Uma investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria Geral da União (CGU), que identificou fraude em um esquema de desconto ilegal em aposentadorias e pensões, levou, na quarta-feira (23), à demissão do presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto. Desde 2016, os descontos alcançaram R$ 7,99 bilhões, e quase 100% deles foram irregulares segundo a CGU. A apuração deixa sob suspeita 11 entidades sindicais, entre elas o Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), que tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula foi informado pela manhã sobre a Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF e pela CGU. O presidente determinou que o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, demitisse Stefanutto, indicado por ele para o cargo. Stefanutto se antecipou e pediu demissão.
A investigação de fraude
A apuração teve o seu início em 2023, com realização de auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS. A CGU identificou que as associações e sindicatos não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários e que 70% não tinham entregado a documentação necessária.
Conforme a investigação, elas participariam de um esquema que descontava mensalidades sem o conhecimento de aposentados e pensionistas ou que eles pensavam ser obrigatórias.
Stefanutto já havia sido afastado do comando do INSS por decisão judicial a pedido da PF. Ele e outros dirigentes do órgão foram afastados por suspeita de crimes, segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
O ministro relatou também que foram apreendidos na operação carros, joias e quadros, além de dinheiro em espécie de “alto valor”.
“Por determinação judicial, foram afastados cautelarmente, por suspeita de envolvimento nesses crimes, que são vários, o presidente do INSS, o diretor de Benefícios de Relacionamento com cidadão, procurador-geral junto ao INSS, o coordenador geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente, o coordenador geral de Pagamentos e Benefícios. Foram apreendidos muitos bens, carros de luxo de alto valor, dinheiro em espécie, joias e quadros”, afirmou Lewandowski.
Segundo o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, não houve medidas efetivas por parte do INSS para coibir as fraudes, apesar das denúncias. “O afastamento foi solicitado pela Polícia Federal, durante inquérito instaurado em junho de 2024. Durante esse período houve a investigação. A Justiça entendeu pelo afastamento. Houve notícias da imprensa, no final de 2023, análise do TCU, ações da CGU, reportando as sucessivas fraudes, e houve continuidade sem que houvesse ações mais efetivas no sentido contrário. Tudo isso levou ao afastamento não só do presidente, mas dos servidores citados”, afirmou.
Auditoria da CGU também apontou que o INSS não adotou medidas para tentar mitigar o problema. “Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACT (acordos de cooperação técnica), o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos e seguiu assinando ACT após a suspensão ocorrida em 2019, com o crescimento significativo dos descontos a partir de julho de 2023.
Lupi assumiu a responsabilidade pela indicação do presidente do órgão e afirmou que um interino seria nomeado para o lugar de Stefanutto até o término das investigações. “A indicação é da minha inteira responsabilidade, ele (Stefanutto) é (…) servidor que tem me dado todas as demonstrações de ser exemplar, fez parte do grupo de transição. Vamos, no processo, esperar as investigações em curso. Temos que cumprir a decisão da Justiça, de afastamento. Vamos aguardar o desfecho, com os cuidados devidos, para garantir o amplo e total direito de defesa”, afirmou.
Procurado pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), Stefanutto não se manifestou.
Restituição dos descontos ilegais
Ao concederem entrevista coletiva para tratar da operação, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, da Previdência Social, Carlos Lupi, e da Controladoria-Geral da União, Vinicius de Carvalho, foram unânimes ao afirmar que os valores descontados ilegalmente deverão ser, em algum momento, restituídos aos prejudicados. Nenhum deles, contudo, arriscou uma data para que os eventuais prejudicados sejam ressarcidos.
“Cada caso terá que ser examinado individualmente. Obviamente, mediante requisição, apuração interna, esse dinheiro, um dia, terá que ser restituído para aqueles dos quais foi retirado indevidamente”, disse o ministro Ricardo Lewandowski.
“Quanto à questão da devolução [dos valores deduzidos ilegalmente dos benefícios], cada caso é um caso. Vamos aguardar pelo desfecho desta operação para, depois, vermos as atitudes cabíveis”, reforçou Carlos Lupi.
Coaf
Entre as entidades que foram alvo da operação desta quarta está o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi). Frei Chico, irmão mais velho de Lula, é diretor vice-presidente da entidade. No organograma do Sindinapi, Frei Chico é o número dois da nacional operativa da entidade. Acima dele está somente o diretor-presidente, Milton Baptista de Souza Filho, conhecido como “Milton Cavalo”.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou operações suspeitas, entre 2020 e 2023, envolvendo o Sindinapi e a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), entidade que está no centro das suspeitas de fraudes no INSS (mais informações nesta página).
Em agosto de 2021, a Ambec assinou um acordo de cooperação técnica com o órgão federal. O credenciamento permitiu que a entidade descontasse mensalidades diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas. Porém, desde que houvesse autorização expressa dos filiados.
O aumento expressivo no faturamento da associação chamou a atenção da CGU, que fez uma auditoria na entidade. Segundo a CGU associação não apresentou a documentação necessária para comprovar que aposentados e pensionistas tinham conhecimento e concordaram com os descontos, como fichas de filiação e termos de autorização.
Propinas
Segundo a investigação, os dados dos aposentados foram obtidos junto a servidores do INSS, mediante o pagamento de propinas. As informações teriam sido cadastradas na Ambec e em outras associações semelhantes, sem o conhecimento dos aposentados, para operar os descontos nos contracheques.
Os descontos eram de pequenos valores. Em muitos casos, as vítimas não perceberam os abatimentos. Mas, somados, os valores apropriados indevidamente por essas associações somam R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo cálculos da CGU.
Os valores eram descontados a pretexto de mensalidades e de serviços que não eram efetivamente prestados, como suporte jurídico aos aposentados.
Segundo a PF, essas associações existiam apenas no papel, ou seja, eram entidade de fachada usadas exclusivamente parar operar as fraudes. Frei Chico foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou.