“Quando recebemos o diagnóstico do glaucoma, fiquei frustrada de pensar o que vai ser do meu filho. Ele vai enxergar ou não?”, contou a fisioterapeuta Silviane Vitória da Silva do Nascimento, 33 anos, sobre descobrir o glaucoma congênito no filho Victor Hugo, que atualmente tem 2 anos. Embora mais comum a partir dos 40 anos, a doença pode surgir em qualquer idade, até mesmo em recém-nascidos, quando é considerada congênita. A conscientização é reforçada este mês pela Campanha Maio Verde, com o Dia Nacional de Combate à Cegueira pelo Glaucoma, neste domingo (26). A doença é a principal causa de cegueira irreversível no mundo.
A Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG) estima que mais de 2,5 milhões de pessoas tenham a doença no país, e quase 70% desse total desconhecem que convivem com a enfermidade. Além disso, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o glaucoma é responsável por 5% dos casos de cegueira em crianças. Isso significa que, de 1,5 milhão de crianças de 0 a 7 anos de idade, 75 mil ficaram cegas. Apesar de não haver cura, existe tratamento quando é detectado cedo.
O que é o glaucoma
O glaucoma é uma doença crônica que atinge o nervo óptico, estrutura responsável por conectar o olho com o cérebro, para formar a visão. Segundo a oftalmologista responsável pelo setor no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU- UFJF/Ebserh), Aline Mota, geralmente está associada ao aumento da pressão intraocular. “Essa pressão elevada faz com que ocorra lesão no nervo óptico progressivamente, com perda de fibras nervosas, que é irreversível. Por isso, é tão necessário diagnosticar precocemente para evitar perda da visão permanente”, explica.
Os principais tipos de glaucoma são o de ângulo aberto e o de ângulo fechado. “No glaucoma de ângulo aberto, o fluxo de fluido dentro do olho é bloqueado lentamente ao longo do tempo, causando um aumento gradual da pressão intraocular e danos ao nervo óptico.” Aline explica que esse é geralmente assintomático nas fases iniciais, o que o torna perigoso, pois pode progredir sem que a pessoa perceba. “Já o glaucoma de ângulo fechado ocorre quando o ângulo entre a íris e a córnea é bloqueado, impedindo que o fluido do olho drene adequadamente, o que leva a um rápido aumento da pressão intraocular e sintomas agudos, como dor intensa nos olhos, visão turva, halos ao redor das luzes e até náuseas e vômitos”, explica a oftalmologista.
Importância do exame oftalmológico
A médica também esclarece que, apesar de ter diferentes tipos e manifestações, na maior parte dos casos o glaucoma é assintomático, ou seja, não dói. Contudo, ainda continua danificando o nervo óptico e, somente quando a doença está avançada, o paciente começa a perceber dificuldade de enxergar. “É importante fazer exame oftalmológico regularmente, principalmente pacientes com história familiar de glaucoma”, explica Aline.
Aline também ressalta o teste do olhinho, também conhecido como teste do reflexo vermelho, que é fundamental para detectar problemas oculares em recém-nascidos, incluindo o glaucoma congênito. Obrigatório por lei desde 2017, o exame permite que os médicos identifiquem precocemente qualquer anormalidade no desenvolvimento ocular da criança e encaminhe para avaliação oftalmológica especializada, se necessário.
Rede de apoio do glaucoma
“Na maternidade, com cinco dias de vida foi descoberto o glaucoma congênito, e depois de três dias, o Victor já fez sua primeira cirurgia, e a nossa luta começou”, relatou Silviane Vitória. Para ela, uma das principais dificuldades de receber o diagnóstico do glaucoma congênito no filho foi a falta de apoio, especialmente de outras histórias de famílias que estavam passando pelo tratamento e poderiam dar esperanças. Ao criar uma rede de apoio nas redes sociais com famílias que tinham o diagnóstico, a partir dos contatos da médica que atendia o bebê, o coração de mãe de Silviane foi se acalmando.
