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Abrigos LGBT se espalham e reúnem histórias de orgulho e superação

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por Vinícius Lisboa, repórter da Agência Brasil

 

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Sala de aula da Casa Transvest. (Foto: Divulgação)

Duds Falabert, de 35 anos, conta que levava uma vida de homem heterossexual casado quando descobriu a transfobia. Professora de literatura em colégios tradicionais de Belo Horizonte e sem socialização no meio LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), ela passou a temer que a busca por sua verdadeira identidade de gênero levasse ao desmoronamento de sua carreira e vida pessoal. O receio que poderia paralisá-la, no entanto, fez nascer a vontade de ajudar pessoas trans que perderam casa, empregos e oportunidades por decidir ser quem são. Ainda quando se identificava como homem, Duds fundou a Casa Transvest, que começou como curso pré-vestibular no ano passado e há três meses acolhe transexuais desabrigados. Nesta quarta-feira (28), no Dia Internacional do Orgulho LGBT, histórias como a de Duds ilustram a luta pelo respeito à diversidade.

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“Tinha todos os privilégios do homem cisgênero e heterossexual, e usei isso a favor do projeto”, conta ela. A pessoa cisgênero é aquela que concorda com o gênero com que foi identificada ao nascer.

Aos 35 anos, a professora que começou ensinando e acolhendo acabou aprendendo e sendo acolhida pelos amigos que criou no projeto. “Não tive uma socialização gay antes, porque enquanto homem, era heterossexual. Esse foi um dos motivos que postergou minha decisão, porque a gente costuma acoplar gênero a orientação sexual, e eu sabia que não era gay. Quando consegui dissociar isso, descobri que minha questão era de gênero.”

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A Casa Transvest ainda funciona em caráter experimental e abriga sete pessoas, mas a ideia é ampliar para até 40 no fim do ano. A procura por vagas é alta, e Duds conta que já deu para perceber as mudanças que o acolhimento proporciona: “A primeira é o empoderamento da identidade trans. É a pessoa começar a sentir orgulho da sua identidade. E eu percebo que há também uma desconstrução da violência que elas traziam em si. No começo, a gente percebia muita violência nos atos e nas palavras, mas como a gente oferece afeto e educação, isso se transforma.”

Casa Transvest ainda funciona em caráter experimental e abriga sete pessoas. (Foto: Divulgação)

Em comum, as hóspedes trazem as marcas de terem sido expulsas de casa ainda na adolescência: não terminaram o ensino fundamental e não conseguiam trabalho. Por isso, estudar no projeto é uma condição para a estadia na Casa Transvest. “Quando são expulsas nessa condição, elas entram nessa vulnerabilidade toda. A escola é transfóbica, as empresas não abrem espaço, a família expulsa porque é transfóbica também, e elas não conseguem acolhimento do Estado”, conta ele. “Por não reconhecer que mulheres trans e travestis são mulheres, o Estado coloca no abrigo masculino. E lá elas são violentadas, estupradas.”

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O projeto mineiro se inspirou em uma iniciativa semelhante no Rio de Janeiro, a Casa Nem, que já chegou a abrigar mais de 60 pessoas LGBT ao mesmo tempo. Com ações educacionais e profissionalizantes, o abrigo sobrevive com doações e a renda de eventos, e busca agora se expandir para áreas periféricas da região metropolitana. Há dois meses, 12 pessoas estão abrigadas na Casa Nem da Baixada Fluminense, em Mesquita. A idealizadora do projeto, Indianara Siqueira, conta que uma nova casa deve ser aberta na zona oeste.

“Temos desde pessoas expulsas de casa pela família até pessoas vindas de vários locais do Brasil. Outras são pessoas que perderam seu emprego no momento que iniciaram a transição [de gênero]. Temos histórias felizes, de pessoas que vieram e depois a família veio buscar. E temos histórias tristes, de pessoas que nos procuraram para morrer”, lembra.

Com 30 pessoas abrigadas, outra ideia é fazer um atendimento especializado a mulheres em situação de violência, sejam elas LGBTs ou não. “Para isso, precisamos de parcerias”, adianta ela, que já recebeu contato de ativistas do Chile e da Argentina, interessados no modelo da Casa Nem.

