O poeta carioca Antonio Cícero faleceu na quarta-feira (23) na Suíça, aos 79 anos. Ele optou pelo suicídio assistido, prática permitida no país europeu, e sua decisão reacendeu o debate sobre a antecipação da morte, que inclui tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia.
Embora relacionados ao fim da vida e frequentemente mencionados como “sinônimos”, os dois atos são diferentes, conforme explica Luciana Dadalto, advogada especialista em Direito Médico.
Tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia são formas de antecipar a morte e abreviar o sofrimento, diz ela, mas com abordagens distintas. “Nas duas situações, estamos falando de manifestação de autonomia, mas no caso da eutanásia, o médico injeta uma substância letal no corpo do paciente, enquanto o suicídio assistido envolve a prescrição de um fármaco autoadministrado pelo paciente. Ou seja, ele mesmo administra a dose letal”, explica.
Além da Suíça, o suicídio assistido é legalizado em países como Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Espanha, Canadá, Colômbia e em alguns estados dos Estados Unidos. As regras são diferentes de um lugar para outro, mas geralmente, os casos precisam envolver doenças terminais ou incuráveis. “Precisa de uma justificativa e a pessoa precisa estar lúcida”, destaca Luciana.
Esse não é o caso da Suíça, que é considerado o país com as regras mais permissivas: com exceção da lucidez – para que a pessoa tome a decisão sem coerção ou pressão externa -, a legislação local não determina um limite de idade nem condições médicas para a realização do suicídio assistido. Além disso, é um dos poucos locais onde os estrangeiros podem realizar o procedimento. “Muitas pessoas viajam para lá, em um movimento que podemos chamar de ‘turismo para a morte’”, comenta a especialista.
Exercício da dignidade: uma variável
A relevância da discussão, segundo a especialista, se dá na perspectiva do direito individual. “Falar sobre isso é importante porque envolve a autodeterminação de cada um sobre o limite do seu sofrimento e a possibilidade de exercer a própria dignidade”, afirma. No entanto, ela destaca que a definição de “morte digna” varia de pessoa para pessoa. “Para muitos, isso significa receber cuidados adequados enquanto, para outros, implica ter acesso a métodos para abreviar o sofrimento”, complementa.
No Brasil, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são proibidos. A discussão aqui, segundo Luciana, esbarra em barreiras culturais e religiosas que moldam a visão sobre a morte. “A morte é um grande tabu para nós”, afirma. “Achamos que morrer é a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa. E, como achamos isso, fazemos de tudo para evitar que ela aconteça. Nós não temos uma educação para a morte, uma compreensão de que somos seres finitos, de que a mortalidade é parte da nossa história”, opina.
Diagnosticado com Alzheimer, doença neurodegenerativa que, progressivamente, resulta na perda de memória e de funções mentais importantes, Cícero expressou, em uma carta endereçada a amigos, que a decisão foi baseada em um entendimento pessoal e lúcido.
Quem foi Antonio Cícero?
Irmão da cantora Marina Lima, Antonio Cicero teve a trajetória na literatura cruzada com o universo da música. Escreveu letras de canções como Fullgás e Pra Começar em parceria com a irmã e também colaborou com outros artistas, como João Bosco, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos. Com Lulu, foi coautor do sucesso O Último Romântico.
Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele é autor de diversas publicações de poesia e reflexões sobre a modernidade. Em 1994, em parceria com o poeta Waly Salomão, organizou o livro O Relativismo Enquanto Visão do Mundo (Editora F. Alves), que reuniu conferências realizadas no projeto Banco Nacional de Ideias, promovido pelos dois poetas com intelectuais de importância mundial.