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Saúde mental materna: quem cuida das mães na depressão perinatal?

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Marcha realizada em 2024 pelo movimento (Foto: Tami Orlando Fotografia)

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“Sou psicóloga de mães. O meu papel é tentar cuidar de quem cuida. Não tem quem cuide dessas mães, quem olhe para elas quando falamos sobre saúde mental materna”, contou a psicóloga e ativista da campanha nacional do Maio Furta-Cor, Hamabilhe Garcia. O Maio Furta-Cor é um movimento que promove ações de conscientização em saúde mental materna baseadas em evidências científicas, através da sensibilização da causa e da construção de políticas públicas. 

Segundo dados de 2022 da Organização Panamericana de Saúde, cerca de 830 mulheres morrem todos os dias por complicações relacionadas ao parto em todo o mundo, sendo 34 por hora, uma a cada dois minutos. Além disso, estima-se que aproximadamente 3,7 se suicidam no pós-parto a cada 100 mil nascidos vivos. No Brasil, a depressão perinatal atinge uma em cada quatro mães, o que coloca o país em alerta vermelho pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Conforme o World Maternal Mental Health Day, sete em dez mulheres ocultam ou minimizam seus sintomas de esgotamento mental. 

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Lo-Huama Santos e seu filho Lume de 8 meses (Foto: Marina Costa)

Após uma perda gestacional, Lo-Huama Santos Marques, 40 anos, engravidou. Quando o bebê nasceu, teve depressão pós-parto e um “baby blues” muito forte – uma condição temporária que surge logo após o parto, caracterizada por sentimentos de tristeza, irritabilidade, choro fácil e alterações de humor, geralmente associados a flutuações hormonais. Ela relatou que a perda a abalou muito, o que a fez buscar ajuda profissional, mas precisou substituir as medicações após descobrir a nova gestação e após o parto manteve o acompanhamento psiquiátrico, uma medida que foi essencial para compreender o momento pelo qual estava passando. 

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Lo-Huama é doula e consultora de amamentação e, apesar do conhecimento sobre a maternidade, passou por dificuldades. Para entender mais suas dores, ela buscou se envolver em rodas de mães, gestantes e reuniões do Grupo Luz, projeto de Juiz de Fora de apoio a famílias que sofreram perda gestacional e neonatal, e do Maio Furta-Cor. “Participar do movimento me trouxe o sentimento de pertencimento e acolhimento muito grande. Estar inserida como mãe é uma forma de ter os meus desafios e sofrimentos validados por profissionais qualificados e pelas demais mães e familiares participantes”, diz Lo-Huama.

Maternidade programada também é desafio

Maria Paula Almeida e os filhos Maria Flor e Francisco (Foto: Isabella Skarllet)

Mãe solo há três anos, Maria Paula Almeida, 34 anos, instrumentadora cirúrgica, cuida dos filhos Maria Flor, de 6 anos, e Francisco, de 5. Ela conheceu o movimento no ano passado, através de grupos de apoio com outras mães solo. “O Maio Furta-Cor traz a visibilidade que mães como eu precisam. Uma roda de conversa, uma rede de apoio. Isso tudo une e ajuda muito na nossa solidão, principalmente de criar bebês sendo um único adulto.” Maria Paula passou pelo divórcio durante a pandemia, e o ex-marido está impedido judicialmente de ver os filhos, com um processo em segredo de justiça. Ela contou que depois da pandemia entrou na terapia e colocou os filhos também, relatando que as crianças se desenvolvem cada vez mais, e que agora consegue refletir e indagar todo o seu processo de evolução materna.

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“Sou uma mulher que estudou a maternidade e se programou, mas mesmo assim o roteiro saiu do eixo. Tem muitas mulheres que não sabem e nem fazem ideia do quão adoecidas podem estar”. Por isso, Maria Paula ressalta como o Maio Furta-Cor conscientiza as pessoas de que a mãe também é uma pessoa que precisa de cuidado. “Existe uma frase que diz ‘segure a mãe e não o bebê’, no sentido de que para que essa mãe segure e ampare essa criança, ela precisa ser amparada e segurada primeiro. E daí vem a pergunta: quem cuida de quem cuida?”

