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Câncer de mama em mulheres negras: dados sobre mortalidade e acesso à mamografia são alarmantes

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Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que as mulheres negras têm 57% mais chances de morrer de câncer de mama do que as mulheres brancas. A porcentagem chama a atenção para algo alarmante:  tanto fatores biológicos, quanto sociais contribuem para que a disparidade exista. Estudos do Instituto Avon e Datafolha também indicam que esse grupo tem menos acesso ao exame de mamografia e às informações sobre a doença. O cenário preocupa especialistas, que estão desenvolvendo mais pesquisas sobre o tema. Em Juiz de Fora, profissionais da área debatem a situação, indicam cuidados para mulheres negras e falam sobre caminhos para mudar o cenário.

Estela Laporte é médica mastologista titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e membro da Sociedade Americana dos Cirurgiões de Mama (Foto: Rafaela Fernandes)

De acordo com  pesquisa do Instituto Avon, entre as mulheres que realizam mamografia, só 24% são negras, mas 47% das pacientes que recebem o diagnóstico de câncer em estágio avançado são negras. Para a médica mastologista titular da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e Membro da Sociedade Americana dos Cirurgiões de Mama (ASBrS), Estela Laporte, essa é uma realidade que chama a atenção. “Mulheres negras apresentam piores desfechos em relação ao câncer de mama. Isso se deve a fatores socioeconômicos, biológicos e, também, à dificuldade de acesso aos cuidados de saúde, incluindo exames de rastreamento, fazendo com que se apresentem com tumores mais avançados no momento do diagnóstico”, informa.

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Ela percebe, ainda, que essas mulheres costumam ter o subtipo de câncer de mama triplo negativo, que se caracteriza por ser mais agressivo, e que tem maior número de ocorrências em mulheres negras no Brasil e em outros países. Também nesses casos, o prognóstico costuma ser pior quando comparado ao de mulheres brancas com esse tipo de tumor.

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O conhecimento ainda é uma barreira importante para fazer o diagnóstico a tempo. De acordo com o estudo do Datafolha, a  disseminação do conhecimento sobre câncer de mama já atinge 9 em cada 10 (97%) mulheres no país e, entre elas, 69% se consideram bem informadas e 28% mais ou menos informadas. As taxas caem entre as mulheres negras, com até o ensino fundamental completo, e das classes D e E, grupos que se consideram menos informadas sobre o câncer de mama.

As mulheres pretas (28%) e pardas (33%) relatam mais dificuldade para obter informação sobre câncer de mama em comparação às brancas (20%). “Fatores comportamentais e ambientais, como o menor acesso aos serviços de saúde, desigualdade de renda e escolaridade, podem afetar os cuidados adequados em relação ao rastreamento, diagnóstico e tratamento, impactando negativamente nos resultados”, explica Estela.

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Na experiência de Marta Malta, que está enfrentando o câncer de mama e recebendo o tratamento há cinco meses, foi possível identificar a doença no estágio inicial. Profissional de saúde de 63 anos, ela já sabia a importância da mamografia e a fazia com regularidade. Até que, um dia, encontrou um nódulo enquanto tomava banho e foi buscar ajuda. Apesar da sua realidade ser diferente dessas mulheres, pois já tinha conhecimento sobre a doença, ela enxerga que há gargalos importantes na transmissão de informações para mulheres negras. “A gente não pode só dar atenção para isso em outubro. É preciso ter sempre uma divulgação, paras as pessoas estarem atentas. E as mulheres têm que ser educadas, desde cedo, para estarem alertas a isso”, aconselha.

Fatores ainda estão sendo estudados

Miriam Melquíades é especialista oncogeneticista (Foto: Arquivo Pessoal)

O INCA está desenvolvendo um estudo, desde 2022, para definir o perfil completo dessas mulheres a partir de fatores sociais, comportamentais, ambientais e biológicos. Foram identificadas alterações que parecem ser específicas de mulheres negras, chamando a atenção para aspectos ligados à ancestralidade, que parece ter uma forte associação com tumores mais agressivos, além da cor da pele. 

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Para a especialista oncogeneticista Miriam Melquíades, no entanto, é possível perceber que existe um tipo de câncer mais comum nas mulheres negras, que é o triplo negativo, a partir de dados dos EUA, onde há estudos mais robustos com essa população. “Ele é um câncer mais agressivo, mas quando colocamos nas curvas de mortalidade geral, quando comparamos, não temos uma diferença estatisticamente importante. Então, penso que as grandes questões são relacionadas ao acesso”, afirma. Para ela, é preciso olhar para questões envolvendo  mulheres com menor poder aquisitivo. “É preciso de políticas públicas que efetivem e reconheçam o benefício do rastreamento e do diagnóstico precoce”, pontua.

 

Rastreamento pode reduzir casos mais graves

O rastreamento precoce é a principal forma de monitorar o câncer de mama em qualquer população, como destacam as especialistas. “Se temos uma falha estrutural no rastreamento, temos por consequência menores taxas de diagnóstico precoce”, afirma Miriam. Ela, que trabalha com testes genéticos para identificação de riscos, entende que esse recurso ainda não chega à maior parte das mulheres negras e de baixa renda. “No SUS, não temos acesso, e pelos convênios, só em pouquíssimos casos. Na maioria das vezes, são testes que têm um custo mais elevado, e por conta das disparidades sociais a gente, infelizmente, não consegue oferecer esse teste, que seria um aliado no diagnóstico precoce e tratamento.”

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O principal recurso, então, para identificar esses casos no estágio inicial, seria através da mamografia. No entanto, como Estela lembra, esse acesso para toda população ainda está muito abaixo do necessário. “Cerca de 60% dos diagnósticos no Brasil ainda são feitos em tumores mais avançados. Isso é porque estamos falhando no rastreamento”, afirma Estela, sobre dados do SUS de 2021. Para ela, aumentar essa cobertura é a melhor maneira de reduzir os casos, enquanto a população também se conscientiza.

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