“Acredito que decidimos ter filhos na primeira conversa. Sempre foi assunto do nosso relacionamento o planejamento familiar, por ser um sonho. Como queremos ser mães, nos organizamos ao longo do tempo para juntar dinheiro e estudar as possibilidades da maternidade. Com empregos estáveis, com a compra da nossa casa e com o tempo correndo contra a gente, decidimos que de fato esse era o momento”, contou Mariana Lariza Oliveira Ribeiro, 38, casada com Thayanna Aguiar Vargas, 35. Ambas decidiram realizar a fertilização in vitro (FIV) em uma clínica privada para aumentar a família, depois de cinco anos de casamento.
A realidade do casal é a mesma de pelo menos 10% dos casais que optam pela reprodução assistida no país. Esta parcela, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH) corresponde a casais homoafetivos – que ainda não têm direito ao procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, quase 20 anos após a implementação da Política de Reprodução Assistida no Brasil, as técnicas não são acessíveis para todas as pessoas. O processo envolve alto investimento financeiro, já que é disponibilizado de forma gratuita apenas para casais inférteis, por poucos serviços de referência. A FIV privada pode custar em média R$ 30 mil, valor que varia conforme a clínica e os medicamentos.
Casais heterossexuais com problemas de infertilidade podem tentar realizar o procedimento por meio da saúde pública. O fator limitante neste caso, entretanto, é a idade das participantes, que devem ter até 35 anos para conseguir dos nove centros de atendimento credenciados pelo SUS. O desejo de gerar um filho, portanto, pode ser um desafio para mulheres e homens com diagnóstico de infertilidade, casais homoafetivos, mulheres com câncer e endometriose, principalmente quando não possuem recursos. De acordo com a SBRH, a infertilidade conjugal acomete cerca de 15% dos casais brasileiros em idade reprodutiva, o que representa cerca de 20 milhões de indivíduos ou 10 milhões de casais.
Desde 2012, uma portaria do Ministério da Saúde destina recursos financeiros aos estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de atenção à reprodução humana assistida, no âmbito do SUS, incluindo fertilização in vitro e/ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides, mas o congelamento de óvulos ainda não é previsto.
Juiz de Fora
Ainda são poucos os centros de reprodução humana assistida gratuitos que realizam as técnicas de alta complexidade, como a fertilização in vitro, o que traz desafios de deslocamento e recursos para as pessoas que sonham com a maternidade e a paternidade, além de uma espera na fila de em média dois anos.
Em nota, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que o procedimento não é realizado no município pelo SUS, somente pela rede privada. “O Hospital Universitário possui ambulatório, mas casos de congelamento de óvulos e fertilização in vitro são encaminhados para Belo Horizonte”, acrescenta a PJF. Os centros gratuitos estão localizados em Belo Horizonte (Hospital das Clínicas da UFMG), Brasília, Natal, Recife, dois em Porto Alegre e três em São Paulo.
Como funciona a fertilização in vitro?
Segundo o médico especializado em reprodução humana João Guilherme Grassi, a fertilização in vitro é um tratamento que consiste em realizar a fecundação do espermatozoide com o óvulo em ambiente laboratorial, formando embriões que serão cultivados, selecionados e implantados no útero. A Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida informa que todo o processo da FIV consiste em quatro etapas distintas: a Estimulação Ovariana, a Coleta dos Gametas (óvulos e espermatozoides), a Fertilização dos Gametas e Cultivo dos Embriões no Laboratório, além da Transferência dos Embriões para o útero da paciente.
A estimulação do ovário a produzir os óvulos ocorre por meio da administração de medicamentos, com dosagens personalizadas, para promover o crescimento e maturação do maior número possível de óvulos. Este estímulo, que é acompanhado por exames de ultrassom, pode demorar entre 10 e 20 dias para que ocorra a produção ideal da qualidade e número de óvulos. Nesta etapa pode ocorrer efeitos colaterais nas pacientes, como inchaço, dor de cabeça, dor pélvica e sensação de peso no baixo ventre, mas que tendem a desaparecer após a punção, especialmente após o próximo ciclo menstrual, explica Guilherme Grassi.
