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Movimentos buscam garantir direitos a pessoas com albinismo

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Joselito Pereira da Luz descobriu o albinismo com 20 anos; ele teve câncer de pele em decorrência de falta de orientações sobre a condição genética (Foto: Arquivo pessoal)
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“Fui tomar conhecimento do albinismo com 20 anos e já tinha sido exposto ao sol indo para praia sem proteção. Quando descobri, meu corpo já estava cheio de lesão, era o câncer de pele”. O relato é do integrante e ex-diretor da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), Joselito Pereira da Luz, 68 anos. Ele descobriu que tinha a condição genética de forma tardia, e integra um dos grupos do Brasil que lutam para que as pessoas com albinismo tenham seus direitos garantidos.

Segundo a médica geneticista e pediatra Lívia Maria Ferreira, o albinismo é uma condição genética em que uma pessoa nasce com falta de pigmentação de melanina em sua pele, cabelo e olhos, o que pode resultar em problemas na visão, como catarata, e um risco maior de câncer de pele. No caso de Joselito, esta doença levou à necessidade de tirar partes do rosto por meio de cirurgias, como consequência da exposição ao sol sem proteção.

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Ele vem de uma família com dez irmãos, com outros dois também com albinismo, e conta que sempre foi bem cuidado, mas que seus pais não tinham dinheiro para comprar protetor solar, um produto considerado um cosmético, mas que deveria ser classificado como um medicamento essencial para a preservação da vida e disponibilizado de forma gratuita nos postos de saúde. “Quando fui ao médico já estava com mais de 100 verrugas de câncer de pele. Precisei tirar parte do olho, do nariz, da orelha e da boca em cirurgias por causa da exposição ao sol”. 

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De acordo com especialistas, a inexistência de políticas públicas no Brasil impõe às pessoas com albinismo uma condição de vulnerabilidade, pois muitas delas não têm acesso à prevenção e ao tratamento precoce, especialmente para as lesões pré-malignas e malignas (câncer de pele). Como consequência, mesmo quando encontram acesso à rede pública de saúde, muitas das vezes, são submetidas a mutilações de partes do corpo.

As pessoas com albinismo são mil vezes mais suscetíveis a essa doença, e a expectativa de vida para este grupo pode chegar a 33 anos, em função do câncer de pele, uma condição que pode ser facilmente prevenida com o uso de protetor solar, explica a dermatologista Monique Damasceno Lougon. Em alguns casos, a demora no tratamento do câncer leva a pessoa à morte, principalmente em um país tropical com alta incidência de radiação solar.

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Violências sofridas por pessoas com albinismo 

Elizabeth Moura escutou falas preconceituosos e capacitistas de médicos (Foto: Arquivo pessoal)

Diferentemente de Joselito, a técnica em administração Elizabeth Moura, 39 anos, descobriu o albinismo ainda na maternidade, em Juiz de Fora. Entretanto, seus pais receberam a orientação de que deveriam levá-la ao oftalmologista somente aos 2 anos. Quando ela tinha 5 anos, uma dermatologista explicou que Elizabeth deveria evitar a exposição solar.

“O oftalmologista apenas disse que eu não enxergaria bem e que quando estivesse mais grandinha teria que usar óculos. Eu usei, nos primeiros anos escolares, mas quando vi que não adiantava nada, por não conseguir enxergar o quadro, mesmo sentada na primeira carteira, abandonei os óculos. E só fui entender que o que tinha era visão subnormal e que era uma deficiência com 30 anos, quando entrei para os grupos de pessoas com albinismo e tive mais informações”.

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Ao longo da adolescência e da vida adulta, Elizabeth também passou por outras violências, principalmente as capacitistas, por causa da sua visão. Contudo, para ela, as falas preconceituosas vindas de profissionais da saúde foram as piores, e a falta de conhecimento na sociedade em geral também traz problemas. “A maioria das pessoas com albinismo têm baixa visão, o que assegura a essa parcela os mesmos direitos voltados às pessoas com deficiência. Mas a pequena parcela que não tem baixa visão não consegue acessar nenhum direito, às vezes consegue que as prefeituras de suas cidades forneçam os protetores solares, por via judicial, no máximo. São pouquíssimas as cidades no Brasil que têm uma lei municipal para distribuição de protetor solar”, acrescenta. 

A coordenadora do Coletivo Nacional das Pessoas com Albinismo, Roberta de Miranda, conta que precisou se aposentar mais nova do seu trabalho como analista judiciária do TRT 13° – Região da Paraíba por causa da visão. “Cresci sem conviver com outras pessoas com albinismo, sem entender que era uma pessoa com deficiência visual, apesar de enxergar muito pouco. Acreditava que só a pessoa cega era uma pessoa com deficiência visual. Tinha de estudar mais, me curvar mais para ver as aulas, mesmo que danificasse minha coluna, ombros, como danificou, mas tinha de me superar, mesmo sendo chamada de ‘alma’ na escola”.

Ao conhecer o coletivo no qual hoje atua como coordenadora, ela conta que sua vida mudou, pois entendeu que não estava sozinha e que havia pessoas com albinismo buscando pelos direitos de uma população marginalizada e estigmatizada, e que também podia ajudar e fazer a diferença. Atualmente, ela também é focalizadora de danças circulares e desenvolve um trabalho nessa área no Instituto dos Cegos de João Pessoa, na Paraíba. 

