O dia 22 de abril é marcado como uma data para celebrar o chamado “Descobrimento do Brasil”. Nos livros de História e nas aulas de muitos brasileiros, este momento foi contado apontando que os portugueses teriam chegado ao país acidentalmente, devido a um desvio que Pedro Álvares Cabral teria feito durante uma grande navegação que tinha como destino as Índias. O que era dito, então, é que tudo o que aconteceu a partir do momento em que as navegações chegaram nesta terra foi necessário para que se formasse a nação brasileira, e que essa “descoberta” dos portugueses teria sido uma espécie de “destino manifesto”. No entanto, como destaca a professora do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), Ana Paula Costa, uma mesma história pode ser contada de muitas maneiras. Revisões mais recentes trazem à tona outros fatores importantes para se entender o momento da chegada dos portugueses e até mesmo questionar se realmente foi um “descobrimento” acidental ou um ato planejado.
A pesquisadora explica que esse evento histórico começou a ser discutido, no cenário histórico, por volta do século XIX, e, naquele momento, a forma como a discussão foi realizada se deu de maneira bastante diferente de como ela acontece atualmente. Conforme Ana Paula explica, foram dois momentos distintos de abordagem do assunto, sendo o primeiro pós-independência, do século XIX até por volta da década de 1980, em que a temática abordada na historiografia, nos livros didáticos, no senso comum e na mídia tinham um caráter épico. “Destacava a figura do Pedro Álvares Cabral chegando em 1500 com sua comitiva, devido às tempestades e aos ventos que sofreram ao entrar no Atlântico. Por conta desse inesperado, eles teriam chegado aqui de forma não intencional”, relembra. Apesar de muitas pessoas terem aprendido a história do país exatamente dessa forma, a historiografia vem passando por algumas revisões, primeiro internacionalmente, e que fazem ser necessário olhar para esse assunto novamente.
Conforme ela explica, tendo em vista a gama de estudos que surgiram nesse cenário de revisionismo: “O primeiro ponto seria o questionamento em torno da própria noção de mito, de descobrimento acidental; mas também a própria importância de ressaltar não a chegada dos portugueses, não esse fato em si, mas todo o processo de invasão que vai se desencadear após a chegada dos portugueses. O mais importante é focar nesse aspecto”. O próprio olhar que os historiadores vão passar a ter nesse momento sobre as antigas fontes históricas e o uso de novas fontes históricas, a partir do processo que acontece também nos outros países, como explica, vai auxiliar para que a historiografia e os estudos produzidos a partir de então possam resgatar experiências até então desconsideradas sobre tudo que aconteceu nesse processo da colonização brasileira.
Apesar das investigações, não há consenso sobre o que foi esse período – apesar do que pode parecer em alguns quadros. “A história é feita de visões múltiplas, existem várias abordagens e vários pontos de vista sobre o mesmo fato e o mesmo fenômeno. Mas existem dois pontos bem consolidados: o primeiro é o fato de que a viagem de Cabral em 1500 tinha dois objetivos. O primeiro era consolidar uma nova rota para as Índias, porque o que mais importava nessa época era acessar o comércio de especiarias; o segundo era firmar a posse de uma nova terra que os portugueses já sabiam que existia devido ao Tratado de Tordesilhas. Porque havia outras monarquias também querendo a posse desse novo mundo”, explica a pesquisadora.
Mudanças no ensino do ‘descobrimento do Brasil’
Diante dos novos estudos, estão surgindo novas formas de ensinar esse período. Também por isso é que, de uma geração para outra, a visão do que foi o período possa variar bastante, comenta Ana Paula. “A gente ainda encontra essas visões mais tradicionais e clássicas arraigadas nas escolas e nos livros didáticos. Isso é difícil de passar. Uma explicação para a permanência dessa visão ou para o impacto forte que ela teve e ainda tem nesses lugares, em alguns momentos, é o fato de essa visão romantizada ter surgido em um momento de formação do nacionalismo moderno”, explica. Até aquele momento, explica a pesquisadora, o fato do “descobrimento” em si não era nem discutido. “É um momento da gente construir essa história nacional, criar uma memória, um Estado sob a agenda da monarquia brasileira. Muito do que se vai construir para poder criar essa história, essa identidade, essa memória, está ligado à chegada dos portugueses, ao descobrimento de um povo”, diz.
No entanto, com o passar dos anos, historiadores passaram a trazer perspectivas marxistas para o tema e também inserir abordagens sobre a exploração que acontecia no país. Como ela explica, no entanto, são estudos que continuam sendo realizados. Apesar das mudanças no ensino estarem ocorrendo e nem sempre de forma igual em todas as escolas e regiões, essa visões tradicionais e clássicas podem trazer uma compreensão mais fácil do nosso passado e das nossas raízes, inclusive ocultando partes importantes. “Na minha opinião, acabam tirando esse aspecto transformador, subjetivo do que a História pode nos ensinar”, diz.
Destaque para outras narrativas
Uma das transformações mais significativas na forma pela qual essa história passou a ser olhada e aprendida é a partir do foco “no que aconteceu depois da chegada dos portugueses, com o processo de invasão, colonização e dominação que foi efetivado”. Para ela, a tendência predominante, no momento, é de não se olhar “apenas para a visão do dominador, mas daqueles que estavam aqui, os povos originários, e sem contar os africanos, que foram trazidos para cá posteriormente para fomentar essa colonização”.
Essa mudança traz um processo histórico significativo, e que também acontece em outros países: “Durante muito tempo, perdurou a versão oficial da História, que traz à tona apenas o descobrimento, a salvação, um destino manifesto e um acontecimento necessário para que a nação brasileira fosse desenvolvida. Hoje, porém, nos estudos, essa versão oficial tende a ser desconstruída ao focar no outro lado, no lado dos vencidos, dos de baixo. Chamar a atenção para o fato de que esses outros olhares precisam ser levados em consideração”.