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Cirurgia de transgenitalização: entenda o que é, como funciona e de que forma é oferecida no SUS

hospital universitario felipe couri
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A cirurgia de transgenitalização ou cirurgia de redesignação sexual é feita para que as características sexuais e genitais de nascença sejam adequadas ao gênero do indivíduo. A partir de avanços médicos, é possível realizar cirurgias que constroem um novo órgão genital e também fazer a remoção de órgãos acessórios (como testículos ou mama). Esse é um procedimento que começou a ser oferecido no Sistema Único de Saúde, a partir de uma demanda da comunidade trans, e que atualmente pode ser feito no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF). Em entrevista ao Podcast Tribuna No Ar, com apresentação de Paulo César Magella, a médica ginecologista Carolaine Bittencourt e o médico urologista José Murillo Netto esclarecem como o procedimento é feito, quais são os preparativos necessários e como é a recuperação dos pacientes.

“A cirurgia muda tanto as funções quanto a parte estética. A ideia é que a gente consiga alinhar a parte física ao gênero de identificação com a pessoa”, resume Carolaine. Para isso, a médica explica que existe um longo processo tanto de entendimento do paciente, seja um homem trans ou uma mulher trans, para que tenha segurança do que quer fazer. É possível, por exemplo, que a pessoa opte por retirar apenas o testículo, enquanto outros apenas o pênis – e também há quem queira tirar só a mama.

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Esse processo começa com o desejo da pessoa e a procura pelo serviço de saúde. “A pessoa é recebida por uma equipe multidisciplinar, com psicólogo, assistente social e fisioterapeuta. A fisioterapia prepara a parte pélvica. E precisam passar por um período de pelo dois anos de acompanhamento psicológico para que possam fazer a cirurgia”, define José Murillo. Como destaca Carolaine, uma pessoa trans pode optar por esse procedimento para ter mais autoconfiança e liberdade na hora de “vestir biquíni, usar uma roupa apertada e até ir no banheiro”. No entanto, não é algo que todas as pessoas trans optam por fazer, até porque os procedimentos de transgenitalização são delicados.

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A primeira cirurgia de transgenitalização foi realizada no HU em junho deste ano, e mais pessoas já estão buscando os procedimentos. “Nós estamos falando de ciência. Quando falamos de gênero, não se trata de uma construção biológica. Os profissionais de saúde e as pessoas que nos acompanham precisam entender do que estamos falando. É uma demanda legítima, espontânea e real da população pelos seus direitos, que não podem ser ignorados pelo sistema de saúde que é único e universal”, destaca a profissional.

Preparativos para cirurgia de transgenitalização

Os médicos destacam que existem vários preparativos antes da cirurgia de transgenitalização, e que eles são essenciais para o sucesso do procedimento e o bem-estar dos indivíduos. “Qualquer decisão precisa ter o momento adequado. E é nessa parte que o psicólogo faz o acompanhamento, porque, muitas vezes, ao longo dos processos, essas pessoas passam por grandes crises de ansiedade, quadros de depressão e angústias. Então o ideal é que essas grandes decisões, como o momento de iniciar hormônio ou de fazer um procedimento, estejam suportadas pelo acompanhamento psicológico, para que tome a decisão em um momento que esteja estável emocionalmente”, explica a ginecologista.

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Além disso, é preciso ter um laudo psiquiátrico atestando que estão em plena sanidade mental e que a pessoa esteja fora da taxa de obesidade. Como deixa evidente José Murillo, neste momento, também é necessário que o paciente tenha acompanhamento de fisioterapia pélvica. “Na pessoa trans feminina, que urinava em pé e passa a urinar sentada, tem uma mudança grande na musculatura da região. Na cirurgia, mexemos perto do intestino e do reto, e isso pode alterar alguma coisa. É uma cirurgia bastante complexa e que mexe numa região também bastante complexa. É uma região com musculatura toda integrada e que tem uma coordenação, para que se tenha continência urinária e continência fecal”, conta.

Pacientes conseguem ter prazer

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Uma dúvida bastante comum, respondida pelos especialistas, é se os pacientes conseguem ter prazer após fazerem a redesignação sexual. “Não se perde a sensibilidade sexual durante o procedimento. Mas é todo um caminho de reabilitação, todo um pós-operatório que dura um período”, esclarece Carolaine. Ela explica com detalhes sobre o procedimento: “A gente faz um túnel no períneo. As mulheres cis têm uma falha na musculatura pélvica onde está o canal vaginal, e as mulheres trans não têm essa falha. Então, fazemos um túnel cirurgicamente para colocar a nova vagina nesse espaço. Em uma mulher trans, inicialmente, assim como num homem cis, temos a bexiga e o reto encostados. Em uma mulher cis, temos a bexiga, o reto e no meio temos a vagina e o útero. Quando abrimos esse espaço em que vai ficar a neo vagina, o reto e a bexiga mudam de posição”. “Além disso, é preservado um pedaço da glande, a cabeça do pênis, com toda a enervação que vai para lá. Isso que a gente preserva, que se torna o clitóris, tem sensibilidade.”

No caso dos homens trans, no entanto, esse processo para a cirurgia de transgenitalização pode ser mais difícil. “A construção do pênis é uma cirurgia muito mais difícil. O número de complicações é infinitamente maior, e a questão da sensibilidade é diferente”, afirma o urologista.

Riscos 

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A cirurgia de transgenitalização traz alguns riscos, ainda mais dependendo do procedimento escolhido. Mesmo em casos que são bem-sucedidos, é preciso ter cuidados: “Há lesão de reto em 30% de casos, e abertura de pontos em praticamente 100% dos casos, porque as tensões são muito grandes. Também é uma cirurgia que secreta, que fica úmido bastante tempo, porque o tecido vai se recuperando e se entendendo nas novas posições”, explica Carolaine. Os profissionais defendem, por isso, que o procedimento seja buscado sempre em locais com profissionais qualificados e que ofereçam todo o suporte possível ao longo do processo.

Recuperação é lenta

A recuperação da cirurgia de transgenitalização leva no mínimo 90 dias, e a média é entre 7 e 10 dias de internação. Durante todo o tempo de recuperação, Carolaine afirma que é necessário pausa na atividade sexual pelo órgão operado e até nas atividades físicas. Também é necessário ter uma série de cuidados, além de visitas ao médico frequentes. “Durante esse período de recuperação da cirurgia, é trabalhado para a pessoa se entender com aquelas novas funções”, explica a médica. A parte psicológica também precisa ser trabalhada neste período, já que os desconfortos da cirurgia e o próprio desgaste do paciente podem intensificar emoções, como destaca o urologista.

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