Pessoas com complicações crônicas do diabetes têm um risco até três vezes maior de desenvolver algum transtorno de saúde mental, como ansiedade ou depressão. Da mesma forma, quem tem essas condições emocionais também está mais propenso às consequências provocadas pelo descontrole da insulina.
A constatação é de um estudo liderado por cientistas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado na revista científica Diabetes Care. Segundo a pesquisa, esse efeito aumenta à medida que os adultos envelhecem. Para chegar aos resultados, a equipe analisou dados que foram coletados entre 2001 e 2018 de mais de 553 mil pessoas. Dessas, 45 mil tinham diabetes tipo 1, 152 mil o tipo 2 e 356 mil não apresentavam a doença.
As principais complicações crônicas do diabetes incluem problemas microvasculares, como a neuropatia (danos nos nervos), a nefropatia (dano nos rins) e a retinopatia (problemas nos olhos, especialmente na retina, que podem levar à cegueira). Outra é a macroangiopatia, que altera a circulação das grandes artérias, resultando em doenças cardíacas, doenças vasculares periféricas e maior risco de acidente vascular cerebral (AVC).
“Todas essas complicações afetam a qualidade de vida do paciente com diabetes e a saúde mental também. Da mesma forma, indivíduos com alterações psicológicas também podem apresentar essas complicações de forma mais exacerbada”, afirma o endocrinologista Clayton Macedo, que coordena o Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte do Hospital Israelita Albert Einstein.
Possíveis mecanismos
O diabetes é uma doença multissistêmica, que combina fatores psicológicos e comportamentais com as alterações fisiopatológicas, principalmente metabólicas e hormonais. A gestão da condição, o controle da glicose, a adesão aos cuidados alimentares e a rotina de medicações são muito desgastantes para o paciente e, por isso, podem levá-lo a desenvolver quadros de ansiedade, depressão e estresse crônico.
“Por isso, hoje em dia valorizamos como fator de risco o acesso ao tratamento e também as dificuldades em torno dele, especialmente o custo do tratamento ideal, que envolve desde as melhores medicações até a monitorização contínua. Há uma série de fatores que podem influenciar essa via bidirecional”, observa Macedo, que também coordena o ambulatório de Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Além disso, o diabetes descompensado gera um estado inflamatório no organismo, o que afeta negativamente a saúde mental e tem impacto na neuroplasticidade cerebral, levando a alterações de humor, perda cognitiva e até demência. “Isso, com certeza, impacta o status da doença”, pontua o endocrinologista. “Outro ponto importante é que pacientes com doença mental frequentemente apresentam autocuidado reduzido, comprometendo a adesão ao exercício, à dieta e ao uso correto das medicações. Novamente, o acesso a esses cuidados e à parte educativa também é prejudicado se o indivíduo não tem uma saúde mental adequada.”
Macedo ressalta ainda que várias medicações psiquiátricas provocam ganho de peso, o que piora o controle do diabetes e causa resistência à insulina, podendo agravar o diabetes tipo 2. No caso do diabetes tipo 1, também é possível haver resistência à insulina. “O diabetes tipo 1 é caracterizado pela deficiência de insulina e apresenta um controle difícil. Se somar a isso a resistência à insulina, o quadro é ainda mais desafiador”, pontua o médico.
No estudo, os autores indicam que em um período de 18 meses, até 50% das pessoas com diabetes podem ter sentimentos de angústia relacionados a sua saúde. No Brasil, não há essa estimativa, mas, segundo Macedo, existe um esforço da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e das associações de diabetes para oferecer uma abordagem mais abrangente e multidisciplinar a quem sofre com a doença. Estima-se que sejam 20 milhões de pessoas no país, de acordo com a SBD.
“Infelizmente, a realidade é que muitos recursos são limitados. O sistema público de saúde oferece as medicações mais básicas, mas precisamos lutar por melhorias. Hoje temos medicações eficazes e seguras, mas o sistema de monitoramento contínuo de glicose, por exemplo, não é acessível para todos com diabetes tipo 1”, critica Macedo. Na visão do endocrinologista, seria necessário também ampliar o acesso a cuidados nutricionais e atividade física, além do acompanhamento psicológico e psiquiátrico, quando necessário.