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Diagnóstico tardio e acesso a cirurgia são desafios para mulheres com endometriose

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Rafaella Jossy teve um diagnóstico tardio da endometriose profunda e perdeu cinco órgãos (Foto: Arquivo pessoal)
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“Um dia estava fazendo uma prova na escola quando meu nariz começou a sangrar, depois desmaiei e fui parar no hospital enquanto estava menstruada”, relata a empreendedora Rafaella Jossy, 38 anos, que foi diagnosticada com endometriose profunda. Hoje, ela tem uma página no Instagram, intitulada “Vivendo com endometriose profunda”, com mais de 6 mil seguidores para falar sobre o tema, e passa metade do dia sob efeito de medicação para dores.  

A endometriose é uma doença benigna em que o tecido que reveste internamente o útero, chamado de endométrio, é encontrado em outros locais na pelve e fora dela, como bexiga, intestino e ovário. No caso da endometriose profunda, são encontrados nódulos com profundidade de penetração superior a cinco milímetros, que ocasionam lesões e inflamações no corpo. Por ter um caráter inflamatório e progressivo, a doença aumenta com o passar dos anos, podendo comprometer de forma mais grave os órgãos atingidos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a patologia afeta cerca de 190 milhões de mulheres no mundo, sendo mais de 7 milhões no Brasil

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Para Rafaella, foram mais de 17 anos desde a primeira menstruação para chegar ao diagnóstico correto. Durante o processo de descoberta da doença, ela realizou cirurgias e perdeu cinco órgãos e parte de dois. No caso dela, o tecido do endométrio foi descoberto primeiro no nariz, mas sem a nomenclatura certa; depois no útero, durante a gravidez; e. com o parto, no intestino, se espalhando para outras partes do corpo e fazendo-a perder um rim, parte da bexiga, e tendo que realizar uma histerectomia, cirurgia que removeu seu útero. 

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No entanto, Rafaella é um dos raros relatos de endometriose profunda com acometimento mais grave nos órgãos. Os sintomas mais comuns são a dor durante o período menstrual e nas relações sexuais, além da dor pélvica crônica, conforme explica a especialista em endoscopia ginecológica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/ Ebserh) Luzia Ribeiro.

Como Rafaella, outras mulheres demoram anos para descobrir a doença, como aconteceu com a vendedora Luciana Bellini, 46 anos, que teve um diagnóstico já mais velha e após ter uma filha; e a atendente de público Caroline da Silva, de 28 anos, que está batalhando para realizar a cirurgia em Juiz de Fora para poder ter filhos. A estimativa é que o tempo médio para um diagnóstico correto seja de sete a dez anos, de acordo com Luzia Ribeiro.

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Ambulatório de endometriose do HU atende mais de 400 pacientes anualmente

A médica Luzia Ribeiro é a responsável pelo ambulatório de Endometriose do HU-UFJF. Em funcionamento desde 2018, a unidade atende mais de 400 pacientes anualmente, realizando ressonância nuclear magnética com preparo para endometriose e ⁠videolaparoscopia em casos de infertilidade relacionada à endometriose peritoneal. A porta de entrada para o serviço é o encaminhamento via Unidade Básica de Saúde (UBS), já com o diagnóstico de endometriose.

Apesar de a doença não ter uma cura definitiva, o tratamento pode garantir mais qualidade de vida. Isso pode incluir medicação, com contraceptivos hormonais que atuam bloqueando essa alteração hormonal e diminuindo a progressão das lesões; o uso de analgésicos e anti-inflamatórios, além de mudanças na rotina. Por isso, o tratamento para a endometriose no hospital conta com uma equipe multidisciplinar, composta por fisioterapeutas, psicólogos, médicos da dor, ginecologistas e nutricionistas

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Grupo de educação em endometriose auxilia no acolhimento das pacientes (Foto: Leonardo Costa)

A fisioterapeuta pélvica Elaine Andrade Moura afirma que é muito importante ter uma equipe multidisciplinar de educação sobre a endometriose, para explicar melhor o que é a doença. Nos atendimentos, são abordadas mudanças de hábitos e atividades específicas que podem ajudar nos sintomas, além do tratamento psicológico, promovendo um amplo acolhimento das dores das pacientes, tanto as físicas como as emocionais. 

