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‘Se nós, médicos, não nos mexermos seremos engolidos pela mudança’

daniel capa
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Um tema domina o cenário da saúde tanto no que se refere ao setor público quanto à iniciativa privada: é o autocuidado apoiado, novo modelo de atenção em que o paciente ocupa o centro da rede de cuidados e se torna o principal ator da sua saúde/doença. Mais que uma simples mudança na organização dos serviços de saúde, a iniciativa é a aposta para garantir a sustentabilidade de um sistema que anda às voltas com o desequilíbrio provocado pelo crescente aumento dos custos assistenciais.

“Nunca tivemos dúvidas da ineficiência desse sistema de desatenção à saúde focado na doença, hospitalocêntrico, sem interdisciplinaridade, fragmentado e obsessivamente centrado na incorporação acrítica de novas tecnologias. Foi desse perverso cenário, que surgiram e ainda surgem, no Brasil e no mundo, operadoras estritamente comerciais de ‘planos de saúde’, que nada agregam de valor à saúde das pessoas”, afirma o presidente da Unimed Juiz de Fora, Hugo Borges.

Como verdadeira cooperativa de trabalho médico, a Unimed mantém há 12 anos o hoje denominado Espaço Viver Bem, um dos primeiros e melhores serviços de medicina preventiva na saúde suplementar do país, ancorado na reabilitação cardiopulmonar e metabólica, entre outras linhas de cuidados na promoção da saúde, com equipes multidisciplinares de alta performance. Os resultados são hoje nacionalmente reconhecidos dentro e fora do sistema Unimed. “Desde então, vimos ressignificando o conceito e o valor de um verdadeiro plano de saúde”, observa Hugo Borges.

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Superintendente de Provimento em Saúde da Central Nacional Unimed (CNU), o médico Daniel Peixoto de Albuquerque atesta a excelência do trabalho realizado em Juiz de Fora. Nesta entrevista exclusiva,ele destaca a importância das iniciativas de promoção e prevenção e avisa: “uma grande mudança é do papel do médico que é convidado a dividir com a equipe multidisciplinar o protagonismo técnico”.

 

Por que o autocuidado apoiado está na ordem do dia tanto na saúde pública quanto no mercado privado de saúde?

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Daniel Albuquerque – Falar de autocuidado apoiado hoje é uma pauta muito forte tanto no SUS quanto na Saúde suplementar, uma vez que os custos assistenciais das condições crônicas vêm aumentando e pressionando o orçamento com a transição demográfica e epidemiológica.A educação para a saúde passa a ser uma agenda indissociável da saúde coletiva. Lembro-me que no começo da minha vida profissional como cardiologista, fui taxado de louco pelos colegas quando resolvi focar minha pós residência num mestrado em educação física tendo o exercício físico como “remédio”. Naquela época,o caminho natural para um cardiologista era fazer uma subespecialidade – hemodinâmica, eco cardiografia ou arritmia. Hoje, percebo que estava no caminho certo, pois poucos me chamam de louco (risos).A Unimed Juiz de Fora também foi pioneira nessa agenda criando um dos primeiros e melhores serviços de medicina preventiva “sérios” do Brasil, isso há 12 anos, apostando em reabilitação cardíaca multidisciplinar, algo totalmente inovador. O tempo mostrou que estávamos certos.

Essa mudança, sobretudo na abordagem aos pacientes de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, representa muito mais que alteração de hábitos de vida e de rotinas de trabalho para profissionais de saúde. É algo muito mais profundo, cultural, que coloca o sujeito como o principal responsável pela sua saúde. Como dialogar com essas duas pontas, profissionais e pacientes, ao mesmo tempo,para a promoção da mudança?

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– Como toda mudança de cultura, não é algo simples.É algo orgânico, que tem que ser realizado em ciclos e em várias etapas e com vários agentes. A maior mudanças e refere ao papel do médico que, neste novo modelo, é convidado a dividir com a equipe multidisciplinar o protagonismo técnico. Não é uma tarefa fácil. Nós (médicos) nascemos profissionalmente para desempenhar esse papel. Sair dele não é nada confortável. No entanto, se não nós mexermos seremos engolidos pela mudança. Outra grande e necessária transformação é a inclusão do paciente como principal “partícipe” da equipe:  escolhendo e participando junto com a equipe multidisciplinar de escolhas terapêuticas, prazos e planos de cuidado.

Em que estágio (avanço) você acredita que o Brasil esteja em relação a este tema, considerando outros países em que essa questão cultural está melhor compreendida?

