Fortes chuvas atingiram Juiz de Fora durante o fim de semana e causaram vários estragos. O caso que chamou mais atenção foi o do Bairro Santa Luzia, Zona Sul, onde o córrego que corta o bairro transbordou no domingo. Residências e lojas foram atingidas pela água, deixando prejuízos e preocupações para a comunidade, que vivencia enchentes há vários anos. Em outros bairros, faltou energia elétrica após quedas de árvores e cortes de fios elétricos. Até o fim da tarde de ontem, a Cemig trabalhava para restabelecer ligações. A estimativa é que cerca de 10% dos cerca de 22 mil clientes afetados ainda estivessem sem luz. No Graminha, Zona Sul, ruas inteiras ainda estavam sem o serviço no início da noite de ontem. Entre sexta-feira e o início da noite de ontem, a Defesa Civil registrou 44 ocorrências por causa destas tempestades, sendo 25 delas apenas na Zona Sul. Em seguida aparecem as regiões Sudeste (8), Cidade Alta e Leste (4, em cada), Norte (2) e central (1). Novas pancadas de chuvas podem ocorrer até amanhã. Somente no último fim de semana, choveu 51% do esperado para todo o mês de fevereiro.
A força da água que atingiu ruas do Santa Luzia após o córrego ter transbordado impressionou. Leitores da Tribuna enviaram, ainda durante o fim de semana, via WhatsApp e Facebook, imagens e vídeos dos momentos mais preocupantes. Ontem foi dia de contabilizar prejuízos para comerciantes da Avenida Ibitiguaia. Em um dos casos, o proprietário de uma distribuidora de alimentos, Matheus Mazzei, teve um prejuízo de cerca de R$ 50 mil. Ele perdeu metade dos ovos de Páscoa adquiridos. Situação difícil também do proprietário de uma farmácia, Ricardo Matoso, que calcula ter perdido entre R$ 30 a R$ 40 mil.
A unidade do Bahamas no Santa Luzia também abriu as portas com atraso de uma hora e meia por conta dos trabalhos de limpeza. Conforme o gerente de marketing do Grupo Bahamas, Nelson Júnior, a água entrou no estacionamento e na loja, mas não atingiu os produtos e nem o estoque. No entanto, foi preciso vistoriar as instalações elétricas.
“Não tinha o que fazer”
A cena de um táxi Toyota Ethios arrastado pela água foi registrada em vídeo por uma moradora durante o temporal. O veículo teve o retrovisor quebrado ao bater em uma Brasília e só foi parar em um meio-fio, onde o pneu estourou. O motorista Antônio Augusto Bittencourt, 55, estacionou o veículo na Rua Ibitiguaia para tomar um café na casa da irmã, quando a chuva ainda começava a cair. Assim que saiu da residência para retornar ao trabalho, levou um susto ao ver que o veículo havia sido arrastado pela água. “Quando cheguei à rua, vi o carro descendo. Era igual tsunami. Na hora, fiquei meio desesperado e queria ir atrás do carro, mas minhas irmãs e meu filho não deixaram, já que estava relampeando. Você se sente meio inútil ao ver o seu instrumento de trabalho ser levado pela água. Não tinha o que fazer”, relata o motorista.
No momento em que a água subia, um homem chegou a ser retirado de seu carro pelo Corpo de Bombeiros. Uma das rodas do veículo havia ficado presa em uma rampa de garagem, imobilizando o automóvel e evitando que fosse levado pela correnteza. Diante da situação, o motorista foi retirado pelo vidro do carro e levado a um lugar seguro, conforme explicou o sargento Wagner Passos de Assis. Além dele, foram socorridas duas mulheres que haviam subido no beiral de uma loja próxima de uma banca de jornais. “Estavam apavoradas e, como elas não conseguiam pular, ajudamos para que as levássemos até o segundo andar de uma casa onde estariam seguras”, conta. De acordo com Wagner, a medida adotada foi acalmar as pessoas que estavam em situação de risco, monitorando a situação e aguardando até que a água baixasse.
Socorro
De acordo com o Corpo de Bombeiros, cerca de cem moradores, presos em seus imóveis, foram orientados a permanecer nos cômodos mais altos das edificações. Em entrevista à Rádio CBN Juiz de Fora, o subsecretário de Defesa Civil, Márcio Deotti, afirmou que o temporal se concentrou na região entre o Santa Luzia e o Sagrado Coração. Segundo ele, o acúmulo de lixo nas calhas do córrego e a grande concentração de chuvas contribuíram para a enchente.
