Após semanas sofrendo pressão de fora e de dentro do próprio governo, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou nesta segunda-feira (8), ao lado do presidente Lula, novas ações da pasta para tentar reduzir o tempo de espera por exames e consultas especializadas, um dos grandes gargalos do Sistema Único de Saúde (SUS) e um dos pontos mais destacados por Lula na campanha presidencial.
Como mostrou o Estadão, um programa para redução de filas de exames e consultas de especialidades no SUS havia sido prometido para o segundo semestre do ano passado, mas seu lançamento sofreu atraso. A expectativa era de fosse anunciada a segunda etapa do Programa Nacional de Redução de Filas (PNRF), lançado no começo de 2023 com foco inicial nas filas de cirurgias eletivas.
Depois de levar uma “bronca” do presidente na reunião ministerial de março e ser criticada por não dar a devida publicidade para os programas e entregas da pasta, Nísia teria sido pressionada por Lula, segundo fontes do governo, para acelerar o anúncio da ação focada na redução da espera por exames e consultas.
No evento desta segunda, Nísia apresentou o programa Mais Acesso a Especialistas, mas em formato diferente do que foi adotado no PNRF para cirurgias. Como parte da nova ação, a ministra prometeu atendimentos online no SUS com médicos especialistas, ampliação do horário de atendimento das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) até as 22h e repasses extras para contratação de espaços na agenda de unidades privadas para a realização de procedimentos para pacientes do SUS.
De acordo com Nísia, o fluxo será “focado na necessidade do paciente e não nos procedimentos”, com o objetivo de “redução do tempo de espera e do número de lugares que o paciente tem que ir”.
“Hoje, a pessoa vai a uma UBS, tem uma indicação para procurar um especialista, essa consulta é agendada num tempo longuíssimo, às vezes quatro meses ou mais; os exames não são feitos em sintonia, são feitos com atraso. O sistema é focado em procedimentos, não tem integração com o programa Saúda da Família. É isso que nós vamos mudar”, disse a ministra.
Segundo o ministério, os recursos federais do programa só serão repassados aos gestores locais (secretários da Saúde) caso os serviços contratados “realizem as consultas e exames necessários para um paciente num tempo máximo determinado”. É como se as unidades de saúde passassem a ter que oferecer um “pacote de cuidado” em vez de apenas um exame ou consulta. Esse “pacote” foi chamado de Ofertas de Cuidado Integrado (OCI).
O ministério explica que cada OCI é um conjunto de procedimentos necessários na linha de cuidado para uma doença. No caso de um diagnóstico de câncer de mama, por exemplo, esse conjunto incluiria uma consulta com um mastologista, exames como mamografia e biópsia, retorno com o especialista e assim por diante.
Os prestadores de saúde privados poderão aderir a editais abertos por Estados e municípios e terão uma remuneração melhor se, além de ofertarem os procedimentos previstos nas OCIs, adotarem “uma nova postura na jornada do paciente, com base na humanização, coordenação do cuidado, resolutividade e integração com a atenção primária”.
No anúncio do programa, no entanto, faltaram alguns detalhamentos. A ministra não informou, por exemplo, como esse novo fluxo de atendimento será implantado e qual é a meta de redução do tempo de espera para exames e consultas nem o número de procedimentos extras (ou de pacientes cuidados) que o ministério pretende alcançar com o Mais Acesso a Especialistas.
Também não foi detalhado quantas UBSs terão o horário estendido, em que situações serão ofertadas consultas online com especialistas nem o valor total que será investido no programa. Não ficou claro ainda quais serão os indicadores usados para medir a qualidade do atendimento e os bons resultados nos casos das OCIs.
O novo programa busca substituir o modelo de pagamento por procedimento (também conhecido como fee for service) pelo chamado pagamento por desfecho ou resultado (ou fee for performance). Este último é defendido por especialistas tanto para a saúde pública quanto privada, mas sua implantação não decolou por fatores como a falta de integração das unidades de saúde e dificuldade de medir esses desfechos/resultados.
Modelo para reduzir tempo de espera tem início previsto para 1º de julho
De acordo com a ministra, os gestores locais terão até o dia 16 para aderir à ação e, para os que aderirem, será necessário enviar um plano de ação regional até o dia 20 deste mês.
Na etapa seguinte, com início previsto em 1º de junho, serão firmadas as parcerias (contratualização) com prestadores de saúde da rede privada para tentar ampliar a oferta de procedimentos. O novo modelo de atendimento passaria a funcionar, de fato, em 1º de julho.
