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“Gente que fez a Tribuna”: os silêncios de Júlia Pessôa

Acho que agora vai!

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O maior legado dos meus dez anos de Tribuna de Minas, um quarto da vida do jornal, foram os silêncios. Durante algum tempo acreditei, completamente equivocada, que o jornalismo dava voz às pessoas, e que meu papel como operária deste ofício era garantir a polifonia destas vozes, sua diversidade e pluralidade. Não podia estar mais errada.

Quão pretensioso e colonialista é o pensamento de que alguém pode ser capaz de dar voz a alguém? As vozes, as mais variadas delas, existem, resistem, sem que seja necessária intervenção benfeitora de jornalista ou quem quer que seja para lhe parir. O que não existe, incontáveis vezes, é escuta. Escuta atenta, capaz de entender e repercutir vozes tais como são e gostariam de ser. E foi esse exercício minucioso que a Tribuna de Minas me proporcionou em meus dez anos de casa. Entre acertos e erros – parte inevitável do caminho – aprendi que no ofício da palavra ouvida, transcrita, redigida, digitada, solicitada… o valor do silêncio é imensurável.

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O silêncio que precede a escuta, acenando para a fonte sua posse da palavra. Aquele de microssegundos, que antecede a pergunta que dará a manchete. O silêncio empático diante de tragédias imensuráveis, quando não há léxico que possa acolher a dor de quem se ouve. O silêncio entre uma pauta e outra, um clique e outro, um café e outro, quando a escuta vai se vertendo em matéria jornalística pelos teclados ou antes ainda, só na nossa cabeça.

Entre muitos silêncios, lembro com carinho de alguns dos compartilhados. Muitos anos atrás, eu e Cerezo, repórter fotográfico, tínhamos que flagrar crianças pequenas andando em garupas de motocicletas, uma infração de trânsito. Foram meses em portas de escolas, em conversas sobre a redação, a vida, bobagens absolutas, risadas sem fim, e nada de criança em garupa. Papos sempre entremeados pelo silêncio esperançoso de que “Agora acho que vai”, só para nos frustrarmos e, mais uma vez, voltarmos para a redação sem o flagrante. Acabou que a matéria foi publicada sem foto, porque não dá pra dobrar a realidade, por mais que a gente queira.

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O que me moveu em todos os anos de Tribuna, pessoalmente me move até hoje e, no limite, talvez seja a força motriz do próprio jornalismo é esse espírito “Agora acho que vai”. Acreditar que “vai” e produzir neste horizonte é o que mantém as redações funcionando, a despeito do sucateamento da profissão, da batalha contra fake news, de linhas editoriais comercializáveis e de ataques institucionais – leia-se presidenciais – à liberdade e ao exercício da imprensa.

Como aconteceu com a foto que eu e Cerezo tanto perseguimos, a verdade é que nem sempre vai. Nem toda denúncia, por mais verdadeira que seja, é capaz de transformar a realidade; nem toda informação quente realmente é notícias; nem todas as provas mais contundentes são capazes de derrubar um governo comprovadamente corrupto e fiel somente a seus próprios bolsos e interesses. (Estou citando exemplos como ilustração, qualquer semelhança com o Brasil de 2021 será mera coincidência?).

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E depois de aprender a exercitar o silêncio, a gente aprende que é importante que ele nunca seja uma mordaça. E, por isso mesmo, continuamos insistindo em quebrá-lo, caminhando na direção da utopia do “Agora acho que vai”. E nesses meus dez anos dos 40 de Tribuna, tive a sorte e o privilégio de ver que muitas vezes, de fato, foi.

                                                                 Júlia Pessoa – Repórter da Tribuna entre 2010 e 2020

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