Adensamento e impermeabilização
O forte adensamento da região do entorno do Santa Luzia também pode ser explicado como um dos fatores que contribuíram para as enchentes. No entanto, não é a única causa, como informou o professor da UFJF Pedro Machado, especialista em recursos hídricos. Embora não tenha um estudo específico sobre aquela área, ele detalha que, quanto mais impermeabilizado for o solo, menor é a infiltração da água e maior será sua velocidade de escoamento até o córrego. “Acontece que, de Norte a Sul da cidade, nossos córregos estão escondidos, vemos praticamente só o Paraibuna. Nossa política urbana, e não é um modelo apenas de Juiz de Fora, é a de esconder a água para não mostrar os problemas. Ocupamos o solo de uma forma que não foi a melhor. Pode ter sido bom para nós, enquanto moradores, mas não para o meio ambiente.” Segundo Machado, para resolver problemas como esses, são necessários vultuosos investimentos, além de prevenir novas ocupações sem planejamento, “para não piorar o problema”.
Segundo o secretário de Obras, Amaury Couri, a enchente pode ser considerada uma excepcionalidade, visto que foi causada por uma concentração de chuvas atípica. Ele também explicou que o Córrego Santa Luzia recebe água de todo o entorno, além de parte do Aeroporto, onde choveu 98 milímetros apenas no fim de semana.
Investimentos
Para resolver problemas de captação de água pluvial, é preciso de investimentos elevados que, por isso, precisam ser custeados pelo Governo federal, por meio do Ministério das Cidades. No entanto, ele afirma haver dificuldades em conseguir dinheiro para este tipo de obra. Uma ideia, segundo o secretário, é a de criar bacias de detenção, de forma que pudessem amortizar o grande volume de água que chega aos córregos. “A cidade jogou fora algumas bacias ao longo dos anos. A Praça do Bom Pastor, por exemplo, era um lago, que funcionava desta maneira. O lago do Parque da Lajinha também acaba tendo esta função.”
No Cascatinha, água arrasta dois moradores
O Santa Luzia não foi o único bairro atingido pelas chuvas do fim de semana. Também na Zona Sul, em uma casa da Rua Petrus Zaka, no Bairro Cascatinha, o muro de divisa com um imóvel da Rua Itamar Soares de Oliveira, que fica acima, caiu, e a água entrou em grande quantidade na área de lazer da residência. Dois moradores foram arrastados por mais de 20 metros pela água e escombros, e tiveram escoriações leves. Um veículo, que estava estacionado na garagem, foi levado e bateu no portão da casa. “A pressão da água fez o muro desabar e, com ele, foram abaixo a churrasqueira, uma piscina de lona de 15 mil litros, além de aparelho de som, o jardim e itens da oficina do meu pai. Meu pai só conseguiu parar, pois se segurou na grade do portão, que também foi aberto pelos escombros”, relata o administrador de empresas Pedro Conforte da Silva Lemos, 23 anos. O pai, o aposentado Alvano Carvalho Lemos, 57, teve ferimentos no braço, na perna esquerda e no rosto, precisando levar pontos.
Conforme a Defesa Civil, entre as ocorrências de destaque estão ainda três desabamentos parciais de edificação, sendo um deles na Rua João Krolman Sobrinho, no São Pedro, Cidade Alta, onde a água derrubou um muro e alagou uma residência. Outro foi na Rua Robson da Costa Magalhães, no Bela Aurora, Zona Sul, onde a água derrubou uma parede. O terceiro ocorreu na Rua Joaquim José da Silva, no Ipiranga, também na região Sul, onde uma parede também caiu. Técnicos já estiveram no local. Além disso, na Rua Afonso Gomes, no Ipiranga, houve um deslizamento de terra que bloqueou a via. Já na Rua Francisca Bechllufft dos Santos, no Bairro de Lourdes, região Sudeste, houve um escorregamento de talude, que encostou em uma parede.
O Corpo de Bombeiros atendeu a vários chamados de alagamentos, salvamento de pessoas, afogamentos, inundação, perigo de eletrocussão, vistorias e cortes de árvores, sendo a maioria nos bairros Ipiranga, Zona Sul, São Dimas e Francisco Bernardino, na Norte, Poço Rico, na Sudeste, além do Centro.
Energia
Conforme a assessoria da Cemig, o Bairro Santa Efigênia ficou sem luz por quatro horas e meia. Já os bairros São Pedro, Viña del Mar, Santos Dumont e Bosque do Imperador permaneceram duas horas sem energia, e os bairros Salvaterra, Novo Horizonte, Aeroporto e área rural tiveram o serviço interrompido por uma hora e 40 minutos. Até o fim da tarde de ontem, moradores do Graminha ainda estavam sem energia. “Acabou a energia 16h de domingo nas ruas Maria da Conceição Atalaia, Manoel Ribeiro e Laura de Oliveira. Meu filho, de 5 anos, faz tratamento com nebulizador, e tenho um vizinho que faz uso de insulina”, disse a dona de casa Elisângela Maria Alves, 34.
De acordo com a Cemig, tiveram muitos impactos na rede de transmissão por causa de quedas de árvores e cabos partidos, afetando cerca de 22 mil clientes. Mas todo o contingente de serviço da companhia estaria trabalhando para regularizar a situação e, até o fim da tarde de ontem, 90% dos trabalhos já estavam concluídos. A previsão era de restabelecer todas as ligações ainda ontem, mas em casos pontuais ainda poderiam ter clientes sem o serviço hoje.