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Associação nacional une pessoas com albinismo

No dia 13 de junho é comemorado o Dia Internacional da Conscientização sobre o Albinismo, uma data criada em 2014 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Ela surgiu a partir de casos de assassinato e desaparecimento de pessoas com albinismo que já estavam acontecendo há muito tempo na África, principalmente na Tanzânia e em alguns países que ainda mantêm o misticismo, acreditando que partes dos corpos trazem saúde e sorte. No Brasil, a Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba) é a pioneira na busca por direitos, criada em 2001 através de uma iniciativa de uma dermatologista que tinha pacientes com albinismo e percebia a falta de apoio e de políticas públicas na saúde.  

Já o Coletivo Nacional das Pessoas com Albinismo surgiu em 2021, motivado pela visita da especialista da ONU em defesa dos Direitos Humanos das Pessoas com Albinismo, que ocorreu no final de 2019, e em razão do sonho dos dirigentes da Apalba, como explica uma das coordenadoras, Roberta de Miranda. Esta associação se juntou, a princípio, a outros grupos locais, lideranças e projetos sobre albinismo para reivindicar ao Governo federal a elaboração de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo (PNAISPA). Foi elaborado um abaixo-assinado com pessoas de diferentes estados e uma proposta, sendo aprovada em 2023.

Presente no movimento desde 2005, Joselito percebeu que a associação despertou a militância dos pais, para garantir a atenção à saúde e educação de seus filhos através de políticas públicas. Para Elizabeth Moura, o movimento marca a luta para que as pessoas com albinismo sejam respeitadas e ouvidas, com suas especificidades, como pessoas que são, que estudam, trabalham, namoram e contribuem com a sociedade. “Temos o direito de viver como qualquer outra pessoa, sem sermos perseguidos, mutilados e mortos e sem termos nossos direitos negligenciados, chamando muita atenção na rua com nossas aparências ‘peculiares’, mas sendo invisíveis para o Estado, tendo que passar por procedimentos invasivos e dolorosos ou morrer por causa do câncer de pele”. 

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Em lembrança à data internacional, no dia 14 de junho, às 10h, o Coletivo Nacional das Pessoas com Albinismo vai abrir uma live no canal do Youtube do TV Argumentando, com o tema “Pessoas com Albinismo – 10 anos de Luta por Inclusão e Acessibilidade, sem preconceito e com igualdade”. O evento conta com convidados nacionais e internacionais, representantes de diversas instituições.

Necessidade de políticas públicas 

Outra luta para as pessoas com o albinismo é o cadastramento no Censo, para saber quantas são as pessoas com albinismo no Brasil. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que na América do Norte e na Europa, uma a cada 17 mil ou 20 mil pessoas nasçam com albinismo. Sem um cadastramento nacional, a condição é invisibilizada, além de dificultar a aprovação de políticas públicas voltadas à garantia de direitos, especialmente na área da saúde, mas também na educação, moradia, trabalho e renda.

Apesar de a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo ter sido aprovada no ano passado, a publicação da resolução n° 725, de 9 de novembro de 2023, do Conselho Nacional de Saúde, ainda é aguardada em forma de portaria, para que essa política seja regulamentada e colocada em prática. Ela prevê uma linha de cuidados que acompanhará a pessoa com albinismo e sua família desde o nascimento até a vida adulta, com acesso a protetores solares e itens de proteção no geral, como recursos voltados à baixa visão, prioridade em atendimentos dermatológicos e oftalmológicos, além da capacitação dos profissionais da saúde para identificar e orientar as famílias na maternidade. 

Segundo o membro e ex-diretor da Apalba, Joselito Pereira da Luz, no Brasil e em outros países, muitas pessoas com albinismo sofrem as consequências do racismo estrutural em famílias negras, por exemplo, por causa da falta de recursos e informações. “A primeira coisa que um pai negro pensa na maternidade é que o filho não é dele”. Por isso, para Joselito, todo o processo de saúde da pessoa com albinismo deveria começar no berçário, com profissionais capacitados para atender as necessidades dela, por exemplo, com um oftalmologista para realizar o teste do olhinho, psicólogos para acolher e ajudar os pais a entenderem o que é o albinismo e outros profissionais para explicarem os cuidados que se deve ter ao longo da vida, tanto na rua quanto em casa. “Na associação temos relatos de médicos que se assustam e ficam sem saber o que fazer quando nasce uma criança com albinismo. Alguns pedem até para a mãe dar banho de sol na criança, porque nasceu sem pigmentação”, conta.

Para além dos cuidados com o bebê, garantir atendimento de saúde também é garantia de cidadania, conforme explica Joselito: “Saúde não é sinônimo de não ter doença, mas de reconhecimento de cidadania”. Por isso, para os movimentos de defesa dos direitos das pessoas com albinismo, é fundamental a existência de políticas públicas que garantam essa cadeia de cuidado desde a maternidade, assim evitando e diminuindo as lesões malignas que podem levá-las à morte. 

*Estagiária sob supervisão da editora Rafaela Carvalho.

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