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Iniciativa privada e governo

Casa 1 acolhe LGBTs em São Paulo. (Foto: Divulgação)

Fundador da Casa 1, que acolhe LGBTs em São Paulo, o ativista Iran Giusti conseguiu doadores fixos e o apoio de grandes marcas para o projeto. “A gente quer cada vez mais relacionamento com mais marcas, especialmente marcas interessadas em financiar mudanças estruturais mesmo” diz ele. “Estamos engatinhando, e as empresas estão começando a engatinhar também.”

Casa 1, que abriga, por até três meses, LGBTs expulsos de casa, realiza série de eventos públicos (Foto: Divulgação)

Para o fundador da Casa 1, não se pode perder de vista que o governo precisa acolher a população LGBT em situação de vulnerabilidade. “A gente coloca muito na conta da estrutura familiar a questão da LGBTfobia, mas vai muito além disso. É só uma parte do processo. O Estado não dá conta dessa estrutura.”

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A Casa 1 abriga, por até três meses, LGBTs expulsos de casa e, desde janeiro, 34 pessoas passaram por lá. A capacidade máxima é de 20 vagas, e 14 estão atualmente ocupadas. Iran Giusti acredita que mais vivência e empatia nasce da troca de experiências entre diferentes membros da comunidade LGBT. Além da convivência, os abrigados participam de atividades culturais abertas ao restante da sociedade, como laboratórios de criação, aula de dança e curso de idiomas.

 

Abrigo Cristão LGBT

A Casa Nem, a Casa 1 e a Casa Transvest começaram nos últimos dois anos um acolhimento que já existe há sete anos no Paraná, no Projeto Camargo Casa de Missão Amor Gratuito, fundado pelo reverendo Célio Camargo, em Maringá. Paula Warmling, de 29 anos, coordena o espaço, e sua própria busca por viver sua identidade de gênero se confunde com os sete anos de voluntariado.

“Na época que eu cheguei, eu ainda era o Paulo e não conseguia me aceitar como a Paula, uma mulher trans. Foi com o reverendo que comecei a me aceitar, graças a ele, que me aceitou e já tinha uma visão mais ampla sobre transexulidade. Eu sabia que eu era algo além, porque não sabia quem eu era”, diz a voluntária, que já tinha sido aceita pela família quando se identificava como um homem homossexual, mas viu as barreiras aumentarem quando se declarou mulher trans. “Minha mãe não aceitava, mas depois de muita luta consegui que vissem que sou mulher. Hoje, me amam e me aceitam.”

A Casa de Missão funciona como um projeto ecumênico da Igreja Cristã Metropolitana e conta com doações da Igreja Católica em Maringá. Para entrar, porém, não é exigida qualquer conversão religiosa. Além de voluntária, Paula é pastora. “O modo com que as igrejas fundamentalistas pregam, que é pecado, faz a comunidade LGBT ter um trauma das igrejas”, diz ela, que defende que a mensagem do cristianismo é o amor.

O que ameaça a Casa de Missão no momento é a falta de recursos, e, pela primeira vez em sete anos, o abrigo passou um mês fechado no primeiro semestre de 2017. “Precisamos de doações de produtos de limpeza, higiene pessoal, recebemos cestas básicas. Mas o que a gente mais precisa no momento é a parte financeira. Se não tiver o financeiro, tudo fecha. Temos contas atrasadas e precisamos de ajuda”.

 

Cisgênero x transgênero

Cisgênero é a pessoa que concorda com o gênero com que foi identificada ao nascer e, por isso, não precisa fazer a transição para outra identidade de gênero ao longo da vida. Exemplo: seus pais o registraram como menino e, durante toda a sua vida, ele concordou que era de fato do gênero masculino.

Tanto cisgênero quanto transgênero são adjetivos que identificam o gênero de uma pessoa – se ela se identifica como masculina, feminina ou um pouco dos dois. Já homossexual, heterossexual e bissexual dizem respeito apenas à orientação sexual e afetiva – por qual gênero a pessoa se sente atraída.

Uma mulher pode, por exemplo, ser transgênero e homossexual (se identifica como mulher e se interessa por mulheres), transgênero e bissexual (se identifica como mulher e se interessa por homens e mulheres) ou transgênero e heterossexual (se identifica como mulher e se interessa por homens).

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