Trabalho de olhar para mães

A psicóloga e ativista Hamabilhe Garcia ao lado da filha mais velha no dia da marcha do Maio Furta-Cor (Foto: Tami Orlando Fotografia)

A trajetória de Hamabilhe Garcia com a psicologia voltada para a saúde mental materna começou com sua maternidade. Ela engravidou aos 17 anos e, depois de cinco anos, entrou no curso, mas durante a faculdade decidiu ser mãe novamente. “Foi uma gravidez planejada que me tocou muito, mesmo já tendo uma filha, pois inicialmente pensei que estava tudo tranquilo por já ser uma adulta, porém tive várias dificuldades que muitas outras mães também têm.” Foi assim que surgiu seu interesse pela saúde mental materna, o que a possibilitou desenvolver um trabalho de conclusão de curso sobre depressão pós-parto e rede de apoio. 

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No seu trabalho, ela olha para a demanda individual de cada mãe, mas ressalta que muitas não têm acesso à psicoterapia. Segundo Hamabilhe, as pessoas começam a olhar para a saúde mental materna quando percebem o impacto no desenvolvimento infantil, com as crianças sendo afetadas pelo adoecimento maternal. “Antes, não se olhava para essa mãe, então vou ‘remando contra a maré’, uma vez que a atenção está focada no bebê, na amamentação, introdução alimentar e outros processos. Meu trabalho é olhar para a mãe.”

A enfermeira-chefe do Departamento da Saúde da Mulher de Juiz de Fora, Andréa Kingma Lanziotti, 52, também frisou a importância de cuidar da figura materna, tanto da saúde física quanto mental. “Estou na enfermagem há quase 30 anos, atuando na saúde da mulher e da gestante.” Nesses anos de carreira, Andréa relatou que a humanização dos processos hospitalares foi uma grande conquista para assegurar um ambiente propício e seguro para as mães, com uma equipe multidisciplinar e o diálogo durante o acompanhamento no pré-natal e puerpério, para identificar fatores de riscos e realizar os encaminhamentos. Ela ainda mencionou o projeto Rede Cegonha, do Ministério da Saúde, que propõe a melhoria do atendimento às mulheres e às crianças, garantindo uma humanização da maternidade.

Campanha vira lei

A campanha do Maio Furta-Cor começou durante a pandemia, em Curitiba, com uma psicóloga e uma psiquiatra perinatais, que se atentaram para um cenário de adoecimento mental materno. Em 2022, houve um recrutamento de representantes em várias cidades, e foi quando a psicóloga Hamabilhe Garcia se candidatou para Juiz de Fora. “Tínhamos como missão gerir as ações, montar um grupo e ir atrás de protocolar o projeto de lei para instituir o Mês Maio Furta-Cor apresentando-o para um vereador. E nossa escolha foi a vereadora Tallia Sobral (PSOL).”

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O Projeto de Lei Municipal 14.617, de autoria de Tallia, entrou em vigor no dia 15 de maio, integrando a campanha ao Calendário Oficial do Município para promover a saúde mental materna. A vereadora revelou um dos momentos do diálogo que teve com as representantes da campanha que a tocou. “Um dos casos que o movimento compartilhou comigo foi que em uma sala, logo depois do parto, foram colocadas uma mulher que teve uma cesárea, outra de parto normal e uma que tinha perdido o filho. Quando o primeiro bebê chegou para a amamentação, a que tinha perdido estava no mesmo quarto.” 

A vereadora destacou a importância da lei, uma vez que, muitas vezes, a maternidade é tratada como assunto do âmbito privado, o qual diz respeito apenas àquela mulher que se tornou mãe. “As dificuldades, violências, o adoecimento mental perpassa a experiência coletiva de diversas mulheres que são mães e, portanto, precisam ser tratadas como questão coletiva e, principalmente, como debate de responsabilidade do Poder Público. E é isso que estamos começando a construir com mais força este ano.” 

Escala de Depressão Pós-Parto 

De acordo com a psicóloga Hamabilhe Garcia, existe a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS), um instrumento de autoavaliação que pode ajudar pais e mães a saberem se está na hora de procurar ajuda. São dez perguntas que psicólogos e enfermeiros em uma maternidade podem aplicar ao longo da gestação e depois do parto, porém que não são feitas nos departamentos de saúde em Juiz de Fora. 

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“Através dessa lei municipal poderíamos colocar em prática esse questionário, e depois o encaminhamento para um local que investiga a depressão perinatal. Contudo, em Juiz de Fora não há um centro de atenção à saúde mental materna. Tem os projetos das faculdades e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) que realizam atendimentos gratuitos, mas nada voltado para as mães.” Desse modo, a ativista e psicóloga ressaltou a importância de a cidade identificar as necessidades e demandas para essa atenção, por meio da capacitação dos profissionais de saúde.  

*Estagiária sob supervisão do editor Wendell Guiducci

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