Com 4,32 milhões de inscrições e 73,5% de presença, o Enem 2024 apresentou um aumento significativo no total de candidatos em relação a 2023, que contabilizou 3,93 milhões de inscritos. Apesar do alto número de participantes, apenas 12 pessoas alcançaram a nota mil na prova de redação, 80% a menos em relação aos dados do ano anterior. Os resultados foram divulgados na segunda-feira (13), e a quantidade de estudantes que obtiveram a nota máxima é a menor registrada em dez anos. A partir desses dados, a Tribuna ouviu especialistas que analisaram o cenário e apontaram as variáveis que podem ter impactado o resultado. Para os professores, o menor número de notas máxima teriam relação com os novos critérios de correção.
“O número de redações nota mil no Enem sempre foi algo que me incomodou. Afinal, em um universo de 3 milhões de alunos, não me parece fazer muito sentido que 60, 20, 12 apenas alcancem a nota máxima.” A afirmação é do professor de redação do curso Aporia, Waldyr Imbroisi, que atua há mais de dez anos na preparação dos alunos que vão prestar esse e outros vestibulares.
Para ele, a raiz da rigidez na correção em relação à nota mil está em 2014, quando o Ministério da Educação (MEC) anunciou mudanças no Enem para lidar com as críticas a respeito de textos de má qualidade com notas razoáveis, como os casos em que alunos redigiram a receita de miojo e o hino do Palmeiras, obtendo notas acima de 500.
“O MEC anunciou que as redações nota mil seriam apreciadas por uma banca que averiguaria se a nota estaria correta”, explica Waldyr. Até o ano passado, tal norma não era de fato implementada, porém, em 2024, os corretores tiveram que encaminhar a redação antes de finalizar a correção para os supervisores avaliarem se aquele texto merecia a nota máxima. “No fim das contas, os corretores infelizmente acabam ficando temerosos de atribuir a nota mil, pois sentem que serão avaliados em seu trabalho com a revisão da banca.”
Ao conversar com outros colegas de profissão, o professor notou uma quantidade expressiva de redações que receberam penalidades indevidas de 20 ou 40 pontos em critérios como norma culta, por exemplo. “Se a organização dos argumentos pode ser discutível, um texto com até dois erros (parâmetro estabelecido pelo exame) deve necessariamente receber a nota máxima, já que se trata de um critério objetivo. Trata-se de um erro, que me parece motivado pela insegurança dos corretores.” O professor aponta que o maior número de corretores novatos, o excesso de trabalho e as novas diretrizes para correção que possuem algum grau de subjetividade podem ter colaborado para que as correções fossem não mais “rígidas”, mas sim de menor qualidade.
Correção mais ‘criteriosa’
Já o professor de redação do Colégio Apogeu, Wesley Pontes, acredita que a correção foi mais rígida apenas no critério de análise do repertório sociocultural, incluído na competência 2, que avalia se o candidato atendeu ao recorte temático e produziu um texto dissertativo-argumentativo, além da bagagem cultural apresentada. Wesley comenta que alguns repertórios considerados como “coringas”, ou seja, que dão a impressão de que podem ser aplicados em qualquer tipo de texto, modelo muito ensinado na Internet, foram mais fiscalizados na correção de 2024. “O Enem decidiu fazer uma correção mais criteriosa em relação a esse tópico, o que significa que os candidatos que utilizaram esses repertórios mais genéricos não ganharam a nota máxima na competência 2.”
Waldyr complementa a fala de Wesley dizendo que o problema das citações genéricas, como parágrafos prontos com “anomia de Durkheim”, “Sísifo subindo o monte”, “a modernidade líquida de Bauman”, não terem um critério para penalizar as inserções correlacionadas com o contexto dificultava a avaliação, no entanto, os novos critérios podem ter gerado outras questões.
“Entendo que houve diversos problemas nessa correção. Acredito que muitos alunos que usaram os pensadores “coringa” de maneira produtiva (ou seja, empregaram Durkheim, Bauman e outros com conhecimento de sua teoria e a devida articulação com a discussão) podem ter sido penalizados injustamente. Então, pode ter acontecido uma espécie de efeito colateral dessa medida que é, em si, importante.”
Além da questão da correção, Wesley também aponta como fator motivacional da diminuição de notas máximas a redução da prática de leitura entre os jovens e os resquícios da pandemia, já que muitos dos alunos que prestaram vestibular em 2024 vieram de um período pós-pandemia, onde algumas escolas não tiveram aula ou não conseguiram acompanhar as aulas remotas, o que afetou a educação do país.
Tema
Por outro lado, os dois professores concordam que a escolha do tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” foi bem recebida pelos alunos. A prova disso para os especialistas é o aumento da média de redação, conforme divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que passou de 645 em 2023 para 660 em 2024.
A escolha do tema foi excelente, com um recorte muito bem feito e absolutamente compatível com as expectativas dos professores e alunos. Não acho que o tema tenha relação causal com as notas baixas, diz Waldyr.
Para os alunos, o nível do tema não foi difícil, pelo contrário, o termômetro que eu tive dos candidatos, tanto dos meus alunos quanto dos comentários que eu vi na internet, é de que foi um tema bem acessível. Então, eu acho que o tema não foi o responsável por essa diminuição de notas mil ou algo do tipo, afirma Wesley.
A Tribuna entrou em contato com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e questionou sobre o posicionamento do órgão em relação à baixa de notas máxima na redação deste ano. O Inep, entretanto, informou que o balanço com os resultados do Enem 2024 foi divulgado, na segunda-feira (13), em coletiva de imprensa com o ministro da Educação, Camilo Santa, e o presidente do Instituto Manuel Palacios.
Segundo o órgão, na ocasião, o assunto foi um dos temas tradados. A Tribuna teve acesso à transmissão e verificou que não houve posicionamento do órgão sobre a questão específica da redução do número de redação notas mil. Também não foi abordado o método de correção das provas na coletiva.
Minas se destaca como o estado com maior pontuação
Apesar da redução de notas máxima, milhares de alunos garantiram altas pontuações na redação. Minas Gerais foi o estado que registrou o maior número de notas altas na redação. Conforme o Ministro da Educação, 4.397 estudantes obtiveram notas entre 950 e mil em Minas. É do estado, também, duas das 12 notas máximas, sendo que uma delas foi a única da rede pública.
Além de Minas, São Paulo (3.692), Rio de Janeiro (2.728), Ceará (2.398) e Bahia (2.099) se destacara como os estados do país com maior número de redações com notas entre 950 e mil.
Esses estados estão entre os mais populosos do país e, consequentemente, há mais alunos prestando a prova – a exceção é o Ceará, que tradicionalmente coleciona bons desempenhos nos vestibulares. Vale ressaltar que essa classificação não leva em conta a proporção de notas por candidatos que prestaram a prova no Estado.
Já os estados que tiveram redações com nota mil são: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo – cada um deles com apenas uma nota mil, exceto Minas Gerais e Rio de Janeiro, que tiveram dois candidatos gabaritando a redação.