A Academia Americana de Pediatria acaba de fazer uma mudança considerada histórica nas suas diretrizes ao permitir a amamentação por mulheres portadoras do vírus HIV, desde que tenham carga viral indetectável de forma sustentada. No Brasil, o aleitamento materno continua contraindicado nesses casos, como única forma de zerar o risco de transmissão do vírus da mãe para o bebê.
Segundo a nova recomendação norte-americana, a chance de transmissão quando a pessoa faz uso da terapia antirretroviral e apresenta uma taxa viral inferior a 50 cópias por ml de sangue é menor que 1%. Por isso, os especialistas optaram por autorizar mães nessas condições que desejem amamentar.
Ainda assim, os autores frisam que a prática traz riscos e que evitar o aleitamento é a única forma de eliminar a chance de contágio nesses casos. A entidade também enfatiza que a amamentação não deve ocorrer se a mulher não estiver tomando corretamente os medicamentos e não apresentar essa carga viral. A atualização vai ao encontro do posicionamento dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), também dos EUA, que mudaram sua recomendação no final de 2023.
“As novas recomendações americanas são revolucionárias pelo fato de se permitir, ainda que com ressalvas, a amamentação para esse grupo específico, já que até então a prática era formalmente contraindicada”, avalia a médica neonatologista Larissa Elizabeth Schulz Rossetto, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Os benefícios da amamentação são inúmeros, não só para o bebê, mas também para a mãe, tanto que diversos órgãos [de saúde] recomendam amamentação exclusiva até o sexto mês de vida. Além disso, para algumas pessoas, faz parte da expectativa cultural, e a falta dessa opção está associada a um custo emocional elevado, com sentimento de culpa e perda de uma experiência materna.”
Segundo a nova diretriz da Academia Americana de Pediatria, os médicos nos Estados Unidos devem estar preparados para oferecer essa abordagem centrada na família; e as mães que quiserem amamentar devem ser orientadas, especialmente pelos pediatras, sobre essa possibilidade, desde que tenham forte adesão ao tratamento contra o HIV e carga viral indetectável.
No entanto, ela e seu parceiro ou parceira devem ser informados de que ainda existe a possibilidade da transmissão do vírus, apesar de baixa. Segundo Rossetto, certas situações aumentam esse risco, como lesões mamárias (por exemplo, fissuras que são muito comuns nos primeiros dias de amamentação), uso inadequado da terapia antirretroviral e os casos de amamentação mista – quando o bebê toma leite materno e fórmula –, em função da alteração da integridade da mucosa intestinal.
Brasil contraindica
Por aqui, o aleitamento por pessoas portadoras do vírus HIV é contraindicado, mesmo para quem faz uso de terapia antirretroviral e tem carga indetectável. Em nota, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) diz: “em harmonia com seu Departamento Científico de Aleitamento Materno, [a SBP] segue alinhada às diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil e às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo essas diretrizes, a amamentação por mães vivendo com HIV é contraindicada devido aos riscos de transmissão do vírus para o bebê. Neste sentido, a SBP mantém a recomendação vigente até que novas evidências, derivadas de estudos controlados e randomizados, possam justificar uma atualização das práticas atuais.”
As opções de alimentação que eliminam o risco de transmissão do HIV são a fórmula láctea infantil, que é fornecida pelo SUS até que o bebê complete 6 meses de vida, e o leite humano pasteurizado de doadores.
O Brasil é signatário do compromisso mundial de eliminar a transmissão vertical do HIV, aquela que ocorre da mãe para o bebê – seja na gravidez, no parto ou na amamentação. Estima-se que 30% desse tipo de contágio ocorra por meio do aleitamento, por mulheres que não fazem uso dos remédios corretamente ou não têm carga indetectável.
“Temos um programa bem estruturado pelo Ministério da Saúde, que publica atualizações frequentes para manejo tanto das gestantes e puérperas infectadas quanto dos recém-nascidos expostos para eliminar essa via de transmissão”, explica a médica do Einstein.
Os casos de Aids em crianças menores de 5 anos (parâmetro usado para monitorar a taxa de transmissão vertical) caíram 54,9% entre 2012 e 2022, segundo o Boletim Epidemiológico HIV e Aids de 2023, apresentado em dezembro pelo Ministério da Saúde. “Esse sucesso é reflexo direto das ações como diagnóstico precoce em gestantes, uso da terapia antirretroviral durante toda a gestação e, nos casos indicados, também durante o parto, além da inibição da lactação e do uso de quimioprofilaxia para recém-nascidos expostos durante as primeiras quatro semanas de vida.”
Ainda não há cura para a infecção pelo HIV, mas dá para controlar o vírus com terapia antirretroviral ao suprimir sua replicação no organismo, retardando a imunossupressão (redução da atividade do sistema imunológico) e o desenvolvimento da síndrome da imunodeficiência adquirida, a Aids. Além da transmissão vertical, o contágio também ocorre por contato com fluidos contaminados como sangue, esperma e secreção vaginal.