Em alguns casos, como o de Rafaella e Caroline, pode haver necessidade de cirurgia, que deve ser avaliada individualmente, dependendo da gravidade dos sintomas, extensão da doença, e os desejos reprodutivos da paciente. “Podemos indicar em caso de sintomas refratários ao tratamento clínico, obstrução intestinal e do sistema urinário; infertilidade e endometriomas ovarianos volumosos (cistos nos ovários); endometriose do apêndice e suspeita de malignidade em uma massa anexial (estrutura conectada ao útero)”, explica a ginecologista Luzia Ribeiro. 

A cada dez diagnisticadas, quatro precisam de cirurgia

A Sociedade Brasileira de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva estima que uma em cada dez mulheres sofre com a doença, sendo que 57% delas têm dores crônicas, e mais de 30% dos casos podem resultar em infertilidade. O quadro ocorre quando há dificuldade em engravidar após 12 meses de tentativas. Um levantamento do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas apontou que a cada dez mulheres que são inférteis, quatro têm endometriose e precisam da cirurgia, como Caroline, que está tentando ter filhos. 

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Entretanto, os procedimentos cirúrgicos mais complexos da endometriose profunda ainda não são realizados nos hospitais da cidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota, o HU-UFJF, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), explica que há necessidade de contratualização com o gestor SUS local para a efetivação das cirurgias. “Atualmente, o Ambulatório de Endometriose realiza outras cirurgias de videolaparoscopia, e oferece exames como ultrassom e ressonância magnética”, informa. 

O HU tem uma assistente social que ajuda as mulheres com endometriose profunda a fazerem um pedido para realizar a cirurgia gratuitamente por meio de um processo judicial. Segundo Luzia Ribeiro, o procedimento cirúrgico pela rede privada pode ficar em torno de R$ 80 mil, mas varia conforme a infiltração da endometriose nos órgãos.  

Em nota, a Secretaria de Saúde da PJF informou que o procedimento cirúrgico da endometriose profunda é complexo e existem poucos profissionais aptos a executar o procedimento na cidade. “Existe um ambulatório de endometriose no Hospital Maternidade Therezinha de Jesus, em parceria com o Instituto Crispi e a Faculdade Suprema, que funciona na instituição. O serviço vem se adequando para a execução dos procedimentos, conforme a necessidade dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).”

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Doença afeta a produtividade das pacientes

Caroline da Silva buscou o serviço do HU para realizar a cirurgia para conseguir ter filhos (Foto: Leonardo Costa)

Para Caroline da Silva, foi um alívio descobrir a endometriose profunda em 2021. “Passei muitos anos sentindo muitas dores, desmaiava na escola e ninguém entendia nada. Passei por vários médicos, fiz vários exames, e nunca descobri qual era o meu problema até uma tia ser diagnosticada tendo os mesmos sintomas”. No entanto, como o diagnóstico ainda é tardio e as cirurgias não são de fácil acesso pelo SUS, muitas mulheres passam por situações que afetam diretamente a produtividade profissional, como aconteceu com Rafaella e Caroline, que sofreram preconceitos no ambiente de trabalho por causa das dores que sentiam e eram vistas como “frescura”. 

Uma pesquisa da Academy of Managed Care Pharmacy, dos Estados Unidos, mostrou que uma mulher com endometriose perde, em média, seis horas de produtividade no trabalho por semana devido à doença. A pesquisa analisou dados de mais de 1.400 mulheres com endometriose em 10 países. O estudo também revelou que na maioria das vezes, as mulheres desenvolvem sintomas depressivos como ansiedade, alteração do humor e fadiga crônica em decorrência da doença.

No Brasil, o Projeto de Lei 1069/23 , da deputada Dayany Bittencourt (União-CE), busca incluir a endometriose com manifestação incapacitante no rol de doenças que independem de carência para a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez. O texto determina que a mulher acometida pela doença tenha tratamento integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com atendimento multidisciplinar, acesso a exames complementares, assistência farmacêutica e acesso a modalidades terapêuticas reconhecidas, inclusive fisioterapia e atividade física. De acordo com a Agência Câmara, a pauta será analisada pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Saúde; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

*estagiária sob supervisão da editora Júlia Pessôa

 

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