Ter um animal de estimação está entre as melhores escolhas que um ser humano pode fazer na vida, inclusive, para melhorar a sua saúde. Diversos estudos já mostraram que a convivência com cães e gatos ajuda a tratar a depressão, a ansiedade, o estresse e até as doenças cardiovasculares. A grande questão, porém, é fazer com que essa relação não seja danosa para os pets. Nos últimos anos, tem crescido o número de bichos, em especial os cachorros, que apresentam problemas comportamentais derivados do excesso de zelo e cuidado por parte dos seus tutores. Entre as consequências está a adoção de posturas mais humanas, fazendo com que os cães não se reconheçam como cães e deixem de lado a sua essência.
O processo de humanização dos cachorros, segundo a médica veterinária Juliana César Horta, sócia-proprietária da Império Pet, está relacionado ao fato de eles terem saído dos quintais, onde exerciam a função de proteção, para ocuparem o posto de membro da família (veja vídeo abaixo). “Quando eles vieram para dentro das casas, eles passaram a ser mais valorizados e bem cuidados. Isso trouxe benefícios a eles e ampliou a oferta e o acesso a produtos e serviços pet, porém os cães ficaram mais vulneráveis à antropomorfização, que nada mais é do que atribuir características humanas a um ser não humano.”
Como consequência, a veterinária explica que muitos passam a não se enxergarem como cães, desta forma, não farejam, não se sujam, não saem de casa e nem interagem com outros cachorros. “Eles tendem a ficar mais reativos a outros animais da mesma espécie. Já atendi pacientes que não aceitam ficar na coleira, não querem ir para o chão e preferem ficar no colo do tutor ou dentro de bolsas”, aponta.
Cães de qualquer porte e raça, até mesmo os vira-latas, estão passíveis dessa antropomorfização. Contudo Juliana destaca que este problema tem maior incidência em cães únicos, de porte menor, mais escolhidos por pessoas que vivem em apartamentos, moram sozinhas ou são casadas, mas não têm filhos.
“Os tipos branquicefálicos, por exemplo, têm o focinho achatado e os olhos mais à frente, características bem mais humanas se comparadas aos cães comuns, que têm o focinho comprido e os olhos lateralizados. Há correntes dentro da medicina veterinária que defendem que eles foram criados pelos humanos exatamente com esta finalidade.” Ela acrescenta que essas modificações anatômicas, que foram feitas ao longo do tempo, trouxeram malefícios a eles, como terem mais dificuldades ao respirar.
‘Cachorro precisa ser cachorro’
Aproveitando o fato dos cães terem aceitado com mais facilidade a sua domesticação, os humanos criaram demandas como o uso de roupas, sapatos, perfumes e até festinhas de aniversário, por exemplo. E eles, prontamente, corresponderam e até gostam desse tipo de coisa. “Não tem problema chamar seu cachorro de filho, dormir com ele na cama, usar roupas, sapatos, fazer festinha. O problema está em não ter equilíbrio. Por isso, temos que deixar os cachorros serem cachorros. Desde que estejam com o calendário vacinal em dia e protegidos contra pulgas e carrapatos, eles precisam sair de casa para passear, brincar com outros cães, rolar na grama, se sujar. Cães precisam de atividade física para gastar energia e brinquedos interativos que ajudam a manifestar a sua essência canina”, reforça.
A veterinária aponta que cães que não apresentam o comportamento habitual podem desenvolver problemas de fundo psicológico, como hiperatividade, ansiedade e depressão. Outro reflexo é não saber lidar com a ausência do dono, com isso, destroem objetos domésticos, vocalizam absurdamente e se lambem a ponto de se machucar. Outro risco é a obesidade, provocada pelo excesso de petisco e comida, que abre porta para doenças como diabetes e hipertensão.
Como evitar e tratar o problema?
“A humanização acontece por excesso de amor e necessidade que nós humanos temos de nos sentir amados. Temos que acostumar o cão, desde cedo, a ficar sem a gente”, revela Juliana. Ao pegar um filhote, o tutor deve prezar por sua socialização, colocando-o em contato com outros cães, pessoas e barulhos, para que ele desenvolva de forma saudável. Em animais adultos, os sinais aparecem no comportamento e podem ser identificados na consulta com o veterinário. “Aqui no Império Pet fazemos toda a avaliação do animal. Geralmente, o processo começa com a mudança nas atitudes do próprio tutor. Em casos mais graves, encaminhamos o cão para creches parceiras para estimular essa socialização ou para terapeutas comportamentais. A evolução depende de cada animal, mas conseguimos ótimos resultados.”
Gatos sofrem menos com a humanização
Por muitos anos, a medicina veterinária tratou os gatos como cães de porte pequeno, mas, com a popularização dos felinos, descobriu-se que eles são bem diferentes. Inclusive, os gatos pouco sofrem com a antropormofização devido ao seu comportamento. “Os gatos foram domesticados, mas não no mesmo nível que os cães. Ou seja, conseguiram manter a essência felina. Mas isso não quer dizer que eles não sejam apegados aos seus donos ou que sejam interesseiros. Pelo contrário, são hipercarinhosos e gostam de atenção. A diferença é que, por serem mais independentes, sofrem menos ao ficar sozinhos, mas precisam de estímulo para não ter, por exemplo, problemas com obesidade”, finaliza Juliana.
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