Entre a fé e o carnaval, fiquei com os dois
Lucimar Brasil, repórter e editora da Tribuna entre 1991 e 2003
Do sagrado ao profano.
Foi assim que minha história de amor ao jornalismo, vivida por 12 anos na Tribuna de Minas, começou e terminou, literalmente. Não tinha nem um mês de formada quando o editor geral do jornal à época, Renato Henrique Dias, meu amigo, quase irmão, mestre e vizinho, me fez o convite para cobrir férias na Redação. E lá estava a foquinha, em seu primeiro dia de ofício, no Santuário de Santa Luzia, no dia 13 de dezembro de 1991, sentindo na pele a devoção de centenas de fiéis que se acotovelavam contritos e emocionados por graças recebidas pelo intermédio da santa, que dá nome a um dos bairros mais populosos e tradicionais da cidade.
Se a fé me deu os primeiros acordes da devoção com que sempre encarei minha profissão, foi o samba, mais precisamente o carnaval, considerado minha Semana Santa, que embalou meus últimos dias como repórter e, às vezes, editora, do lugar onde era feliz e sabia muito bem. Quando chegou a notícia de que o Dr. Juracy Neves estava cotado para ser o enredo da Unidos do Ladeira para o desfile das escolas de samba, em 2003, a Redação entrou em polvorosa. Talvez eu tenha vibrado um pouco mais, confesso. Afinal, nem todo mundo era assim tão fã da Folia de Momo.
Por isso, me lembro bem daquela manhã de dezembro de 2002, quando a então editora de Cultura, minha amiga Kátia Dias, confirmou em alto e bom som, para todos que trabalhavam naquele momento, que sim: Dr. Juracy seria o grande homenageado da escola. Imediatamente, uma pequena aglomeração, de aproximadamente dez pessoas, se formou em torno dela. E, assim, começamos a imaginar quem dos nossos colegas de profissão ocuparia as alas da Unidos do Ladeira. Claro, na comissão de frente, as beldades da Redação. E eram muitas. Na ala da Velha Guarda, estariam Paulo Cesar Magella, Ronaldo Dutra Pereira e Renato Dias. Na de passistas, eu e Beth Talha éramos figurinhas tarimbadas.
Foi assim, entre tantos risos, que alguém reclamou: “está faltando o samba-enredo”. Prontamente, me dispus a solucionar o problema. Me meti no aquário onde ficavam os computadores para compor o “Melô do Juracy”. Minutos depois, já distribuía a letra e ensinava o grupo todo a cantar. Estávamos assim, na maior alegria e diversão, quando o Professor Cruz (como chamávamos o diretor superintendente, Afonso Cruz) atravessou a Redação e quis saber do furdunço. Eu me encolhi, mas a Kátia Dias me entregou solenemente. “A Lu fez um samba para o Dr. Juracy”.
Pronto. Lá estava eu na sala do homenageado, cantando para ele e o professor o meu sambinha. Dias depois, o ato se repetiu, mas agora o público incluía alguns diretores da Unidos do Ladeira que, imediatamente, se prontificaram a indicar um dos componentes da ala de compositores para dar um upgrade nos meus rabiscos. Sim. Meu samba muito melhorado pela generosidade do Átila (que me falha a memória o sobrenome) foi inscrito para a disputa do “hino” que embalaria a escola na Avenida Rio Branco.
No dia da escolha do samba-enredo, lá estava eu e toda a família Neves na expectativa na quadra da escola. Foi por pouco. Átila e eu ficamos em segundo lugar. Foi uma emoção indescritível, só menor mesmo que a alegria que se apoderou de mim quando fui presenteada pelo Marcos Neves com uma fantasia da “Ala Rei Midas”, onde desfilariam a família e os amigos. É que, nesta época, eu havia me desligado do jornal, em busca de novos horizontes, e não esperava mesmo pelo gesto de carinho.
Logo, assim, de uma brincadeira na Redação. Logo eu, tão apaixonada por carnaval e pela minha profissão, uni as duas coisas, para brincar de deusa, na passarela sagrada do samba que, extraordinariamente, pisava pela primeira vez.