Depois é feito a coleta de gametas, os óvulos por aspiração folicular e os espermatozoides por coleta do sêmen ou por aspiração diretamente dos testículos ou dos epidídimos. Após esse processo é possível realizar o congelamento de óvulos e a fecundação, que ocorre com a mudança confirmada no óvulo quando ele exibe dois núcleos no interior. Uma vez formado o zigoto (pré-embrião), este é separado e deixado em um líquido, semelhante ao que existe nas trompas e no útero, dentro de incubadoras, por um período de 2 a 5 dias, para que se desenvolvam e possam ser transferidos para o útero.
Ansiedade pela transferência de embriões
O casal Mariana e Thayanna já fez parte do processo, com a estimulação hormonal, coleta de óvulos e a fertilização. “Estamos com oito embriões congelados. No início de 2025 planejamos finalizar o processo, com a transferência do embrião para o útero”, relata Mariana.
Para elas, o principal desafio foi lidar com as questões de saúde que surgiam à medida que faziam os exames. “Até ajustar a nossa saúde para começar de fato o processo, foi cansativo. Confesso que a estimulação hormonal nos amedrontava, pois líamos relatos difíceis de pessoas que passaram pelo processo. Porém, tudo ocorreu super bem, sem tantas variações de humor, inchaços, dores e traumas. Tivemos consultas periódicas de três em três dias ao longo de 12 dias, nos quais eram feitos ultrassons para acertarmos a dosagem dos medicamentos e acompanhar a evolução dos folículos”, relata Mariana. Ela também ressaltou que foi importante fazer terapias com um psicólogo durante o processo para lidar com a FIV e a maternidade.
O especialista em reprodução humana assistida explica que o risco do procedimento de estimular a produção de óvulos é muito baixo. “Se a mulher responder demais aos hormônios, ela pode ter uma situação chamada síndrome do hiperestímulo ovariano – caracterizada por aumento ovariano, com distensão e desconforto abdominal, náuseas leves e, menos frequentemente, vômitos e diarreia, mas temos meios para evitar e para proteger a paciente desse tipo de situação. João Guilherme também esclarece que existem os riscos com o procedimento, como sangramentos, infecções e problemas com anestesia, porém que são raros.
Para muitos casais e mulheres outro medo é em relação à taxa de sucesso da FIV. “A taxa de sucesso da fertilização in vitro depende da idade. Mulheres com até 35 anos podem ter taxas de até 55% de sucesso por transferência de embriões, transferindo dois embriões, já mulheres de 40 anos vão ter chances de aproximadamente 40% com três embriões já transferidos. As chances vão caindo com o passar do tempo com o avanço da idade da mulher, além de ter riscos maiores de alterações cromossômicas, como a Síndrome de Down”, diz o médico João Guilherme. Mas, Mariana garante que ela e a esposa estão muito felizes com a decisão e esperançosas que tudo ocorrerá da melhor forma, “Que venha a gravidez e os bebezinhos!”, diz cheia de expectativas para o futuro.
Avanço para mulheres com câncer e endometriose
Em junho, a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que transforma em lei a portaria do Ministério da Saúde que estabelece a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida. O Projeto de Lei (PL) 1508/24 assegura o acesso a serviços de reprodução humana assistida, incluindo o congelamento de óvulos, a mulheres em tratamento de câncer que possam afetar sua fertilidade ou com diagnóstico de endometriose pelo SUS.
Essa política quando aprovada poderá estimular a criação de Centros de Reprodução Assistida públicos em todas as regiões do país. O texto prevê que os tratamentos deverão ser ofertados pelo SUS. Contudo, quando as disponibilidades da rede própria do SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial, o Poder Público deverá recorrer aos serviços de reprodução humana assistida ofertados pela iniciativa privada.
As terapias de combate ao câncer, como a quimioterapia, podem ser prejudiciais à fertilidade. A criopreservação (congelamento) de óvulos antes do início do tratamento oncológico oferece a chance de maternidade futura para essas pacientes. Já a endometriose é uma doença que dificulta a gravidez e pode causar infertilidade dependendo da localização dos tecidos do endométrio.
O projeto ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, precisa ser aprovado também pelo Senado Federal.
*Estagiária sob a supervisão da editora Carolina Leonel.