Para o início do programa, em julho, o ministério disse que irá priorizar as OCIs focadas nos principais tipos de câncer (colo de útero, mama, próstata, colorretal, gastresofágico) e em atendimentos das especialidades de cardiologia, otorrinolaringologia e oftalmologia. “Gradativamente, serão elaboradas e disponibilizadas novas OCI”, disse a pasta.
“Hoje, o setor privado responde por 65% dos exames e consultas realizados pelo SUS. Onde for possível, (vamos) utilizar capacidades ociosas para fazer valer esse programa e, ao mesmo tempo, o fortalecimento dos serviços da rede pública”, disse Nísia, citando investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que serão usados para a construção de 1,8 mil UBSs e 90 policlínicas.
Em material divulgado pela assessoria do ministério após o evento, a pasta afirma que o programa “passa a ofertar outras possibilidades de encaminhamento, reduzindo o tempo de espera, buscando o paciente quando for necessário que ele se trate sem demora e, quando possível, garantindo atendimento na Atenção Primária por telessaúde”.
A pasta disse que repassará R$ 460 milhões a Estados e municípios para “apoiar a elaboração e implementação dos planos de ação para a transformação digital”. Com isso, diz o ministério, especialistas como cardiologistas e oftalmologistas farão atendimentos online e análise de diagnósticos de médicos que atuam nas UBSs. O ministério também promete criar, por ano, até 2026, 2.360 equipes de Saúde da Família.
A ministra também afirmou que, como continuação da ação para reduzir filas de cirurgias eletivas, o governo tem a meta de realizar um milhão de operações pelo programa por ano até 2026. Como mostrou o Estadão, no primeiro ano de vigência do PNRF, a pasta financiou 650 mil cirurgias, o equivalente a 65% dos cerca de um milhão de procedimentos informados como prioritários pelos Estados.
Em alguns casos, como a cirurgia de quadril, evidenciada por Lula em um vídeo em março, a pasta atendeu o pedido de recurso extra para apenas um de cada cinco pacientes nas filas prioritárias dos Estados.
Ao lado de Lula, Nísia faz propaganda das ações da pasta
Além do anúncio das novas ações, Nísia aproveitou boa parte do evento desta segunda para fazer propaganda das ações de sua gestão, conduta cobrada pelo próprio presidente. Na apresentação, Nísia destacou, entre outros pontos, o aumento do número de profissionais do programa Mais Médicos, a retomada e ampliação do programa Farmácia Popular e os investimentos do PAC na área da saúde.
Ao final do evento, Lula elogiou a ministra e fez um mea culpa de seu comportamento com Nísia na reunião ministerial de março, quando teria sido duro com a ministra e feito com que ela chorasse e deixasse a sala amparada pela primeira-dama, Janja da Silva, e outras colegas mulheres.
“Outro dia, numa reunião dos ministérios, eu disse para a Nísia que ela tinha que falar grosso na questão da Saúde. E a Nísia respondeu pra mim o seguinte: presidente, eu não posso falar grosso porque eu sou mulher, eu falo manso. […] Eu acho que a Nísia, falando manso do jeito que ela falou, alguém pode até não gostar de você, mas eu duvido que tenha alguém que não acredite em cada palavra que você fala”, disse, dirigindo-se a ministra.
“O seu jeito delicado de falar, sem rompante, sem tentar passar entusiasmo além do que é necessário, você consegue falar com a alma e a consciência das pessoas”, completou o presidente.
Em seguida, no entanto, Lula reafirmou a cobrança, ainda que de forma implícita, de que a ministra deve buscar uma melhor comunicação com a população. “A questão da saúde no Brasil precisa, sempre que possível, a ministra da saúde se dirigir ao povo brasileiro, e hoje nós temos mecanismos para isso, porque, muitas vezes, o povo precisa de orientação.”
Lula disse ainda que não falaria muito no evento desta segunda porque, “se falasse alguma bobagem, a bobagem viraria manchete” e ofuscaria a apresentação da ministra, que ele classificou como “extraordinária”. Durante o evento, Lula tomou a vacina contra a gripe e voltou a criticar o governo do seu antecessor, Jair Bolsonaro, por sua postura antivacina.
Em entrevista coletiva dada a jornalistas após o evento, Nísia defendeu sua gestão quando questionada sobre ações de combate à epidemia de dengue, dizendo que o ministério vem, desde o ano passado, trabalhando com Estados e municípios na prevenção. Ela voltou a responsabilizar fatores ambientais, como as mudanças climáticas, pela alta de casos registrada neste ano.
Sobre a crise dos hospitais federais do Rio, a ministra afirmou que o governo federal descartou declarar estado de calamidade relacionada à situação das unidades. Sem dar maiores detalhes, disse que ações emergenciais estão sendo tomadas para garantir o atendimento principalmente dos pacientes que estão há muito tempo nas filas de espera das unidades.