O dia em que a Tribuna quase acabou antes de começar
Ronaldo Dutra, editor na Tribuna entre 1981 e 2008
Trabalhei durante oito anos nos Diários Associados. Quando os boatos de que o grupo acabaria foram crescendo, o Juracy Neves já estava montando a Tribuna no auditório da Academia de Comércio. Eu tinha 36 anos e três filhos, fui até a Academia pedir emprego no dia 6 de julho de 1981. Ainda não existia jornal, mas o diretor-superintendente Afonso Riberio da Cruz, que tinha sido meu professor na Universidade, me contratou. Teoricamente, sou o primeiro funcionário da Tribuna. Eu era editor do noticiário político nacional e do noticiário internacional.
No dia 31 de agosto de 1981, quando estava sendo preparada a primeira edição da Tribuna, o editor-geral Eloísio Furtado de Mendonça chamou o fotógrafo Humberto Nicoline e lhe mandou ir para a Praça do Central, porque havia um grupo teatral amador encenando uma peça contra ditaduras. Não era especificamente contra a Ditadura Militar brasileira, mas contra qualquer regime de força.
Chegando lá, a Polícia Federal já tentava coibir o espetáculo, que estava sendo ao ar livre. O Humberto tinha comprado uma máquina fotográfica de último tipo para trabalhar. A Polícia Federal arrancou a máquina da mão do Humberto porque ele teimou em fotografar depois de os policiais terem proibido. Por volta das 14h, o Humberto voltou à Redação desesperado, porque era uma máquina caríssima. Então, o editor de polícia, Carlos Fedoceo Neto, que tinha algum trânsito junto à Polícia Federal, foi até a delegacia, onde passou todo o restante da tarde e parte da noite até conseguir liberar a máquina.
Mas surgiu uma segunda luta: a Polícia Federal liberou a máquina, mas proibiu a divulgação das fotos. O jornal circularia no dia seguinte. Seria a primeira edição. A redação estava parada por conta daquilo. A maioria das páginas já estava programada. Faltava apenas esta notícia, que seria a principal. Não seria a manchete, mas a principal. A rigor, a censura não existia mais oficialmente. Foi um ato arbitrário do comando da Polícia Federal de Juiz de Fora.
Eram tempos que não eram mais chamados de tempos bicudos. A “Ditadura de Chumbo” tinha teoricamente acabado. Porém, havia uma porção de remanescentes dela achando que poderiam interferir nos órgãos de comunicação. Anteriormente, eram tempos tão difíceis que até o noticiário esportivo era censurado de acordo com o teor do texto. Quando eu ainda trabalhava nos Diários Associados, aparecia um tenentezinho qualquer na Redação, achava que o texto estava pesado e mandava mudar.
Os tempos eram tão incertos que a tensão foi muito grande em toda a Redação da Tribuna. Mais de 40 jornalistas sem saber o que aconteceria. Não se sabia se haveria jornal ou não. Então, telefonamos para o Juracy, que foi até a Redação. Nós, editores, fizemos uma reunião com o Juracy até conseguirmos liberar as fotos para publicação entre 22h e 23h. Graças à interferência de alguns amigos do diretor da Polícia Federal de Juiz de Fora e ao prestígio do Juracy, foi conseguida a liberação da publicação. Foi uma confusão dos diabos. Se não fosse isso, a edição do dia 1º de setembro não teria saído, pelo menos não naquela data.
Fomos rodar o jornal lá pelas 3h. A edição saiu com todas as notícias que tinham sido programadas, inclusive com as fotografias até então censuradas. Começamos mesmo no dia 1º de setembro e as edições seguem até hoje. Mas a Tribuna foi seriamente ameaçada por um simples espetáculo cujo autor não era nem brasileiro.
A sorte dos jornalistas era principalmente a ação do Eloísio, do editor-executivo José Carlos de Lery Guimarães e do secretário de Redação Renato Henrique Dias. Eles mantinham reuniões diárias com o Juracy para discutir a edição seguinte para aparar as arestas de tal modo que não incomodassem os policiais federais da época. A Tribuna pôde circular novamente, mas sempre com o olhar desconfiado das autoridades policiais de então em Juiz de Fora.