O grupo no Instagram (@glaucoma_congenito20) surgiu também de uma necessidade de dar visibilidade à doença. “Nunca tinha visto uma criança com o olhinho do jeito que era o do meu filho, então era muito difícil ir ao posto de saúde, shopping, mercado e ver o olhar das pessoas. Para uma mãe que está fragilizada, ainda no puerpério, fere muito, quis me isolar dentro de casa. Mas ao mesmo tempo eu disse que não podia fazer isso, quero que todo mundo saiba qual é o problema do Victor e tenha empatia. Não quero que meu filho sofra bullying.”
O perigo do bullying
Uma das fases mais desafiadoras para algumas crianças com glaucoma é o uso do tampão, utilizado para o tratamento de ambliopia, uma condição em que a visão de um olho não se desenvolve adequadamente durante a infância. “A sua doença vem a público com o tampão, as crianças na escola podem ser cruéis, então foi uma fase de muito bullying. Sempre me senti muito diferente das pessoas normais e me sentia inferiorizada”, diz a advogada Letícia Lima Wiezel, 25 anos, que foi diagnosticada com glaucoma congênito depois de 1 ano de idade.
Foi pelas dificuldades enquanto crescia que Letícia criou um TikTok (@wiezelleticia) e uma página no Instagram (@glaucoma_congenito) para mostrar para o mundo pela primeira vez a assimetria dos olhos e teve um retorno positivo. “Quando me encontrei com uma criança com glaucoma unilateral idêntico ao meu, finalmente percebi, depois de tantos anos, que eu não estava sozinha.” Ela ainda contou que buscar mais informações para passar para os seguidores foi uma forma de se curar de tudo que passou e poder trazer uma perspectiva melhor para aqueles que estavam recém-descobrindo a doença, que ainda é pouco falada.
Apoio do SUS
Em Juiz de Fora, o Hospital Universitário da UFJF realiza todas as quinta-feira, a partir de 13h, um ambulatório de glaucoma. Segundo a técnica de enfermagem Amanda Meloni, o serviço atende nestes dias de oito a dez pacientes que são encaminhados de hospitais e postos de saúde já com o diagnóstico ou suspeita. No local são realizados a anamnese, um diálogo para a avaliação de sintomas, problemas de saúde e preocupações; exames; escolha do tratamento e seu acompanhamento; e em determinados casos as pessoas podem ser encaminhadas para o procedimento cirúrgico.
Pacientes como Carlos Roberto da Silva, 52; Edir Dias Noceli, 69; e Maria Bento de Souza, 72, têm o apoio do serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), através do ambulatório do HU, para realizar o tratamento. A filha de Maria, Adriana de Oliveira, que trabalha como técnica de enfermagem, destacou a importância do tratamento e exames gratuitos do hospital, pois é assim que sua mãe pôde obter um tratamento adequado para não deixá-la cega, após gastar muito com médicos e instituições particulares e não obter resultados.
O primeiro sintoma que Carlos percebeu foi ao tentar assinar o próprio nome e ter dificuldades para enxergar as letras pequenas. Já os problemas de visão em Edir começaram quando ela tinha cerca de 20 anos e precisou realizar duas cirurgias, a primeira para a remoção de pele que estava causando incômodo, e a segunda, de catarata. Depois de muitos anos, quando já estava aposentada, ela teve a suspeita de glaucoma em um mutirão de consultas, assim foi encaminhada para o serviço do HU e teve o diagnóstico.
Um dos medos de Edir é ficar cega, principalmente após descobrir que está pré-diabética. Por isso, ela segue à risca o tratamento, sempre fazendo os acompanhamentos necessários no HU. A médica Camila Pacheco faz atendimentos no ambulatório e informou que durante as consultas os profissionais buscam esclarecer todas as dúvidas dos pacientes, principalmente para tranquilizar sobre a importância do tratamento para preservar a visão.
*Estagiária sob supervisão do editor Wendell Guiducci