“Fui descobrindo que o meu tipo de cozinha é aquela que se pode fazer com as mãos”, conta Ana Luiza Daibert, a chefe criadora da Oui Uai Franco-mineirices: uma casa que mistura na mesma panela receitas das culinárias mineira e francesa. Uma casa em construção, que já foi muitas coisas até ser o que é hoje, e busca contar essa história através daquilo que produz com as mãos.
A história da Oui Uai começou há cerca de oito anos, quando Ana voltou a Juiz de Fora e queria fazer algo só seu. Antes de criar esse projeto, cursou gastronomia em Juiz de Fora. Depois, deu um à bientôt (até daqui a pouquinho) ao Brasil e foi estudar a cozinha bossa nova no mestrado de Patrimônio Alimentar em uma universidade na região do Vale do Loire, em Angers, na França. Nessa estrada, passou por cozinhas francesas por lá e também por aqui, em Belo Horizonte.
Como conta, ela quis unir as duas culinárias ao perceber que estava no meio do caminho: não cozinhava nem como uma brasileira, nem como uma francesa. Na cozinha, usa métodos de preparo e ingredientes que mesclam as duas culturas. Também diz que antes relutava em trabalhar com a confeitaria, por ter a impressão de que toda mulher se torna confeiteira.
“Eu gostava dessa parte de mexer com a mão. Descobri, então, a panificação, que supre a minha necessidade de contato com o alimento. Mas, ao mesmo tempo, eu queria uma coisa delicada.” Se encontrou na viennoiserie e nas massas folhadas – que também estão no meio do caminho, entre padaria e confeitaria.
Suas ideias surgiram da vontade de democratizar o acesso, ao trazer inovações francesas, e de valorizar nossa cultura, destacando os bons ingredientes encontrados em nosso país, através da criação, combinação e adaptação de receitas e sabores. “Quero transmitir o que sinto através da minha cozinha, como me caracterizo, sendo metade mineira e metade francesa, pelo menos no meu coração.”
Para Ana, as similaridades vão além da cozinha, estão presentes na história sociopolítica francesa e mineira. Ela destaca que a Revolução Francesa e a Inconfidência Mineira compartilharam das mesmas lutas e dos mesmos valores: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. “Minha escolha pelo vermelho não foi à toa. O pingo da geleia no logo também é um pingo de sangue.”
Foi guiada por esses valores que a Oui Uai, já presente na Rua Chanceler Oswaldo Aranha, no Bairro São Mateus, também decidiu construir morada no Mercado Municipal de Juiz de Fora. Segundo Ana, o local é um ponto de encontro, onde se vai seja tanto para comprar frutas, legumes e verduras quanto para compartilhar uma refeição. O mercado, diz ela, é uma grande quitanda, palavra de origem africana que refere-se ao tabuleiro onde os feirantes expõem suas mercadorias. “A gastronomia é uma linguagem e o alimento é uma moeda de troca. Através dela você consegue contar histórias. A gente está aqui no mercado, trazemos história.”
Um pedaço dessa história é contado nas paredes, vitrines e balcões da casa, que são recheados de souvenirs, palavra francesa que significa “lembrancinhas” ou “presentinhos”. Quadros, plaquinhas, fotografias, enfeites, bonecas russas, santos e orixás fazem parte do cenário, da memória do cantinho. “São coisas que eu vivi, que fizeram parte da minha infância, presentes que ganhei.”
Ana é sobrinha do artista juiz-forano Arlindo Daibert e conta que vem de uma família de artistas que pintam, desenham e bordam – expressões feitas à mão. “Aquele quadro de Jesus ali foi minha mãe, Eveline Amaral, quem fez. Ela borda papel, aquilo ali é tudo papel”, explica. Por isso, para ela, uma artista das mãos e dos sabores, o fazer artesanal e o fazer político se entrelaçam como um bordado.
Misturar, combinar e inventar fazem parte da sua trajetória, por isso Ana quis compartilhar uma receita que carrega história e afetos: a Francesa de Botas, uma criação que une duas sobremesas tradicionais. A base vem da Tarte Tatin, torta de frutas com massa folhada – pâtisserie clássica francesa, cuja origem está no Vale do Loire, onde Ana morou. Para trazer o sabor de Minas Gerais, terra onde nasceu e vive, ela adiciona um toque do Mineiro de Botas, doce feito com o trio típico mineiro: banana, goiabada e queijo. A receita, diz Ana, era servida aos trabalhadores das minas no retorno da labuta.
“Depois de um dia de tanto esforço com as mãos, a família os recebia com esse carinho, esse cuidado. E a Tarte Tatin foi criada num hotel, um lugar de acolhimento. Então, acho que essa torta é uma sobremesa que acolhe. E o melhor: você faz com ingredientes simples”, diz ela.
Francesa de Botas feita à mão:
Por Ana Luiza Daibert
Ingredientes para o recheio
– 1 quilo de bananas maduras ou uma fruta de sua preferência
-100 gramas de manteiga
-100 gramas de açúcar de sua preferência
-1 colher de sopa de canela
-suco de meio limão
Massa
Um disco de massa folhada ou massa “podre” de 25 centímetros de diâmetro ou do tamanho da sua forma
Modo de preparo
Primeiro, derreta o açúcar e a manteiga em uma frigideira. Corte as bananas ao meio, no sentido do comprimento, e deixe os ingredientes caramelizarem. Quando estiver caramelizando, jogue o suco de meio limão e a canela.
Com a banana caramelizada, transfira esse recheio para o fundo da forma untada. Posicione as bananas de um “jeito bonitinho” e coloque uma porção para dar volume, pois dentro do forno costumam murchar um bocado. Depois, coloque a massa, posicionando-a por cima da banana sem apertar.
Com tudo arrumadinho, leve ao forno durante 35 minutos, a 180 graus, ou até que a massa esteja dourada.
Desenforme ainda quente, para que o recheio de banana não grude. Quando a tortinha estiver virada, coloque os acompanhamentos que desejar.
Opções de coberturas
-Goiabada cascão mole
-Queijo canastra ralado
-Doce de leite
-Nata com açúcar