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Jovens dão novo fôlego a movimentos sociais

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Nas ruas e na universidade, ecoam vozes de grupos que se unem com pautas contra opressão. São jovens que se engajam na luta contra o machismo, o racismo, em favor dos direitos humanos e da diversidade. Coletivo Maria Maria, Kizomba, Ocupa UFJF, PretAção e Coletivo Duas Cabeças foram movimentos capazes de pautar a cena pública ao longo de 2015, seja com manifestações, pressionando lideranças políticas em protestos, ou de maneira silenciosa, como em fotografias ou atos simbólicos. A instalação dos estudantes na Reitoria por mais de 15 dias, os embates na Câmara nas discussões sobre o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, a pressão na votação para criação do feriado do Zumbi e, mais recentemente, a marcha pelas mulheres com o Fora Cunha (Eduardo, presidente da Câmara dos Deputados) são ações que tiraram da apatia a rotina de Juiz de Fora.

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A nova configuração desses grupos – um dos mais antigos foi criado há quase dez anos, o Maria Maria – expressa o ideal de uma juventude que grita por mais direitos e igualdade. Sua formação acontece, principalmente, no âmbito universitário, nas questões que emergem no ambiente fora da sala de aula, mas de forma independente dos tradicionais movimentos ligados a sindicatos e partidos políticos. A professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF Maria Lúcia Duriguetto explica que esses grupos caracterizados como “novos movimentos sociais” surgem em busca de um reconhecimento das demandas e necessidades que vêm das opressões de gênero, raça-etnia, orientação sexual e outras não vinculadas à esfera do trabalho, representadas por entidades trabalhistas. “Apresentam uma dinâmica que procura democratizar a tomada de decisões ao que tange à formulação de objetivos, formas de ação, valores e ideologias.”

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O professor do Departamento de História da UFJF, o sociólogo Fernando Perlatto destaca a ampliação desses grupos nos últimos anos, impulsionados, principalmente, pela internet. “Conjugam uma forte militância virtual, via redes sociais, como Facebook.” Perlatto destaca sua capacidade de articulação. “É interessante perceber que este ativismo juvenil, seja nas universidades ou fora delas, contribui para contradizer a ideia de que a juventude brasileira é desorganizada, desmobilizada e desinteressada politicamente. O que ocorre é que as instituições formais – partidos e organizações representativas, de modo geral – não conseguem dialogar com esses movimentos, que são muito mais dinâmicos e com pautas que não encontram escoadouro nestas entidades tradicionais. Isso faz com esses grupos procurem formas alternativas de pautarem publicamente suas agendas e reivindicações”, afirma.

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O professor ainda diferencia esses movimentos daqueles surgidos em momentos importantes da história do Brasil, como na Ditadura Militar, que tinham e têm em suas pautas questões relativas à desigualdade de classes, redistribuição de renda e conflito entre capital e trabalho. “Já nasceram em um contexto democrático e suas demandas transcendem a agenda da política em si – ou seja, a conquista da democracia, transbordando para outros campos. Se, nas Diretas Já, os partidos políticos e os sindicatos eram os principais canais de organização das manifestações, no contexto atual, essas mobilizações são organizadas de forma menos vertical e mais horizontalizada, contando, para isso, com as redes sociais”. Outro aspecto observado pela professora Maria Lúcia é a resistência que estes movimentos promovem diante de uma realidade em que o conservadorismo se impõe, principalmente na atual composição do Congresso Nacional. “Na conjuntura contemporânea brasileira, eivada de conservadorismo e de regressão de valores, a presença destas organizações é de fundamental importância para pautar a cena pública de uma ofensiva que tencione, conflite e dispute com este conservadorismo as formas da nossa sociabilidade”, afirma. Ainda que exista a diferenciação entre esses grupos e os tradicionais, Perlatto lembra que há integrantes que participam de ambos, inclusive se filiando a partidos políticos, vislumbrando possibilidades de transformação através desses canais.

Contra o machismo e o sexismo

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Com foco na luta pelos direitos das mulheres, o Coletivo Maria Maria se destacou este ano durante os debates travados na votação do Plano Municipal de Políticas para as Mulheres. O grupo, criado em 2006, atua em favor do empoderamento das mulheres, na luta contra o preconceito e a violência contra o gênero. “Somos mulheres universitárias, jovens, mães, negras, lésbicas, bissexuais, que trabalham e estudam”, explica a militante Laiz Perrut. É formado por aproximadamente 25 mulheres de diferentes faixas etárias, que se reúnem quinzenalmente para traçar suas formas de atuação. Também promove ações sociais, como foi a destinação de absorventes e materiais de limpeza a detentas da Penitenciária Ariosvaldo de Campos Pires, ocorrida no início de novembro. Eventualmente, promove o “Café das Minas”, um encontro aberto em praça pública.

Dentre as formas de opressão, o combate ao machismo é o principal mote do grupo. “Vivemos numa sociedade machista e patriarcal, em que estupro é considerado uma coisa normal. A palavra estupro é forte, mas os homens aceitam bem o termo forçar o sexo. Acham que é comum dar um tapa na mulher. O gênero, a raça, qualquer que sejam, não podem interferir na forma como somos tratadas”, explica a estudante do mestrado em Letras, Isadora Pontes. Em novembro, junto a outros movimentos e centenas de pessoas, o grupo atuou na Marcha das Mulheres em Juiz de Fora, levando a Batucada Feminista e empunhando a bandeira contra Cunha.

