Em 1974, uma família de Americana (SP) foi devastada pela morte precoce de um filho. Em um domingo de fevereiro, aos 24 anos, Jair Presente e seus amigos foram passear em uma represa de Praia Azul, um bairro da cidade. Por volta das 11h, ele mergulhou na água, e não retornou. Os colegas chamaram os bombeiros, que resgataram o jovem e tentaram reanimá-lo, mas sem sucesso. Filho de um comerciante e de uma dona de casa, Jair estava no quarto ano da faculdade de engenharia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na época da tragédia. O inconformismo com o rompimento abrupto da vida do filho fez com que, 40 dias após sua morte, a família decidisse buscar consolo com Chico Xavier, em Uberaba, a 400 km de distância. A partir deste primeiro encontro, durante cinco anos, o médium escreveu 13 cartas atribuídas a Jair. Agora, 40 anos depois, a veracidade delas foi comprovada por um grupo de pesquisadores da UFJF, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP).
O estudo, publicado na revista científica “Explore” (Editora Elsevier), é o primeiro de uma série produzida pelo grupo, resultado de um trabalho de pós-doutorado. Segundo o diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da UFJF, o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, o objetivo da pesquisa era identificar se as cartas reproduziam informações objetivas e específicas, e ainda se elas eram precisas. “A ideia era analisar se os dados não eram genéricos, ou seja, coisas que poderiam ser facilmente ditas a qualquer pessoa que perdeu um ente querido. O questionamento é para entender se os médiuns conseguiriam ter acesso a essas informações em circunstâncias normais.” Os pesquisadores Alexandre Caroli Rocha e Denise Paraná também participaram do projeto.
Para realização da pesquisa, o grupo analisou informações presentes nas 13 cartas. “Selecionamos 99 itens de informação, ou seja, afirmações específicas como nomes e fatos precisos. Concluímos que, do total, 97 itens eram verídicos, correspondiam a um fato”, explica Alexander. A verificação foi feita por meio de entrevistas com amigos, parentes que receberam cartas, documentos pessoais de Jair e recortes de jornais e revistas da época. “Inclusive, vimos que algumas informações presentes nos documentos eram desconhecidos até pelos próprios familiares”, diz ele.
O pesquisador destaca ainda que a primeira série divulgada representa apenas uma amostra do que o médium produziu. O grupo também analisa outros conjuntos de cartas, que serão divulgados em breve. O pesquisador adiantou que as conclusões seguem a mesma linha do trabalho inaugural.
Segundo Alexander, a escolha de Chico Xavier se deu pela relevância do médium no Brasil e no mundo no século XX. “Existe uma série de relatos não comprovados de que ele reproduzia informações verdadeiras, mas nenhum estudo acadêmico. Como essas situações aconteceram há décadas, as pessoas envolvidas estão envelhecendo e morrendo. Daí a necessidade de realizar a pesquisa.”
Análise se aprofunda em detalhes para reconstruir biografia
Depois de confirmado que as informações eram reais, o desafio seguinte era descobrir como Xavier poderia ter tido acesso àqueles dados. A primeira hipótese, conforme o pesquisador, seria conversando com as pessoas, lendo ou investigando. “Por isso, preferimos nos concentrar de maneira específica na primeira carta.”
Segundo Alexander, a irmã de Jair, Suely, em seu primeiro contato com Xavier, revelou apenas que havia perdido um irmão. Em resposta, o médium teria dito: “Tão jovem, deixou a vida na flor da idade. Quanto à mensagem, o telefone toca de lá para cá, não daqui para lá, mas aguardem a hora da psicografia.” Na análise da primeira carta, há uma referência de parentes já falecidos de Jair como, por exemplo, um avô e uma tia. “Eu encontrei muito amparo, mas a não ser o meu avô Basso, a quem me ligo pelo coração, não tenha ainda memória para funcionar aqui / Aqui comigo estão meu avô Basso e um coração de benfeitora a quem chamo Irmã Elvira”, diz a carta.
Segundo consta na pesquisa, a informação do avô é importante não somente porque o homem era conhecido pelo sobrenome, mas também porque a carta o localiza em um suposto mundo espiritual, bem como ocorre com a tia citada, Elvira. “Não havia evidências de que boa parte das informações poderiam ter sido repassadas por vias convencionais”, explica Alexander. Entretanto, ele ressalta que o estudo não comprova que aqueles fatos foram transmitidos por alguém já morto.
Investigação
Segundo a pesquisadora Denise Paraná, o grupo trabalha tentando reconstruir a biografia do falecido, buscando entender sua personalidade, seu modo de agir, sua visão de mundo. “Estudamos sua caligrafia, analisamos seus objetos pessoais, suas relações afetivas. Fizemos levantamentos em cartórios e nos mais diversos arquivos, tudo o possível para compreender aquela individualidade que supostamente se manifestava através das cartas. Tentamos verificar se ali emergiam características do morto e se havia evidências de que o médium teria acesso a estas informações de maneira anômala.”