Uma redação de jornal é o mundo todo
Lilian Pace, repórter, editora de Cidade e chefe de reportagem entre 1997 e 2019
Jornalismo é jogo que se joga junto. E que melhor lugar para trocas do que uma redação de jornal? Para quem não teve oportunidade de ter essa maravilhosa experiência, eu conto: uma redação de jornal é o mundo todo. As TVs ligadas, as abas abertas no computador, um monte de gente indo e voltando da rua trazendo o que é, o que foi e o que será de uma cidade, fazendo jornalismo que, como dizia Anton Tchékhov lá no século dezenove, não prescinde de um bom par de sapatos e de um caderno de anotações. Com 22 anos nesta janela, a Tribuna era a minha casa, meu lugar.
Tendo trabalhado tantos anos coordenando equipes, como falar de algumas matérias, como lembrar apenas de alguns profissionais quando foram inúmeros talentos com os quais cruzei caminhos? Então, com a licença dos queridos que me convidaram para esse registro, escolhi falar de projetos e parcerias constantes. Para começar, tínhamos um diretor, Marcos Neves, entusiasta do jornalismo, preocupado com o aperfeiçoamento da equipe. Aulas de português uma vez por semana com a sensacional Cláudia Miranda e lições individuais de estilo diretamente no texto do repórter com a mestra Teresa Neves eram parte da rotina.
De volta do Master em Jornalismo para editores do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) / Universidade de Navarra (Espanha), a editora executiva daqueles tempos (anos 1990/2000), Denise Gonçalves, elaborou o projeto de transformação editorial pela qual a Tribuna passaria nos anos seguintes.
Tempos depois, foi minha vez de fazer o Master e, na sequência, ser convidada para a chefia de reportagem e, junto com minha grande parceira Marise Baesso, ajudar a desenhar e realizar o que seria uma Tribuna ganhadora de prêmios nacionais e internacionais. Os Masters em Jornalismo nos fizeram soterrar de vez a ideia do editor fechador, aquele que “corrige” e titula a matéria, e do repórter como aquele que é um mero cumpridor de pautas predefinidas. A gente já sabia o que queria, mas somou base teórica para fazer daquela uma equipe dos sonhos. Para um grupo que queria e conseguia agendar a sociedade com suas reportagens, era o ambiente perfeito.
Desses tempos não tão distantes, jamais vou me esquecer de quase ter vetado a pauta para a série Holocausto Brasileiro, que deu origem ao livro best seller de Daniela Arbex. Eu não me convencia de que havia atualidade ou proximidade para o nosso jornal hiperlocal, mas quem conhece a Dani sabe que insistência é seu nome do meio. Então, lá foi ela para Barbacena. Coube a mim editar a série que, como tantas outras, me fez chorar pelo quanto a humanidade pode se fazer pequena, e por outro lado reforçou a certeza do quanto o jornalismo profissional é fundamental.
Num momento em que os índices de homicídios estão em queda em Juiz de Fora, vale lembrar uma de nossas mais duras lutas: informar sobre o extermínio de jovens na cidade nos anos 2010 apesar da obstinada resistência de autoridades. Publicamos várias séries de reportagem sobre o tema, mas foi a suave determinação da repórter Sandra Zanella que nos deu o maior trunfo. Sandra contabilizou em detalhes cada assassinato, mesmo aqueles que não apareciam na divulgação diária da polícia, dia a dia, ano a ano, criando um banco de dados de que nenhuma autoridade dispunha. Com esses dados, a Tribuna trouxe à superfície histórias de pessoas e não apenas de seu momento final e foi alavanca para debates, polêmicas e iniciativas que levaram a mudanças. Quando isso acontece, é indescritível. É parecido com felicidade, mas no fundo é a sensação recompensadora de sentir-se útil à sociedade. Foram muitas realizações, mas foram também muitas batalhas perdidas. Nestas últimas é onde se aprende mais, e da mais recente eu ainda colho lições.