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Garantia de nome social na universidade

Representantes do Coletivo Duas Cabeças e Visitrans ocuparam a Câmara para discutir questões de gênero (Marcelo Ribeiro/29-06-15)

Empenhado na defesa de direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Interssexuais (LGBTI), o Coletivo Duas Cabeças também se destacou no cenário político da cidade. Em março, o grupo obteve êxito na coleta de quase mil assinaturas que levaram o Conselho Universitário (Consu) da UFJF a aprovar o uso do nome social na universidade em toda a documentação oficial da instituição. Ele é usado quando uma pessoa não se identifica com sua identidade sexual ou de gênero. “É uma forma de garantir que os travestis e transexuais possam estudar e ter o seu nome respeitado. Que possam frequentar o ambiente acadêmico sem sofrer nenhum tipo de constrangimento”, destaca a militante transexual Bruna Leonardo.

O coletivo surgiu em 2014, motivado por um ato de “lesbofobia”, quando um segurança retirou duas universitárias de uma festa em uma casa noturna após se beijarem. A mobilização surgiu como forma de resistência diante da expulsão das alunas. No âmbito da UFJF, o grupo se soma ao Visitrans, que luta pela visibilidade de transexuais e discussão de políticas públicas para a este público. “Infelizmente, o SUS só oferece o processo da cirurgia. Precisamos de um tratamento hormonal, da implantação de um ambulatório específico com um aparato médico e psicológico para que essas pessoas sejam assistidas de forma digna”, reivindica Bruna.

Ultrapassando os portões da universidade, ambos os grupos também abraçaram a luta para garantir a inserção da identidade de gênero nos textos dos planos municipais da mulher, da educação e da juventude. Eles participaram ativamente das sessões da Câmara em julho, mantendo o movimento mesmo após a retirada da proposta de tramitação pelo Executivo. Em um dos atos contra o movimento de setores religiosos, nasceu o grupo R-Existir. “Queremos saber onde se enquadram as famílias africanas dentro desse estereótipo. Estamos aqui e queremos voz. Não queremos nos tornar maioria, apenas queremos o respeito à nossa cultura”, afirma o estudante do Ensino Médio, Sidnei Carlos Aquino Júnior, 18.

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Movimento estudantil se reformula na UFJF

Ocupa UFJF surgiu após ocupação da Reitoria (Foto: Fernando Priamo)

Diante das demandas estudantis e pela transparência orçamentária da UFJF, surgiu dentro da universidade um grupo que se dispôs a reivindicar o direito dos alunos, na ausência do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que está sem diretoria há cerca de um ano. Após uma acalorada reunião com a Administração Superior, em 18 de maio, na qual expuseram a indignação diante de questões financeiras da instituição, o grupo ocupou o saguão e as salas da Reitoria, permanecendo no local por 16 dias. Passado o ato, os estudantes conseguiram que o ex-reitor Júlio Chebli os recebesse em uma assembleia, na qual foi assinada uma carta compromisso. Neste momento, surgiu o Ocupa UFJF, que até hoje pleiteia avanços da assistência estudantil. “É um movimento muito orgânico. Não somos apenas uma pessoa, não temos líderes, lutamos por algo em comum”, explica a estudante da Faculdade de Letras Letícia Rodrigues, 25 anos.

Os alunos se empenharam para a ampliação do número de contemplados pelas bolsas de assistência. Além disso, cobraram da UFJF o atendimento a comunidade de Governador Valadares, diante da suspensão das aulas, após a interrupção no abastecimento depois da passagem da lama da mineradora Samarco pelo Rio Doce. A vitória mais recente do grupo foi a adesão da UFJF à campanha “Libera meu xixi”, que estimula o combate à transfobia, no uso do banheiro do gênero que o aluno se identifica. O pedido era uma das demandas da carta compromisso assinada por Chebli, agora referendada por Marcos Chein.

Kizomba questionou a suspensão do calendário acadêmico no que chamou de “greve do reitor” (Foto: Marcelo Ribeiro)

Também dentro da UFJF, onde atua há dez anos, a Kizomba manifestou posicionamentos duros em relação à suspensão do calendário acadêmico da graduação pelo Consu no fim de julho. À época, classificou a decisão como a “greve do reitor”, atribuindo o fechamento da universidade às dificuldades orçamentárias para manter o custeio da instituição. O movimento ainda ganha corpo por ter representantes dos estudantes do Campus de Governador Valadares no Consu. “É preciso abrir o orçamento da universidade, torná-lo participativo, e promover a discussão com a comunidade acadêmica sobre os rumos que devemos seguir”, explica o estudante de Direito, Mateus Coelho.

Coletivo PretAção realiza trabalho nas escolas junto a adolescentes (Foto: MARCELO RIBEIRO/05-11-15)

 

Pela igualdade racial
A mobilização iniciada na tentativa de incluir conteúdos de matriz africana no currículo do curso de Medicina da UFJF deu origem ao coletivo PretAção. Com a campanha #Ahbrancodáumtempo, realizada em maio deste ano, o grupo conseguiu mais visibilidade tanto no âmbito da universidade, quanto fora. Hoje atua também em escolas onde ensina a adolescentes a se valorizarem na tentativa de minimizar a predominância de padrões estéticos. “Não é uma ação direta contra o indivíduo branco, mas contra essa ideologia de que todo elemento cultural de matriz africana seria ruim. Tanto na religião, quanto na música, quanto na cultura de forma geral”, explica a fotógrafa Paula Duarte.

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