus lotados, permanecem, principalmente na área central (Foto: Felipe Couri)

Em entrevista à Tribuna, a doutora em Planejamento de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP), Simone Becker Lopes, afirmou que a situação enfrentada em Juiz de Fora é a mesma observada em outros municípios brasileiros. E a alegação da redução de demanda nada mais é que consequência da falta de qualidade no transporte público. “O que precisa ser feito é ter uma combinação equilibrada entre políticas públicas e medidas operacionais, para gerenciar a demanda. É preciso atrair as pessoas para modos mais sustentáveis, incentivar o uso do transporte público e afastar o usuário do interesse pelo individual. Se o IPK está caindo, é porque o automóvel particular continua sendo mais atraente.”

Segundo ela, o argumento que mudanças estruturais não são possíveis porque o preço da passagem pode subir é um equívoco, pois “transferir o ônus ao usuário é muito cômodo”. “O erro é avaliarem o quadro atual tendo o ponto de vista do empresário. Eles reclamam da queda de passageiros, mas não melhoram a qualidade. Ao mesmo tempo, ao perder a demanda pelo transporte público, estamos impactando outros custos públicos, como o aumento da emissão de poluentes, dos acidentes de trânsito e da própria qualidade de vida.”

Por isso, segundo Simone, é preciso investir no aperfeiçoamento do sistema, mesmo com a redução do IPK. Isso pode ser feito com subsídios pontuais do poder público para custear o transporte público ou até mesmo na redução do lucro dos empresários. “Em algum momento isso vai precisar ser feito, e, quando você melhora a qualidade, a demanda volta a crescer naturalmente. E a alegação de que as prefeituras não possuem recursos financeiros não são justificativas, pois elas podem rever os seus gastos. Dizer que falta dinheiro é muito fácil.” Na avaliação da especialista, esta mudança só terá início quando a população se tornar mais consciente dos seus direitos.

Ponto de integração de ônibus será reavaliado

A licitação do transporte coletivo trouxe expectativas quanto à melhoria na qualidade do sistema. Se levar em consideração o edital e seus anexos, os dois primeiros anos deveriam ser de mudanças perceptíveis que, no entanto, não ocorreram. Além da ampliação no número de ônibus, a Settra prometia implantar cinco pontos de integração, conhecidos como PDIs, até setembro deste ano, o que não será feito. O objetivo do PDI era reduzir a quantidade de veículos em direção ao Centro fora dos horários de pico, quando os coletivos costumam trafegar mais vazios. Um exemplo de PDI seria colocado na Rua Américo Lobo, no Bairro Manoel Honório, Zona Leste, onde os passageiros de outros bairros da região seriam orientados a descer dos respectivos ônibus e fazer baldeação em um ponto nesta rua. Além de reduzir o volume de coletivos na região central, o PDI tinha a intenção, ainda, de aumentar a demanda de veículos dentro dos próprios bairros.

Segundo o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, ainda há resistências das comunidades para a colocação em prática deste modelo. Na sua avaliação, um trauma adquirido com o modelo de transporte troncalizado, implantado em 2005, na Zona Norte, e que não deu certo. “Toda vez que se fala em transbordo, a população se preocupa. Por isso estamos pensando em outra maneira de racionalização, ainda em estudo.” O secretário não quis adiantar detalhes, mas garantiu que a baldeação deverá ser implantada, inicialmente, nos bairros Grama, Zona Nordeste, e Santa Luzia, região Sul, ainda este ano. Anteriormente, os PDIs eram esperados, além do Manoel Honório, nos bairros Retiro, Zona Sudeste; Vitorino Braga, Zona Leste; Quintas da Avenida, Zona Nordeste; e Cascatinha, Zona Sul.

“A ideia do PDI no Quintas da Avenida, por exemplo, era algo muito agressivo. Porque os moradores de todos aqueles bairros acima, como Bandeirantes, Parque Guarani e Grama, chegariam quase no Centro para ter que fazer baldeação. Com esta nova ideia, que chamamos de racionalização, podemos juntar até três ou quatro linhas na região do Grama e transferir para um único veículo em direção ao Centro. No Santa Luzia será a mesma coisa, contemplando, a partir da praça, bairros como Sagrado Coração de Jesus, Santa Efigênia e São Geraldo”, informou, garantindo que, antes de qualquer mudança, as comunidades serão consultadas.

Secretário diz que JF tem bons índices se comparado a outras cidades

Na última semana, uma pesquisa comparativa do transporte público local, com outros sistemas do país, foi apresentado à Settra. A avaliação foi feita pela ONG WRI Brasil, que exerce um apoio técnico ao município. A Settra participa, dentro da ONG, de um “benchmarking”, que é um processo de comparação de serviços a partir de indicativos entregues. O transporte público de Juiz de Fora foi comparado com as experiências de Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro (transporte local e região metropolitana), da cidade de São Paulo e dos municípios mineiros de Uberaba e Uberlândia ao longo de 15 meses.

Embora não seja possível publicar os dados – que são restritos aos gestores -, Tortoriello comentou alguns resultados. Segundo ele, a questão do IPK mostra que, apesar da redução, Juiz de Fora ainda apresenta bom índice se comparado aos demais municípios. Outro detalhe é a elevada média de passageiros por mês em cada ônibus, o que, na sua avaliação, permite o preço da passagem baixa. “Temos um problema que é a distância média entre os pontos, de 323 metros, a menor entre as cidades comparadas. E isso reflete na velocidade operacional, por isso precisa ser revisto.”

O secretário também comentou o resultado do bilhete único, que não chega a 1% dos usuários pagantes em Juiz de Fora. “É muito aquém do que esperávamos. O acesso ao sistema é fácil, foi bem divulgado, mas a população ainda não se interessou, embora fosse algo que todos pediram por muitos anos.”
Um detalhe é que, embora ele tenha informações de Juiz de Fora, os resultados dos demais municípios foram divulgados de forma anônima, aparecendo nos gráficos como Cidade A, Cidade B e assim sucessivamente. “Estes dados mostram que nosso sistema não é ruim, talvez o nosso público seja mais exigente. Precisamos melhorar na parte operacional, reduzindo o número de pontos, aumentando a velocidade e fazendo a integração. E, para isso, nós necessitamos do apoio da população para implantar estas melhorias.”

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