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Entenda o PL das Fake News e o movimento das big techs contrário à proposta

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O Projeto de Lei (PL) das Fake News, previsto para ser votado nesta terça-feira (2) no Plenário da Câmara dos Deputados, tem gerado discussões polêmicas. Desde 2020, a proposta de regulamentação das plataformas digitais no Brasil está tramitando no Congresso, mas o tema ganhou destaque e chamou a atenção de diferentes grupos após os atos golpistas de 8 de janeiro e a onda de ameaças de ataques nas escolas do país. No último fim de semana passada e no início desta, o Google começou a usar suas plataformas, como o mecanismo de busca e o YouTube, para divulgar opiniões contrárias ao documento.

O projeto de lei n° 2630 pretende criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, com o objetivo de estabelecer normas relacionadas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do Poder Público. A proposta tem como foco responsabilizar os provedores dos conteúdos pelo combate à desinformação.

O texto inicial do projeto foi aprovado pelo Senado e passou para tramitação na Câmara. Caso aprovado voltará para análise dos senadores. Porém, nas últimas semanas, o documento tem sido alvo de críticas. O professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Afonso Albuquerque ressalta a necessidade de regulamentação das mídias sociais, mas acredita que, em um primeiro momento, o PL não irá causar um grande impacto na comunicação digital em razão da mistura de temáticas muito diferentes.

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Advogado e professor de direito da UFJF, Bruno Stigert lembra que o PL 2630 vem sendo debatido há praticamente quatro anos, quando foram instauradas as primeiras audiências públicas. “Portanto, o argumento da falta de debate em torno do PL não merece maior atenção, sendo apenas retórica política (algo comum) para testar forças, tendo em vista que cumpriu bem seu papel ao ouvir a sociedade civil, especialistas, passou pelo Senado e agora chega à Câmara com verniz democrático necessário para aprovação ou não.”

Afonso observa o PL das Fake News como um ponto de partida para um debate mais amadurecido que acontecerá depois. “Acredito que todo esse debate é muito complexo para ser resolvido sem a devida discussão, e a Universidade Federal tem um papel muito grande para desempenhar dentro desse processo.” Para Bruno Stigert, “é um avanço no combate ao uso nocivo das plataformas digitais e tem como consequência incontornável a restrição no exercício de alguns direitos, algo comum nas democracias constitucionais”.

Big techs lançam investida contra PL das Fake News

A alteração do texto propõe que grandes empresas de tecnologia sejam responsáveis pela remuneração dos autores de conteúdos jornalísticos e artísticos que circulam nas suas plataformas. Atualmente, o Marco Civil da Internet não responsabiliza as big techs pelo conteúdo postado por terceiros nas plataformas. As empresas são obrigadas a excluir conteúdos no Brasil apenas quando há decisão judicial.

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A proposta tem sido criticada por algumas big techs. Nesta segunda-feira (1º), o Google usou sua plataforma para manifestar opiniões contrárias ao PL das Fake News. Embaixo da ferramenta de busca, é possível encontrar um link com o escrito: “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”, que direciona o usuário para uma publicação no blog do Google com críticas ao projeto. Além disso, o YouTube tem enviado aos youtubers e-mails afirmando que os colaboradores vão perder dinheiro caso o projeto seja aprovado e incentiva os youtubers a falarem com os deputados.

O Ministério Público Federal questionou o Google a respeito de informações sobre suposto favorecimento de resultados contrários ao projeto de lei. O MPF argumentou que, de acordo com um estudo feito pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Google, que é utilizado em 97% das buscas feitas por brasileiros, estaria enviesando os resultados das pesquisas para favorecer links contrários ao PL 2630/20.

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Interferência no debate

Questionado pelo jornal “Folha de São Paulo” a respeito do suposto uso de anúncios e destaques a links com conteúdos de oposição ao PL, o Google disse que “seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra” e negou estar privilegiando postagens do tipo.

Afonso analisa a ação dessas plataformas como um claro exemplo de interferência no debate nacional, que envolve questões como dificuldades de acesso a material e propaganda enganosa. “É um exemplo de plataforma exuberando de maneira perigosa ou lesiva ao interesse nacional dado pelas próprias plataformas. Ninguém levantou essa questão de forma tão clara quanto elas próprias.”

Para o pesquisador, o impacto das ações recentes dessas plataformas oferece evidências que serão sentidas a longo prazo e mudarão os termos do debate. “Até pouco tempo atrás, as pessoas lidavam com as plataformas como se elas fossem o oxigênio, ou seja, uma coisa neutra que nos cerca e que permite às pessoas agirem livremente. Nunca se discutiu o papel das plataformas como mediador ativo no processo de debate público, e agora a ação do Google escancara isso. Se o Google e outras plataformas podem interferir em debate nacional sob seu interesse, ele pode interferir em qualquer debate nacional, pode ditar os debates e atuar como agente que decide quem tem voz”, argumenta Afonso.

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O professor Bruno Stigert considera que nenhum direito fundamental é absoluto e, logo, pode sofrer restrições impostas por lei ou quando colidir com outro direito fundamental. “Alguém discorda que uma publicação em rede social que defenda o racismo ou ataques em escolas está fora do âmbito de proteção do direito fundamental à liberdade de expressão? A liberdade de expressão irrestrita só é comum em ditaduras e são trunfos apenas dos agentes do Estado”, argumenta. E completa: “O mundo virtual é extensão do mundo real e, portanto, dotado de regras éticas, morais e legais. A liberdade de expressão não pode ser confundida com a liberdade de ofender, incitar o ódio ou propagar mentiras com a nítida intenção de causar danos a terceiros ou à Instituições democráticas. A liberdade de expressão é preferencial, mas não absoluta e enquanto valor instrumental é o pulmão da democracia não podendo ser usada para corroê-la.

Governo aplica multa de R$ 1 milhão por hora ao Google

Na tarde desta terça-feira, o Ministério da Justiça e Segurança Pública entrou com uma medida cautelar contra o Google para coibir suposta prática abusiva contra o PL 2630. O Governo afirmou que a empresa fez publicidade enganosa a respeito do PL e, caso as medidas solicitadas não sejam cumpridas em 2 horas, a empresa será multada no valor de R$ 1 milhão por hora de descumprimento a partir do comunidado.

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