O uso de medicamentos injetáveis para emagrecimento vem crescendo, principalmente no que se refere aos remédios para tratamento da obesidade e diabetes tipo 2, como Ozempic, Mounjaro e Wegovy. De acordo com a plataforma Consulta Remédios, as buscas pelo remédio aumentaram 91% no primeiro semestre de 2023. Com mais da metade da população brasileira (55,4%) com sobrepeso e quase 20% com obesidade, segundo a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), os especialistas aprovam as novas opções de tratamento, mas destacam que o uso só deve ser feito sob indicação médica. No entanto, muitas vezes esses medicamentos são vendidos sem receitas nas farmácias e para fins estéticos.
O Ozempic (Semaglutida) consiste em uma caneta de injeção semanal de um medicamento da classe análoga do receptor de GLP-1, um hormônio liberado pelo intestino após uma refeição farta. A dose libera uma substância que, além de estimular a produção de insulina e diminuir os níveis de glicose no sangue, promove a saciedade ao inibir o apetite no sistema nervoso central. Por isso, quem usa o remédio sente menos fome, come menos e, portanto, emagrece. Já o Mounjaro (Tirzepatida) é também uma medicação dessa classe, mas que combina duas moléculas (GLP-1 E GIP) que fazem o retardo do esvaziamento gástrico de modo mais eficaz que uma molécula sozinha. No ano passado foi aprovado o Wegovy no Brasil para tratar sobrepeso (em caso de comorbidades) e obesidade, que é uma dose maior de semaglutida de 2.4 mg/semana.
Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter aprovado o uso destes medicamentos para o tratamento de diabetes e obesidade, é comum o chamado uso “off-label”, ou fora das recomendações da bula, para combater o excesso de peso, com finalidades estéticas. A professora e endocrinologista do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/Ebserh) Christianne Leal alerta para os riscos da utilização destas medicações sem orientação médica e sem cumprir as suas etapas de dose escalonada. “Existem efeitos colaterais graves como náuseas, vômitos, diarreia ou constipação intestinal. Além disso, a contraindicação relativa é paciente que já teve pancreatite”, informa.
Cabeça de Ozempic
Recentemente, viralizaram nas redes sociais piadas sobre a “cabeça de Ozempic”, uma vez que uma das possíveis consequências observadas do uso dessas medicações é a desproporcionalidade entre rosto e corpo. A nutricionista do HU Isabela Ferreira da Silva explica que isso ocorre devido à perda de gordura e massa muscular na região facial resultante do rápido emagrecimento. “Esse processo culmina em flacidez, pois a redução de peso acelerada pode resultar em perda de colágeno e elastina (proteínas que fornecem sustentação, firmeza e elasticidade à pele).”
A princípio, os medicamentos são indicados apenas para tratar diabetes, mas eles também passam por estudos que os avaliam como uma possível terapia contra obesidade, apneia do sono, esteatose hepática, doença renal crônica e insuficiência cardíaca. O seu uso estético ainda não foi avaliado, porém a médica Christianne Leal relata que a pessoa que toma a injeção sem necessidade terá uma perda mínima, de poucos quilos, e sofrerá com os efeitos colaterais — ainda mais se o uso é feito por conta própria, sem a orientação do médico, que busca justamente aumentar a dosagem aos poucos para observar as reações e lidar com possíveis incômodos.
Mudanças de hábitos precisam acompanhar o emagrecimento
O uso desses medicamentos deve vir acompanhado de uma mudança de hábitos, como dieta nutritiva e atividades físicas, afirma a nutricionista Cláudia Assis Costa. “No que diz respeito a essa classe de medicações, os estudos mostram um sucesso de resultado com perda de peso próximo a 20% do peso corporal inicial entre o terceiro e o sexto mês. Contudo, se não houver mudança de hábitos alimentares e estilo de vida, ocorre reganho de pelo menos 12% do que foi eliminado”, salienta.
Quando as pessoas param de tomar o medicamento, a sensação de saciedade começa a desaparecer e as pessoas começam a sentir fome nos níveis anteriores, além de haver diminuição da taxa metabólica basal, que são fatores que contribuem para o reganho. Segundo a nutricionista Isabela Ferreira, outro efeito prejudicial diz respeito à composição corporal. Ela contou que o “efeito sanfona” piora a distribuição de gordura corporal, podendo aumentar o risco de desenvolvimento de doenças como o diabetes.
Reganho de peso
Um ano após interromper o tratamento com os medicamentos de nova geração para perda de peso, cerca de um a cada cinco pessoas recuperam 100% dos quilos perdidos. É o que revela um novo levantamento conduzido por pesquisadores da Epic Research, nos Estados Unidos, com base nos dados clínicos de quase 40 mil americanos disponíveis na base Epic Cosmos. Entretanto, a pesquisa ainda destacou que cerca de 35% continuaram a emagrecer mesmo sem o medicamento.
A endocrinologista Christianne Leal falou sobre a importância de manter o medicamento para manter a perda de peso. “Existe uma fase ativa da perda de peso, depois é comum um reganho, contudo, mantendo o medicamento, este reganho é menor. Devemos sempre pensar na obesidade como doença crônica. Se o paciente deixar os hábitos saudáveis, aumentar a ingestão calórica e não se exercitar, o peso tende a aumentar novamente.” Para ela, entender a obesidade como uma doença crônica e multifatorial envolve genética, mas também fatores ambientais como sedentarismo, etilismo, aumento do peso, estresse. Por isso, o médico e o nutricionista devem traçar metas factíveis com seu paciente e tentar atingir estas para posteriormente pensar nas estratégias de manutenção do peso perdido.
Longo prazo
Para as nutricionistas, a perda de peso deve ser saudável e pensada a longo prazo, pois demanda a construção de um novo estilo de vida. Viver tentando emagrecer pode trazer impactos nocivos para a saúde, prejuízos emocionais e levar ao aumento do risco de desenvolver compulsões e outros distúrbios alimentares. Isabela ainda destaca que o acompanhamento nutricional é fundamental para o processo, visto que o nutricionista conduzirá um processo de educação alimentar junto ao paciente para gerar empoderamento no que diz respeito aos seus hábitos com a comida.
Tratamento para obesidade com medicamentos
Entretanto, como nenhum desses medicamentos está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), os pacientes precisam pagar por conta própria pelo tratamento. Apesar da medicina estar avançando no tratamento contra a obesidade, essas opções farmacêuticas precisam ser tomadas de forma contínua e têm um preço elevado, o que as torna inacessíveis para boa parte da população brasileira e revela uma desigualdade para os tratamentos.
A quantidade necessária de Ozempic para passar um mês é vendida nas farmácias brasileiras por cerca de R$ 1 mil. Já Wegovy, a versão da semaglutida específica para tratar a obesidade, ainda não chegou às drogarias do país, mas os valores definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) indicam que ele custará entre R$ 1.220 e R$ 2.383, a depender da dosagem.
Além disso, de acordo com o Atlas da Obesidade 2024, a obesidade já atinge um em cada quatro brasileiros, com a tendência de que esses números continuarão a subir pelos próximos anos, especialmente entre os mais pobres. Isso acontece porque a dieta baseada em alimentos in natura e minimamente processados, passou a custar mais caro que a comida ultraprocessada e não saudável.