A exposição à fumaça de queimadas durante a gravidez, especialmente no primeiro trimestre da gestação, pode aumentar o risco de o bebê nascer com baixo peso. O dado é de um estudo brasileiro publicado no The Lancet, conduzido por cientistas da Fundação Getúlio Vargas em Brasília, em parceria com instituições como a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e as universidades de Toronto, no Canadá, e de Copenhagen, na Dinamarca.
Segundo os autores, já existem indícios de que a poluição do ar afeta os desfechos na gravidez, incluindo o risco de baixo peso ao nascer. “Mas há poucos estudos específicos sobre a poluição por queimadas e não havia um estudo em escala nacional”, explica o engenheiro ambiental Weeberb João Réquia Júnior, líder do trabalho, que se dedica a estudar o impacto de fatores ambientais na saúde pública. “Além disso, avaliamos uma série temporal muito grande, o que nos permitiu analisar as informações com maior robustez.”
O grupo se debruçou sobre dados de mais de 1,5 milhão de recém-nascidos brasileiros entre os anos de 2001 e 2018, fornecidos pelo DataSus, do Ministério da Saúde. Para evitar qualquer viés, foram incluídos apenas bebês nascidos a termo – ou seja, aqueles que não eram prematuros. Também foram excluídos os que pesaram menos de 1 quilo ao nascer e os filhos de mães adolescentes e daquelas com mais de 45 anos, pois nessas faixas etárias há um risco maior do bebê nascer com baixo peso. Esses dados foram cruzados com informações de satélites sobre queimadas no país, compilados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Embora a pesquisa não aponte uma relação de causa e efeito, foi observada uma associação forte e estatisticamente significativa. “Para cada aumento de 100 focos de queimadas, houve um aumento no risco de o bebê nascer com baixo peso [menos de 2,5 quilos], principalmente se a grávida esteve exposta no primeiro trimestre”, diz Réquia Júnior.
Para a ginecologista Ana Paula Beck, do Hospital Israelita Albert Einstein, embora ainda não se possa afirmar que a fumaça das queimadas gere bebês de baixo peso, poderia haver uma causalidade, assim como ocorre com a exposição à fumaça do cigarro. “Mas a comprovação dessas situações é muito difícil e são necessários mais estudos para reforçar essa tese”, afirma.
O trabalho mostra que o maior impacto ocorreu na região Sul, apesar de, historicamente, as regiões mais afetadas pelas queimadas no país serem o Norte e o Centro-Oeste. Algumas hipóteses podem explicar esse achado: “Diferentes fontes de poluição têm composições variadas de substâncias químicas, o que pode afetar a gravidade dos impactos na saúde. Há também a possibilidade de poluentes de queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste serem transportados por ventos e atingir o Sul, resultando em exposição indireta”, diz o pesquisador da FGV.
De acordo com ele, estudos sugerem que o material particulado de queimadas pode ser transportado por longas distâncias, o que ampliaria o alcance geográfico de seus efeitos. Para o autor, essas consequências ainda podem ser potencializadas considerando a poluição das grandes cidades.