– Avançamos muito nos últimos 10 anos, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) tem sido uma parceira importante neste sentido, apoiando iniciativas de prevenção e incentivando economicamente as operadoras a seguirem por este caminho. O SUS também tem iniciativas, como o Hiperdia e o Outubro Rosa, porém elas convergem pouco com as da saúde suplementar e entendo que o grande ausente nesta discussão é o MEC, uma vez que teremos que chegar na educação para que realmente mudemos a cultura.Em relação a outros países, temos ainda grande caminho a percorrer, embora estejamos na frente de vários que não têm um sistema estruturado – EUA e América Latina, estamos bem atrás de outros que tem um sistema apoiado na atenção primária em que a parte de autocuidado apoiado é fator fundamental do sistema. Principalmente a Europa, Oceania e Canadá estão muito a frente do Brasil. O Canadá, por exemplo, tem uma pasta com status de ministério só voltado a prevenção em saúde.

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O que o sistema Unimed tem feito para consolidar essa mudança entre médicos cooperados e demais profissionais de saúde, uma vez que, a integração da equipe multidisciplinar é fundamental para seu sucesso?

– O papel do sistema Unimed é fundamental nessa mudança do modelo mental do médico. Primeiro, por ser o maior sistema de saúde suplementar brasileiro, tornando-o um grande motor para a mudança e empoderamento dos demais profissionais de saúde e, segundo, por ser uma empresa em que os proprietários são os cooperados, que são médicos. Este segundo fator é especialmente importante,porque como já disse, os médicos são os principais agentes para a mudança. Se houver hesitação ou demora, o sistema perderá mercado para outros modelos mais ágeis e resolutivos. A Unimed do Brasil tem feito algumas iniciativas de incentivo ao autocuidado apoiado, no entanto, entendo que ainda falta maior sinergia sistêmica para esta aceleração. A Central Nacional Unimed – operadora nacional do sistema – será uma grande ferramenta neste sentido em breve, estamos trabalhando fortemente pra isto.

E com os pacientes/clientes dos planos de saúde?

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– As operadoras devem ter clareza do novo papel do cliente individual, que será de protagonismo e interatividade. Obviamente, para o rápido fomento do autocuidado apoiado, seria ótimo que todos os clientes passassem a ter produtos focados em atenção primária à saúde, mas como sabemos que está transição será lenta e gradual, demorando décadas, programas de apoio focados na integralidade do cuidado serão fundamentais nesta transição, garantindo também longitudinalidade, coordenação do cuidado.A ANS foi muito feliz quando da escolha de dois nichos de pacientes para que as operadoras concentrem seus esforços – os idosos, que não tinham um cuidado bem desenhado e os oncológicos, aonde os conflitos de interesse econômico retiram o paciente da centralidade do cuidado.O cliente coletivo também quer uma agenda neste sentido, cobrando gestão de saúde da sua população.

Do ponto de vista da gestão, como a tecnologia pode facilitar a disseminação do autocuidado apoiado?

– Vou aproveitar esta pergunta para desmistificar algumas coisas: o termo tecnologia tem sido usado como sinônimo de algo computacional, portanto num sentido menos abrangente. Eu prefiro usar a palavra tecnologia no sentido de novas formas de fazer, novos know-hows. Esta tecnologia dos computadores é chamada de tecnologia dura, e a tecnologia da mudança, de um atendimento ou forma de entregar o cuidado de tecnologia leve.Acho que a tecnologia leve é a parte mais importante para o autocuidado apoiado. Todos os profissionais de saúde têm que realizar mudanças na sua forma de atender, e estas mudanças, a aprendizagem disso, eu chamo de tecnologia leve. Ela é a mais importante tecnologia a ser adotada.A tecnologia dura também será útil, com grandes bases de dados, sistemas mais conectados com barramentos, repositórios eletrônicos de saúde e weareables, mas não tê-los não será impeditivo. Estes, só farão sentidos se ligados aos primeiros: a nova forma de cuidar.Existem ainda tecnologias disruptivas que ainda não estamos colocando na análise, como a inteligência artificial e a genética. Elas mudarão muito o jogo.

O que essa mudança representará efetivamente para a melhoria do complexo e fundamental sistema de saúde com tantos interesses, por vezes conflitantes, em jogo?

– O sistema tradicional– medicalocêntrico e hospitalocêntrico, com livre oferta de serviços e fee-for-service – está claramente colapsado, sendo completamente insustentável a médio prazo. A mudança já está em curso, para algo mais inteligente e higiênico. Falo de higiene no sentido grego mesmo (Hygeia), de saúde. Estamos olhando mais para a saúde sem deixar de olhar para a doença. Se nós esforçarmos em dar a centralidade do cuidado ao paciente, trabalharmos em times multidisciplinares e remunerarmos os atores da rede da saúde de forma sinérgica à entrega de valor, diminuiremos grande parte dos conflitos de interesses hoje existentes e estaremos, com certeza. no caminho certo. Esta estrada já começou a ser trilhada.

 

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